sexta-feira, 12 de outubro de 2018

IDEOLOGIAS INSUSTENTÁVEIS


Em suas Reflexões autobiográficas, Eric Voegelin elenca três razões para alimentar grande repulsa às grandes ideologias, como o positivismo, o marxismo e o nacional-socialismo. A princípio, ele reconhece que foi influenciado por Max Weber, para quem a honestidade intelectual era indispensável em um homem de ciência.
            A primeira razão é exatamente a desonestidade intelectual daqueles que constroem edifícios ideológicos, já examinados por uma ampla bibliografia. Aqui é oportuno destacar Raymond Aron, autor de O ópio dos intelectuais, em que disseca o marxismo e seu fascínio sobre a intelligentsia.

Basta ler a bibliografia pertinente, para saber por que são insustentáveis (as ideologias). Se, mesmo assim, um indivíduo opta por aderir a uma delas, impõe-se de imediato a suposição de sua desonestidade intelectual (VOEGELIN, 2007, p. 80).

            Um cientista social competente e um ideólogo, para o filósofo, são incompatíveis.
            O segundo motivo de sua repulsa é o morticínio de pessoas, provocado por essas ideologias, que a História mesma provou não se adequarem à condição basilar dos seres humanos. Qual era a graça de matar por “diversão”, assim pergunta o pensador (2007, p. 81):

A brincadeira é conquistar uma pseudo-identidade com a afirmação do próprio poder, o que se faz preferencialmente matando alguém, e esta pseudo-identidade passa a servir de substituta ao ego humano que se perdeu.

            O terceiro motivo diz respeito “destruição da linguagem”, que caracteriza todo ideólogo marxista (por exemplo). Ele se deixaria seduzir pelas dificuldades dos escritos de Hegel, a explorar “as possibilidades de interpretação da realidade a partir deste ou daquele ângulo de seu sistema”. O problema é que o faz sem questionar as premissas que estão erradas. Para ocultá-las, o hegeliano conta com o desconhecimento dos antecedentes em Plotino e no misticismo neoplatônico do século XVII.
            Para Voegelin, é mais evidente a falsidade das premissas no marxismo. Não apenas por distorcer os conceitos de Hegel, tomando-os como “predicados da ideia em enunciados sobre fatos”, como por recusar o diálogo com o argumento etiológico de Aristóteles, que trata das causas de todos os seres e coisas.
            Com o objetivo de destruir a humanidade do homem em benefício do “homem socialista”, Marx precisava evitar o problema etiológico. Ele teve sorte nesse intento em vista da “degradação cultural do universo acadêmico e intelectual no final do século XIX e início do XX”.

A condenação radical do conhecimento histórico e filosófico deve ser identificada como um fator importante em nosso ambiente político-social, porque aqueles que a ditam não podem sequer ser chamados de impostores intelectuais – seu horizonte de consciência é por demais limitado para que estejam conscientes de sua desonestidade objetiva (VOEGELIN, 2007, p. 85).

            Na contracorrente da tendência charlatã, Max Weber escreveu em 1904-1905 ensaios esclarecedores, que levou Voegelin a rejeitar o marxismo como indefensável cientificamente.

REFERÊNCIA:
VOEGELIN, Eric. Reflexões autobiográficas; tradução Maria Inês de Carvalho; notas Martim Vasques da Cunha. – São Paulo: É Realizações, 2007

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