terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

BALEIA (OU BELINHA)

A Baleia da rua Duque de Caxias é uma cadela diferente de sua homônima de Vidas secas* (que, na vasca da morte, sonharia com preás gordos, enormes). O destino negou-lhe o pedigree, o direito de ser conduzida por uma coleira de luxo, mas é livre (como sói a um vira-lata) e bem-tratada pela vizinhança. Ela transita de uma esquina a outra, recebendo comida e água diariamente. Seu prato preferido é o churrasco, afinal pertence à ordem dos carnívoros. Não liga a mínima para quem passa com seu pinscher chow-chow poodle terrier conservado à ração, bibelô de apartamento. Algumas madames cravam-lhe uns olhos cheios de piedade ou de nojo, imaginando que sua obesidade é pura verminose. Baleia protege-se do Sol nestes dias quentes, deitando-se sobre as lajotas da calçada. Limita-se a balançar a cauda, quando ouve seu nome. Faz exatamente um ano que ela passou a ser chamada de Baleia em razão das formas arredondadas. Ao andar com passos miúdos, imita o nado de animais marinhos. Os automóveis diminuem a marcha, desviam-se, para que ela atravesse a Duque com segurança. Moradores mais antigos tratam-na de Belinha. Nunca late, tampouco sofre de excitabilidade sexual (uma alma generosa aplicou-lhe a vacina preventiva). Não caça mais, ainda que a natureza predadora esteja registrada em seus genes. Na entrada do Residencial, senta-se em posição ereta, com as patas dianteiras sobre a barriga como se fosse gente. Em algum momento, quase sempre depois de um copioso repasto, Baleia dorme escarrapachada. Também sonha, quem sabe com uma grande ninhada de cachorrinhos.

* Romance de Graciliano Ramos

3 comentários:

Ivan Zolin disse...

Froilam!

Bela descrisäo dos fatos.
Onde está o defensor dos "gens" como processo evolutivo, nesse caso certamente é ao cobtrário. O ecesso de comida torna o ser preguisoso e portanto sem a capacidade de procriar.
Com nós humanos ocorre o mesmo. O conforto, a falta de necessidade emburrece o ser. Estou me referindo a aqueles que tem acesso ao conhecimento, muitos estäo à margem (que em parte as politicas de acöes afirmativas estäo buscando a reparacäo desses fatos). A criacäo trabalha com o novo e este só nasce do esforco e da necessidade.

Zolin

p.s.: resumo disso tudo, lembra da nossa conversa, näo acredito em alguém verdadeiramente criativo;
talvez a palavra adequada fosse revolucionário (no sentido de mudancas)fundamentais para um artista, poeta ou escritor que seja conservador(no sentido de näo mudanca)nas idéias e nas acöes.
Costumo dizer: é pedir muito a um comerciante que seja de esquerda (no sentido de buscar ampliar e distribuir de forma mais justa os bens produzidos pro uma sociedade), pois sua natureza quer monopolizar o "mercado". Do mesmo modo esperar que um professor, um artista seja conservador, visto que a genese da sua acäo é experimentar (viver) o novo, por si só é uma contradicäo.

Froilam: o seu blog chama-se Contra e a alguns vezes tenho perguntado Contra quê? (se desejar pode suprimir esse último comentário)

muitos dos erros de português sáo por desconhecimento uns pouco säo o teclado para o espanhol( tem liberdade de corrigir os "crasos".

Anônimo disse...

Esse petista não sabe escrever. Descrisão, mas o que é isso? Não seria descrição?

Ivan Zolin disse...

Froilam!

Agradece ao seu leitor pela correcäo. Quanto aos seus adjetivos, näo farei comentário.

O que escrevi (comentários) é que acredito que tenha a liberdade de fazê-lo.

Você era bem mais criativo quando eu era considerado por você conservador e o "rebelde" era você.

Zolin