Como a Turquia ainda consegue
ser um Estado laico, se quase a totalidade da população é islâmica?
Essa questão desafiadora
ocorreu-me ontem, quando assistia ao filme Mucize
(O milagre)*. O professor Mahir
voluntariou-se para dar aulas num vilarejo distante entre as montanhas do oeste
turco. Ao chegar lá, depois de uma longa caminhada, Mahir constata que não há
escola desde sempre. Seus moradores são analfabetos e vivem segundo um sistema
moral fundamentado na tradição. Antes de tomar o trem de volta, Mahir decide ficar
e construir a escola, com apenas uma condição: a inclusão das meninas. As
instalações foram erguidas rapidamente com a ajuda de “bandoleiros”, gente do
lugar que vive à revelia da lei.
Sem o
conhecimento necessário, sou instado a pensar de acordo com o estereótipo de
que os países islâmicos do Oriente são governados teocrática e ditatorialmente,
cujos exemplos mais conhecidos são o Afeganistão, a Arábia Saudita e o Irã. A
Turquia, todavia, representa uma bela exceção. Esse país é democrático,
ordenado juridicamente por uma das melhores constituições do mundo (reeditada
em 1982).
Num
tempo em que os regimes democráticos do Ocidente se permitem laivos conservadores,
de fundamentalismo religioso, de recaída fascista, de inclinação de direita ou
de esquerda, a Turquia continua o Estado democrático, secular. Embora o
presidente Recep Tayyip Erdogan tenha apoiado o domínio muçulmano, com a
conversão de igreja ortodoxa cristã em mesquita, a constituição turca
transcenderá a esse político. Obviamente, o país sofre outras ameaças
políticas, como a organização marxista dos curdos e a tensão com a Grécia.
A laicidade da Turquia, ouso dizer, representa
uma das maiores barreiras intercontinentais para o avanço islâmico em direção
ao Ocidente.
* Filme turco lançado em 2015, dirigido por Mahsun Kirmizigul.
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