Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!
Era a virgem do mar, na escuma fria
Pela maré das águas embalada!
Era um anjo entre nuvens d'alvorada
Que em sonhos se banhava e se esquecia!
Era mais bela! o seio palpitando
Negros olhos as pálpebras abrindo
Formas nuas no leito resvalando
Não te rias de mim, meu anjo lindo!
Por ti - as noites eu velei chorando,
Quem és tu, quem és tu, vulto gracioso,
Que te elevas da noite na orvalhada?
Tens a face nas sombras mergulhada...
Sobre as névoas te libras vaporoso...
Baixas do céu num vôo harmonioso! ...
Quem és tu, bela e branca desposada?
Da laranjeira em flor a flor nevada
Cerca-te a fronte, ó ser misterioso! ...
Onde nos vimos nós? ... És doutra esfera?
És o ser que eu busquei do sul ao norte...
Por quem meu peito em sonhos desespera? ...
Quem és tu? Quem és tu? — És minha sorte!
És talvez o ideal que est'alma espera!
És a glória talvez! Talvez a morte! ...
Para arrematar, caros visitantes, cito Luís Delfino, que "soneteou com mais abundância ainda que Boccage, Camões e Petrarca", segundo o crítico Agrippino Grieco.
Esse gênero criado antes de Petrarca, aperfeiçoado pelo poeta italiano, trazido para Portugal por Sá de Miranda, alçado à perfeição lírica com Luís de Camões, inaugurado no Brasil com Gregório de Matos Guerra, retomado classicamente com Claúdio Manuel da Costa, continuado pelo Romantismo (como foi exposto acima), feito escola com parnasianos, elevado musicalmente com Cruz e Souza (no Simbolismo), lexicografado com Augusto dos Anjos, retomado exaustivamente com os modernistas. Não fosse pelos sonetos, Vinícius de Moraes não seria recitado com a mesma frequência nestes dias. Carlos Nejar publicou um livro apenas com sonetos, cujo título é Sonetos do Paiol: ao Sul da Aurora.
Modéstia à parte, meu Inviso trem é um belo soneto:
O tempo arrasta mil vagões por hora,
Num tique-taque que de longe vem,
Tomando os túneis que minha alma tem
Para levar um pouco dela embora.
.
A pressa a tudo toca, sem demora
Meu corpo não escapará também,
Atropelado pelo inviso trem,
Que o arrojará um dia noite afora.
.
Irresoluto, encontro-me perdido,
À espera do que já passou por mim,
No vácuo do meu sonho não vivido.
.
Os olhos fitos no horizonte (à frente),
Uma ilusão que só posterga o fim
E o tempo – eterno maquinar presente.
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