No diálogo de um conto fabuloso, o urubu
faminto se queixa ao gavião, lamentando que ele sobreviva da infelicidade
alheia, da morte dos outros. O gavião interage com arrogância: “Compadre urubu,
quando tenho fome, pego, mato e como!”. Durante a conversa, passa voando uma
pomba, e o gavião, para demonstrar sua natureza ao seu interlocutor, sai em
perseguição à próxima presa. Para se defender, a pomba penetra no mato abaixo.
Seu perseguidor vai atrás se acaba espetado por uma taquara. Malferido, o
gavião vê o urubu pousar à sua frente e continuar com a conversa: “Foi o que eu
te disse, compadre gavião, vivo das infelicidades dos outros!”.
Tudo
é possível na ficção (até uma ave falar). Ela representa, como pensava Gabriel
Garcia Márquez, uma transposição (metafórica) da realidade.
A
partir de uma pequena mudança, o conto do urubu e o gavião serve para ilustrar
certas situações vividas pelo homem.
Neste
momento, penso numa pessoa idosa que vê seus filhos se digladiarem numa disputa
mais ou menos aberta pelos seus bens. Com profunda e inconfessável tristeza, ela
percebe a expectativa que se oculta por traz da aproximação insuspeita. A não
ser a perspectiva da morte iminente, pouca coisa guardaria alguma semelhança entre
o gavião da fábula e o idoso. O voo do gavião, exagerando na transposição, poderia
representar o trabalho do homem (não apenas para a própria sobrevivência e para
a sobrevivência de sua prole, mas para o progresso econômico da família). Da
mesma forma, a arrogância da ave poderia ser associada à ostentação (que a
pessoa faria de seus bens).
Da
fábula para a realidade, o gavião deixou de ser mau. Em contrapartida, o urubu
deixou de ser bom.
A
comparação que faço entre o urubu, que espera o compadre morrer para se
alimentar de seu cadáver, e os filhos que esperam o pai ou a mãe partirem, para
se apropriar de seus bens (por direito), baseia-se na realidade, na observação.
Não é produto da minha imaginação. Conheço alguns casos reais, que poderia ser
denunciado ao ministério público, como mau trato e/ou abandono de pessoa idosa.
Urubus, vocês estão na minha linha de visada!
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