quinta-feira, 15 de julho de 2021

TUDO PERMITIDO

        A noção moral de certo e errado precede o religioso, caso contrário o homem não teria sobrevivido longos milênios antes de pensar a existência da alma transcendente, de Deus e de todos os mitos que constituem as religiões. A organização social em família, clã, tribo e comunidades maiores é uma característica do homo biologicus.

         Alguns pensadores da ética, teístas inconfessáveis, recorrem à frase de Dostoiévski, de que sem Deus tudo seria permitido. Tenho minhas dúvidas se os citadores de Dostoiévski leram seu Os irmãos Karámazov. A citação é descontextualizada, tomada como uma afirmação. Na verdade, é uma pergunta. Mítia narra a Aliocha o diálogo que teve com Ivan (os três irmãos Karamázov): “Ivan não tem Deus... Eu lhe perguntei: ‘Então, nessas condições, tudo é permitido?’” (p. 682).

         A despeito de Dostoiévski ser um cristão ortodoxo, não afirma que sem Deus tudo seria permitido. O “sim” da resposta é um dos pressupostos. Há o “não”. Não li até o presente que se tudo é permitido, também o é a moralidade sem Deus. Dizer que haveria um retorno à horda se a não existência de Deus viesse a ser confirmada já reflete o espírito cristão, propenso a depreciar o homem natural.

         A secularização é um processo civilizacional que já aprova que o tudo permitido sem Deus pode ser benéfico à humanidade. 

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