segunda-feira, 25 de março de 2019

CRONOS E KAIRÓS: O MENINO MESMO E OUTRO


Os outros meninos do rincão me chamavam de Gringo, em razão da cor clara da minha pele, olhos e cabelos. Nos momentos em que ralhavam comigo, o apelido racista vinha acompanhado de um adjetivo pouco lisonjeiro – não correspondente ao asseio que me era imposto pela mãe.
Ela procedia da serra, de uma família italiana, cujos pais e avós atravessaram o Atlântico de navio nas últimas décadas do século XIX. Anteriormente, o rincão era povoado apenas por “brasileiros”, de origem portuguesa. Minha mãe foi a primeira a romper com essa homogenia de “pelo duro”.
         O pejorativo com que fui tratado na infância, contudo, não me marcou negativamente (hoje caracterizado como bullying). A diferença, por outro lado, não se transformou em orgulho para mim. Um misto de ignorância e rigor com que todos vivíamos no rincão não nos permitia avançar para um estágio de maior sensibilidade (já em desenvolvimento nos centros urbanos).
         A educação severa dos pais me preparou para a vida, sem imprimir qualquer desajuste em minha personalidade. O respeito por eles continuou a crescer como uma forma (inconfessável) de amor, principalmente a partir de quando os deixei para estudar na cidade.
         O rincão mudou deveras, por conta da passagem inexorável de Cronos (o tempo sem retorno). Inobstante as mudanças por que passei, ainda me sinto muito bem toda vez que volto lá, onde reencontro meu pai, meu irmão, a casa, o lugar... Kairós (o tempo cíclico) me proporciona essa felicidade de ser o mesmo e ser outro. Menino e livre-pensador.  

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