segunda-feira, 7 de setembro de 2020

ANA SAUDADE (conto)

        A trilha molhada até a várzea não firma os tamanquinhos já gastos de Nenê e Menina. Ana os segue de perto, a pedir que os pequenos tomem cuidado para não cair no barro. Mais abaixo, os três pegam uma estrada melhor entre o morro e o Rosário.

        A caminhada não termina na Sédia, onde moram famílias com mais haveres. Nenê sonha de olhos abertos, azuis como a nesga de céu que se mostra por trás das nuvens:

        – Mãe, por que a gente não se muda pra cá?

      Ana sorri com a pergunta, balança a cabeça negativamente. A menina adivinha seu desejo inconfessável? Outra coisa a preocupa nesta tarde, como tantas tardes dos últimos dois anos. Otávio prometeu-lhe escrever do Rio de Janeiro. Uma carta veio há dois Natais. A saudade continua a crescer no peito como um espinheiro.

       Nenê e Menina diminuem o passo, admirados com o movimento da vila.

         Andem! Andem! Não querem ver o trem? Na volta, vamos à igreja.

           Ainda falta meia hora para chegarem à estação do Curussu.

           Sobre a ponte, Menina joga uma pedra no rio. Inutilmente, o guri vira a cabeça para ouvir o choque da pedra com a água. A ponte é alta demais. Com os tamancos na mão, corre para alcançar a mãe e a irmã.

           Uma subida longa do outro lado do rio exige força na perna. A conversa cansa mais agora, mas assim que eles chegam ao plano, Menina indaga a mãe:

           – O trem vem daonde?

           – Já te disse dez vezes, Menina. O trem vem de Porto Alegre e vai para São Borja.

           – Um dia quero ir pra São Borja.

           – Eu quero pra Porto Alegre – Nenê o contraria.

           – O trem não demora, depressa!

           A ponte da ferrovia, segmentos da linha férrea e a estação de Curussu são vistas do morro. O coração parece sair pela boca dos meninos. A paisagem é muito diferente da serra onde moram, rodeada de canavial e mataria.

           Um apito é ouvido. A locomotiva faz sua aparição, como se flutuasse no meio da fumaça produzida por ela. O ritmo das explosões e do bater metálico das bielas diminui a frequência. A parada está próxima. Ana e os filhos chegam finalmente.

           Alguns passageiros descem, outros sobem para dentro dos vagões. A viagem termina, inicia-se ou continua (para aqueles que permaneceram no trem). Ana, Nenê e Menina assistem estupefatos ao movimento da estação.

           O ritmo das explosões e do bater das bielas aceleram. A locomotiva expele fumaça para todos os lados. As rodas começam a girar num chiado ensurdecedor. O trem parte boqueirão afora. Curussu volta a fazer silêncio.

           Ninguém ouve o coração de Ana, quando se dirige ao responsável pela estação. Ela veio muitas vezes à espera da carta de Otávio, o filho que foi embora e não dá notícia há dois anos. O ferroviário procura entre os envelopes que tem nas mãos.

           – Nada, dona Ana!


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