segunda-feira, 12 de outubro de 2020

MONTANHA ACIMA

 

          Nietzsche criou duas metáforas para representar a trajetória do homem ao além-do-homem: a da corda estendida sobre um abismo e a da subida em direção ao alto, à montanha acima da cidade e de sua praça.

       Desde antes de ler Nietzsche pela primeira vez, concebi a busca da sabedoria como uma caminhada, exatamente como pensara o filósofo há mais de um século. Ele afirma (lembro duas vezes) que quanto mais você se eleva, menor se afigura aos que continuam embaixo, seja por estes são ludibriados por uma ilusão de ótica, seja por inveja.

         Uma vida é demasiado curta, a tomar como referência nossa cultura, para se chegar ao topo, mais próximo da luz que deve irradiar por lá. No entanto, desde já gozo de uma visão que se aclara  à medida que subo mais e mais. Nessa visão, incluem-se aqueles que sequer começaram a subida, por falta de coragem, tibieza, despeito ou presunção. Eles se encontram (ou se perdem) no rasteiro do sopé, incapazes de se desvencilharem do peso sobre seus ombros.

         Uma aporia me perturba ao longo da caminhada: ainda sinto compaixão pelos meus semelhantes (por um lado) e uma vontade inquebrantável de subir ainda mais (por outro). Aquele sentimento me puxa para baixo, ao contrário da força ativa, que me torna mais livre e mais seguro. Todos devem se conduzir pelas próprias pernas, fazer seu próprio caminho – algo que depende de um querer determinado.

         Na altura em que me encontro, o vento é fresco e o estar-só uma condição muito agradável. Tudo abaixo se apequena, visto pela compreensão ampliada continuamente. Tudo acima ganha em claridade. A julgar pelo bem que experimento desde agora, o alto é o meio do caminho, é descer outra vez, qual o personagem liberto da caverna na alegoria de Platão.

         Em meio à luta dos homens lá embaixo, correrei o risco de ser incompreendido como o foi Zaratustra, tomado como um excêntrico, um herege, uma ameaça aos valores tradicionais, às "verdades" instauradas pelo hábito. Já convivi com eles nas primeiras duas décadas da minha vida. Ainda jovem, portanto, iniciei esta caminhada. 

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