O autoconhecimento implica outros
saberes do mundo que cerca, contextualiza ou determina a existência de quem
busca o conhecimento de si mesmo. A filosofia, ao colocar a necessidade do
“conhece-te a ti mesmo”, impõe-se como organizadora do processo, que reúne os
demais dados já sistematizados por outras ciências.
Em princípio, pode-se
afirmar que o autoconhecimento exige uma desconstrução do Eu, a qual se
constitui sob a influência açambarcante da cultura (em que ele se encontra
situado existencialmente). Essa desconstrução deve impactar sobre as crenças e
preconceitos internalizados pelo Eu ab
origine.
Uma das crenças
constitutivas do Eu é a da sua natureza divina, a ponto dele se instituir a
imagem e semelhança de um criador mítico. Um de seus preconceitos diz respeito
à “verdade”, de ser ele seu depositário fiel. Nesse aspecto, crença e
preconceito se mesclam para a sustentação do mito criacionista.
Dois conhecimentos
científicos são suficientes para que a construção de egolatria e relativismo
seja atingida contundente e definitivamente: a evolução biológica e a
psicologia. A biologia demonstra a verdadeira natureza humana, cujo vínculo
genético a associa às primeiras formas de vida na Terra. Das bactérias aos
mamíferos. É inegável uma descendência mais ou menos linear (com pequenas
variações). O gênero homo pertence à
ordem dos primatas, bem como a espécie homo
sapiens pertence ao gênero homo.
A presunção de uma
humanidade no âmbito social, a camuflar o fator específico (de pertencimento
animal), repete-se no âmbito individual com a personificação de um Eu.
A psicologia, o segundo
conhecimento citado acima, coloca o Eu na berlinda, não para lisonjeá-lo, como
ocorre na brincadeira, senão para retratá-lo em suas ilusões mais pretenciosas.
Desde Freud (e sua descoberta do inconsciente), já se sabe que os instintos e
as pulsões, que continuam a dominar o indivíduo, manifestam-se à revelia de um
centro de racionalidade, de autoconsciência. No primeiro ano de vida, o bebê humano
vive às expensas dessas manifestações naturais, sem um Eu (que logo inicia sua
formação ontológica).
A atividade principal
do Eu é de justificar sentimentos e atitudes que têm um starter instintivo ou pulsional. Essa racionalização é diferente da compreensão
(atributo do Eu que se analisa). No instante de ira, por exemplo, o Eu comum
reage como que tardiamente, a julgar condenável o impulso ou a assumi-lo como
seu. O Eu excepcional (já percebido por si no processo autocognitivo) não
julga, apenas observa, observa e compreende de imediato. A compreensão da ira,
a se manifestar na mente e no corpo, diminui o tamanho do Eu (com a abstração)
e propicia-lhe uma experiência que o torna maior (com o autoconhecimento).
A desconstrução do Eu
é, paradoxalmente, a construção de um novo Eu, mais leve e feliz. A relação
entre conhecimento (do mundo e de si mesmo) e sabedoria é possível, bem como o
é a de sabedoria e felicidade.
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