Pela segunda ou terceira vez, escrevo que uma das funções do blog é servir de laboratório para a produção textual. O acesso rápido, a facilidade de trabalhar com a ferramenta, a noção de espacialidade topográfica (J.D. Bolter), entre outros fatores, contribuem para a revisão da ortografia, a reescrita (com cortes e acréscimos), enfim, o acabamento formal e conteudístico que se exige de todo texto.
Coerente com a ideia acima, transformei as três postagens anteriores em uma única, que poderá ser a próxima coluna do Expresso Ilustrado. Apresento-a quase pronta:
A tragédia no Haiti reinicia uma velha discussão, cujo momento mais conhecido foi protagonizado por Voltaire e Rousseau. Quem é o culpado diante de uma grande desgraça? O terremoto ocorrido em Lisboa, em 1755, em que morreram mais de 10 mil pessoas, motivou um enfrentamento discursivo entre os dois filósofos franceses. Na época, padres alardearam se tratar de um castigo de Deus (deus, com letra minúscula para os ateus). Cristãos não perderiam a oportunidade de julgar o terremoto no Haiti da mesma forma. A razão desse julgamento remete ao fato de o vodu ser dominante no país, prática que incomoda os católicos ressentidos ainda com a perseguição de Papa Doc. Pseudoecologistas não perderiam igual oportunidade de dizer que a natureza se vinga das agressões sofridas. Outros, como já o fizera Rousseau, culpam o próprio homem, que não escolhe os lugares mais adequados para construir suas cidades. Impossível manter uma posição de neutralidade absoluta ante um quadro como o do Haiti. Toda miséria e toda violência não eram suficientes para esse país, que, há apenas dois séculos, constituía-se numa das colônias europeias mais prósperas na América Central? Os males acima têm a marca do homem, que os infringe e os experimenta em si mesmo concomitantemente. Por alguns bilhões de anos, antes de surgir a nossa espécie, esses e outros acidentes geológicos já ocorriam no planeta. Tal dado basta para isentar qualquer culpa, inclusive aos humanos, que transcenderam as piores vicissitudes. Acaso, sorte, seja lá o que for, ninguém pode negar que, desde o paleolítico, a solidariedade foi um fator decisivo para a nossa sobrevivência. Ao se solidarizar, o homem se redime da culpa.
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