sexta-feira, 15 de agosto de 2014

FILHOS URUBUS

      No diálogo de um conto fabuloso, o urubu faminto se queixa ao gavião, lamentando que ele sobreviva da infelicidade alheia, da morte dos outros. O gavião interage com arrogância: “Compadre urubu, quando tenho fome, pego, mato e como!”. Durante a conversa, passa voando uma pomba, e o gavião, para demonstrar sua natureza ao seu interlocutor, sai em perseguição à próxima presa. Para se defender, a pomba penetra no mato abaixo. Seu perseguidor vai atrás se acaba espetado por uma taquara. Malferido, o gavião vê o urubu pousar à sua frente e continuar com a conversa: “Foi o que eu te disse, compadre gavião, vivo das infelicidades dos outros!”.
        Tudo é possível na ficção (até uma ave falar). Ela representa, como pensava Gabriel Garcia Márquez, uma transposição (metafórica) da realidade.
        A partir de uma pequena mudança, o conto do urubu e o gavião serve para ilustrar certas situações vividas pelo homem.
        Neste momento, penso numa pessoa idosa que vê seus filhos se digladiarem numa disputa mais ou menos aberta pelos seus bens. Com profunda e inconfessável tristeza, ela percebe a expectativa que se oculta por traz da aproximação insuspeita. A não ser a perspectiva da morte iminente, pouca coisa guardaria alguma semelhança entre o gavião da fábula e o idoso. O voo do gavião, exagerando na transposição, poderia representar o trabalho do homem (não apenas para a própria sobrevivência e para a sobrevivência de sua prole, mas para o progresso econômico da família). Da mesma forma, a arrogância da ave poderia ser associada à ostentação (que a pessoa faria de seus bens).
        Da fábula para a realidade, o gavião deixou de ser mau. Em contrapartida, o urubu deixou de ser bom.
        A comparação que faço entre o urubu, que espera o compadre morrer para se alimentar de seu cadáver, e os filhos que esperam o pai ou a mãe partirem, para se apropriar de seus bens (por direito), baseia-se na realidade, na observação. Não é produto da minha imaginação. Conheço alguns casos reais, que poderia ser denunciado ao ministério público, como mau trato e/ou abandono de pessoa idosa.
        Urubus, vocês estão na minha linha de visada!

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