Os
cientistas não estão imunes contra o sensacionalismo, o uso da informação para
causar impacto na opinião pública, “sem que haja qualquer preocupação com a
veracidade” (complementa Houaiss). No âmbito jornalístico, essa tendência já
não mais compromete a qualidade da informação. O consumidor, acrítico, deseja
ler, ver ou ouvir coisas que o impactam a todo momento.
Um
exemplo de sensacionalismo: ontem foi descoberto um exoplaneta inteiramente de
diamante. A descoberta de um exoplaneta é fato corriqueiro neste século, não
vem ao caso, mas a sua constituição geológica é sensacional. A priori, o diamante não passa de uma
hipótese, cuja confirmação é tecnicamente improvável.
Ultimamente,
o estudo da genética vem oferecendo algumas “pérolas” sensacionalistas. Em 2005,
o cientista sul-coreano Hwang Woo-souk anunciou a clonagem de embriões humanos.
Presa fácil do sensacionalismo, foi obrigado a reconhecer seu equívoco mais
tarde. Antes disso, nos anos noventa, o neurobiólogo e geneticista
norte-americano Dean Hamer publicou um artigo sobre um gene responsável pela
homossexualidade, o Xq28. A lambança foi grande, com estudos contrários ao de
Hamer, que o fizeram descer repentinamente todos os degraus da fama.
Todo
escárnio sofrido, todavia, não foi suficiente para que Hamer superasse sua
propensão ao sensacionalismo, à polêmica. Ao abandonar o “gene gay”, passou a
se dedicar à genética da religião. Não se passaria uma década para que o dr. Hamer
descobrisse o VMAT2, o “gene de
Deus”. Essa denominação vulgar se presta ardilosamente para disseminar o
mal-entendido: o homem seria constituído geneticamente a crer em Deus, cuja
existência ficaria provada pela ciência.
Daniel
Dennett, em seu Quebrando o encanto,
dedica uma página ao VMAT2:
No capítulo 3,
introduzi brevemente a hipótese de que nosso cérebro pode ter evoluído um
“centro de Deus”, mas observei que seria melhor, por hora, considerá-lo um
centro do quê, que mais tarde foi
adaptado ou explorado por elaborações religiosas de um tipo ou de outro. Agora
temos um candidato plausível para preencher a lacuna: aquele que capacita a
propensão à hipnose. Além disso, em seu livro recente, The God Gene, o neurobiólogo e geneticista Dean Hamer (2004) alega
ter encontrado um gene que poderia ser atrelado a esse papel. […] O gene VMAT2
é
polimorfo nos seres humanos, ou seja, há diferentes mutações dele em pessoas
diferentes. As variantes do gene VMAT2 são idealmente
colocadas, então, para explicar as diferenças nas reações emocionais ou
cognitivas das pessoas aos mesmos estímulos, e poderiam justificar porque
algumas pessoas são relativamente imunes à indução hipnótica, enquanto outras
são prontamente postas em transe. Nada disso está perto de ser provado, e o desenvolvimento
da hipótese de Hamer é marcado por mais entusiasmo que sutileza, um ponto fraco
que poderá repelir pesquisadores que, de outra maneira, o levariam a sério.
De
uma forma didática, Dennett explica o papel do gene VMAT2, um receituário
de monoaminas, proteínas “que levam os sinais que controlam os nossos
pensamentos e nosso comportamento”. Esse controle diz respeito à reposição de
neuromoduladores e neurotransmissores (entre um neurônio e outro) e de
transportadores (dentro do neurônio). A serotonina, por exemplo, é uma
monoamina.
Uma
pessoa com altos níveis de VMAT2 está propensa a crer mais fácil e
intensamente. Nos Estados Unidos, o projeto FUNVAX trabalha na criação de uma
vacina, que inibiria a função do gene e, consequentemente, o fundamentalismo
religioso. O novo vírus é financiado por Bill Gates. Realidade beirando a
paranoia.
O
site evolucionismo.org, num fórum
sobre a pretensão do dr. Hamer, publica o que se segue:
O comportamento
místico dos humanos seria uma forma branda de “distúrbio mental”, que atenderia
às necessidades dos emocionais, interferiria na sua capacidade de enxergar,
distorceria o raciocínio (…). A fé criaria ilusões e chegaria a ponto de fazer
com que alguns afirmem que “Eu sei que Deus é real, porque ele ouve minhas
preces e fala comigo”. […] Não existe “gene de Deus”, assim como não há “gene
do xadrez” nem “gene do partido verde”. (…) a maioria dos genes humanos se
comporta de uma forma que chamamos de pleiotropia:
afetam muitas características ao mesmo tempo.
O
VMAT2, mais que
predispor o indivíduo à hipnose, segundo Dennett, propicia-o um bem-estar
psíquico-emocional, que é também causado pelo ecstasy, Prozac, psilocibina
(cogumelo), LSD e outras drogas. Nesse estado, ele fica mais suscetível de ter uma
experiência mística, como, por exemplo, acreditar em anjos. Com LSD, além de
acreditar, o drogado os vê e tenta imitá-los no voo.
O
próprio dr. Hamer redimiu-se mais tarde do exagero sensacionalista, afirmando
que o título mais adequado para seu livro seria “um gene entre vários que está envolvido na fé” e não O gene de Deus.
Demorou!
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