quinta-feira, 17 de junho de 2010

QUANTIDADE X QUALIDADE

Há alguns anos, fui visitar os vinhedos da Almadén em Livramento, num vilarejo já tornado famoso pele vinho que produz e pelo seu filho mais ilustre, Juremir Machado da Silva. Esperava encontrar lá grandes parreirais, maiores dos que conhecia até então, é verdade, mas nada tão diferente comparado com os parreiras existentes ao sul do município de Santiago. Primeira surpresa que tive em Palomas foi constatar que a videira não passava de um arbusto quase semelhante a um pé de soja bem desenvolvido. Amparado por dois ou três fios de arame liso, o pé da videira era trabalhado para produzir um número reduzido de cachos, visando a uma melhor qualidade do vinho. No Rincão dos Machado, por exemplo, os pés de parreira eram cuidados para dar o máximo de uva, por isso sofriam o mínimo de poda anualmente. A quantidade era o único fator ambicionado, rendia mais na venda da uva e na produção do vinho crioulo. Este acabava sendo da pior qualidade.
Um pouco cansado de plantar e de colher no terreno da poesia, este ano resolvi investir numa nova cultura literária, a da prosa. Para não correr risco que corre o ignorante (no bom sentido), pensei em recorrer aos manuais, digitando no site do submarino.com palavras-chave para encontrá-los. O primeiro escolhido foi A teoria do romance, de Georg Lukács. O segundo, Vencendo o desafio de escrever um romance, de Ryoki Inoue. A propósito desse título, desconfiei do verbo, ainda mais no gerúndio, sempre empobrecedor. O primeiro livro (a começar pelo título) é referencial de muitos estudos que se fizeram depois. A produção de Lukács se resume a poucos e excelentes livros, ao contrário de Inoue, o escritor brasileiro que está no International Guinness books of records, em razão de ter escrito 1.074 obras. Sim, não é erro de digitação: mil e setenta e quatro. Esse dado me chamou a atenção ao ler a orelha de Vencendo o desafio de escrever um romance. Rapidinho, fui ao prefácio, escrito por alguém chamado Okky de Souza. Assim começa o encômio:
"Quem conhece a obra de Ryoki Inoue sabe do extremo apuro com que ele elabora seus romances. Os contextos históricos e geográficos são exaustivamente pesquisados para que seus personagens se movam no cenário adequado".
Nova desconfiança: o contexto histórico e geográfico é exaustivamente estudado? Sei que muitos romancistas estudam muito coisa antes de começar uma história. Arthur Halley, por exemplo, autor de best-sellers, como O aeroporto, estudava dois ou três anos para se lançar à obra. Obviamente, Inoue não poderá dispensar tempo semelhante, embora o "exaustivamente" de seu apresentador aponte para isso. Ainda que considerasse um ano esse estudo exaustivo, o recordista necessitaria de mil e setenta e quatro anos para escrever seus romances. Mesmo que escrevesse em um mês cada livro, incluindo a pesquisa histórica e geográfica, levaria mais de 80 anos (idade ainda não alcançada pelo autor).
A primeira curiosidade que tive foi de saber quais os principais romances de Inoue. No prefácio, nenhum é citado. Na segunda orelha, a título biográfico, leio que um de seus maiores sucessos foi O caminho das pedras. Esse livro não é nenhum romance, mas um "volume de normas que ensina a escrever bem", do mesmo gênero que o encomendado por mim.
A julgar pelo livro que tenho em mãos, um amontoado de clichês, a qualidade da extensa obra do autor acima é duvidosa. Inoue pode ser exemplo de que a quantidade, em muitos casos, é inversamente proporcional à boa qualidade. Tornou-se famoso por um número registrado no livro dos recordes, não pela arte, pela originalidade estética de sua obra. O que interessa a ele é o número de cachos de sua fértil videira, não a doçura da uva, tampouco, a cor, o aroma e o sabor do vinho produzido.
Uma pergunta aos debochados literatos (sem leitura) de Santiago: Quantos romances escreveu João Guimarães Rosa?
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(Esta postagem é um vinho fino. Não me venham com vinagre.)


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