A
trilha molhada até a várzea não firma os tamanquinhos já gastos de Nenê e
Menina. Ana os segue de perto, a pedir que os pequenos tomem cuidado para não
cair no barro. Mais abaixo, os três pegam uma estrada melhor entre o morro e o
Rosário.
A
caminhada não termina na Sédia, onde moram famílias com mais haveres. Nenê
sonha de olhos abertos, azuis como a nesga de céu que se mostra por trás das
nuvens:
–
Mãe, por que a gente não se muda pra cá?
Ana
sorri com a pergunta, balança a cabeça negativamente. A menina adivinha seu
desejo inconfessável? Outra coisa a preocupa nesta tarde, como tantas tardes
dos últimos dois anos. Otávio prometeu-lhe escrever do Rio de Janeiro. Uma
carta veio há dois Natais. A saudade continua a crescer no peito como um
espinheiro.
Nenê
e Menina diminuem o passo, admirados com o movimento da vila.
Andem! Andem! Não querem ver o trem? Na volta, vamos à igreja.
Ainda
falta meia hora para chegarem à estação do Curussu.
Sobre
a ponte, Menina joga uma pedra no rio. Inutilmente, o guri vira a cabeça para
ouvir o choque da pedra com a água. A ponte é alta demais. Com os tamancos na
mão, corre para alcançar a mãe e a irmã.
Uma
subida longa do outro lado do rio exige força na perna. A conversa cansa mais
agora, mas assim que eles chegam ao plano, Menina indaga a mãe:
–
O trem vem daonde?
–
Já te disse dez vezes, Menina. O trem vem de Porto Alegre e vai para São Borja.
–
Um dia quero ir pra São Borja.
–
Eu quero pra Porto Alegre – Nenê o contraria.
–
O trem não demora, depressa!
A
ponte da ferrovia, segmentos da linha férrea e a estação de Curussu são vistas
do morro. O coração parece sair pela boca dos meninos. A paisagem é muito
diferente da serra onde moram, rodeada de canavial e mataria.
Um
apito é ouvido. A locomotiva faz sua aparição, como se flutuasse no meio da
fumaça produzida por ela. O ritmo das explosões e do bater metálico das bielas
diminui a frequência. A parada está próxima. Ana e os filhos chegam finalmente.
Alguns
passageiros descem, outros sobem para dentro dos vagões. A viagem termina,
inicia-se ou continua (para aqueles que permaneceram no trem). Ana, Nenê e
Menina assistem estupefatos ao movimento da estação.
O
ritmo das explosões e do bater das bielas aceleram. A locomotiva expele fumaça
para todos os lados. As rodas começam a girar num chiado ensurdecedor. O trem
parte boqueirão afora. Curussu volta a fazer silêncio.
Ninguém ouve o coração de Ana, quando
se dirige ao responsável pela estação. Ela veio muitas vezes à espera da carta
de Otávio, o filho que foi embora e não dá notícia há dois anos. O ferroviário
procura entre os envelopes que tem nas mãos.
– Nada, dona Ana!
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