As tardes de verão são insuportavelmente
quentes em Santiago, malgrado a posição meridional desta cidade. A soalheira se
precipita inclemente sobre as árvores da Moisés Vianna, que resiste com o estrídulo
desesperado das cigarras. Os mamíferos humanos, mais sensíveis ao calor,
reaparecem nas últimas horas, quando as sombras se alongam e a brisa sopra
timidamente.
Ontem nos sentamos em frente à Matriz,
na calçada que circunda a praça. O sino anuncia a missa, e os católicos
apostólicos santiaguenses da terceira idade se aproximam da igreja. Alguém do
círculo de chimarrão fala que o padre recém-chegado quer trazer os jovens de
volta. Ele mal sabe que a juventude, com o espírito de liberdade que a
caracteriza, já adere à onda de laicização.
Não deixo por menos, propondo ao grupo a
seguinte reflexão: diz-se que os principais atributos de Deus são a
onipotência, a onisciência e a onipresença, disso nenhum teísta tem dúvida. Por
que se reza a ele com o intuito de pedir-lhe algo? A própria oração parece
negar a onipresença: Pai Nosso, que estás
nos céus…
Minha irmã, frequentadora ocasional da
igreja, sorri amarelo. Regina prefere não pensar em assuntos religiosos, determinada
a fazer uso da razão apenas para sustentar sua fé, não para questioná-la dialeticamente.
(Martinho Lutero advertira que a razão é a maior inimiga da fé.) Mais resoluta,
Cris sai em defesa da pessoa que acredita no poder da oração.
As posições acima podem ser
sintetizadas, respectivamente, pelos termos alienação,
medo e relativismo. Outra tríade também possível: encanto, tabu e subjetividade. Maria segue a religião
que lhe foi ensinada desde a primeira infância, cujos ritos e dogmas apresentam
uma verdade absoluta. Regina já consegue questionar, se é certo sua tia
costureira reservar à igreja uma parte do dinheiro que ganha com muito
trabalho, mas não passa a limpo as contradições no âmbito do “sagrado”. Cris
pertence a uma geração mais jovem, porta-voz das minorias, defensora dos
animais, adepta inconsciente da New Age.
Antes
de reconhecer a inviabilidade do diálogo iniciado por mim, ouso afirmar que o
problema continua sendo o homem, criador de deuses por excelência. Toda
religião não passa de ficção – que ganhou o estatuto de uma ordem imaginada.
A conversa é
encerrada informalmente. Não há mais água para o chimarrão, as luzes públicas
começam a ser acesas, as cigarras diminuem seu canto de atração e a noite passa a envolver a cidade com seus tentáculos úmidos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário