domingo, 21 de setembro de 2014

LEITURA INCÔMODA

        Uma coisa me incomoda ao ler Descartes, o “pai do racionalismo”: o salto que ele propõe de seu princípio de racionalidade, o cogito, para a metafísica.
A ideia de Deus prova sua existência.
(O termo “existência” aqui não tem a acepção heideggeriana, dada com exclusividade ao homem.)
Não é estranho que até hoje ninguém limitou essa prova de Descartes aos deuses vigentes, cultuados pelas religiões ainda ativas? Deuses que vigem: Jeová (que passou a ser denominado de “Deus” por etnocentrismo da cultura judaico-cristã), Alá, Vixnu, entre outros.
Os deuses que vigeram também eram a ideia de homens, povos e civilizações, não menos vivos em seu tempo do que somos hoje, os ocidentais.
Ninguém que vivesse na Grécia Antiga defenderia a não existência de Zeus (e dos Olimpianos). Mais que coragem, faltar-lhe-ia argumentos para convencer seus concidadãos. Séculos ou milênios mais tarde, todavia, o deus poderoso dos gregos acabou relegado ao mito. Crença, culto, conceito, imagem, tudo não passava de uma ilusão milenar, civilizatória.
Em relação a nossa civilização, Nietzsche ainda é o melhor exemplo de coragem e argumentação. Depois dele, o século XX se encheu de filósofos e cientistas a prolongar seu discurso.
Da parte que me cabe, modéstia à parte, já vislumbro um tempo em que judaísmo e cristianismo (grafados com minúsculas) não passarão de mito, e a Bíblia, a expressão escrita de uma mitologia.
A laicização aponta para esse tempo.
Ela não será páreo para o fundamentalismo islâmico, que se intromete na Europa sem qualquer resistência. Para deter esse avanço, penso que a cruz ainda se fará necessária a partir de sua última cidadela (na América).
Essa tergiversação sobre uma leitura de Descartes também me incomoda.  

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