quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

SENSACIONALISMO NA CIÊNCIA

Os cientistas não estão imunes contra o sensacionalismo, o uso da informação para causar impacto na opinião pública, “sem que haja qualquer preocupação com a veracidade” (complementa Houaiss). No âmbito jornalístico, essa tendência já não mais compromete a qualidade da informação. O consumidor, acrítico, deseja ler, ver ou ouvir coisas que o impactam a todo momento.
Um exemplo de sensacionalismo: ontem foi descoberto um exoplaneta inteiramente de diamante. A descoberta de um exoplaneta é fato corriqueiro neste século, não vem ao caso, mas a sua constituição geológica é sensacional. A priori, o diamante não passa de uma hipótese, cuja confirmação é tecnicamente improvável.
Ultimamente, o estudo da genética vem oferecendo algumas “pérolas” sensacionalistas. Em 2005, o cientista sul-coreano Hwang Woo-souk anunciou a clonagem de embriões humanos. Presa fácil do sensacionalismo, foi obrigado a reconhecer seu equívoco mais tarde. Antes disso, nos anos noventa, o neurobiólogo e geneticista norte-americano Dean Hamer publicou um artigo sobre um gene responsável pela homossexualidade, o Xq28. A lambança foi grande, com estudos contrários ao de Hamer, que o fizeram descer repentinamente todos os degraus da fama.
Todo escárnio sofrido, todavia, não foi suficiente para que Hamer superasse sua propensão ao sensacionalismo, à polêmica. Ao abandonar o “gene gay”, passou a se dedicar à genética da religião. Não se passaria uma década para que o dr. Hamer descobrisse o VMAT2, o “gene de Deus”. Essa denominação vulgar se presta ardilosamente para disseminar o mal-entendido: o homem seria constituído geneticamente a crer em Deus, cuja existência ficaria provada pela ciência.
Daniel Dennett, em seu Quebrando o encanto, dedica uma página ao VMAT2:

No capítulo 3, introduzi brevemente a hipótese de que nosso cérebro pode ter evoluído um “centro de Deus”, mas observei que seria melhor, por hora, considerá-lo um centro do quê, que mais tarde foi adaptado ou explorado por elaborações religiosas de um tipo ou de outro. Agora temos um candidato plausível para preencher a lacuna: aquele que capacita a propensão à hipnose. Além disso, em seu livro recente, The God Gene, o neurobiólogo e geneticista Dean Hamer (2004) alega ter encontrado um gene que poderia ser atrelado a esse papel. […] O gene VMAT2 é polimorfo nos seres humanos, ou seja, há diferentes mutações dele em pessoas diferentes. As variantes do gene VMAT2 são idealmente colocadas, então, para explicar as diferenças nas reações emocionais ou cognitivas das pessoas aos mesmos estímulos, e poderiam justificar porque algumas pessoas são relativamente imunes à indução hipnótica, enquanto outras são prontamente postas em transe. Nada disso está perto de ser provado, e o desenvolvimento da hipótese de Hamer é marcado por mais entusiasmo que sutileza, um ponto fraco que poderá repelir pesquisadores que, de outra maneira, o levariam a sério.

De uma forma didática, Dennett explica o papel do gene VMAT2, um receituário de monoaminas, proteínas “que levam os sinais que controlam os nossos pensamentos e nosso comportamento”. Esse controle diz respeito à reposição de neuromoduladores e neurotransmissores (entre um neurônio e outro) e de transportadores (dentro do neurônio). A serotonina, por exemplo, é uma monoamina.
Uma pessoa com altos níveis de VMAT2 está propensa a crer mais fácil e intensamente. Nos Estados Unidos, o projeto FUNVAX trabalha na criação de uma vacina, que inibiria a função do gene e, consequentemente, o fundamentalismo religioso. O novo vírus é financiado por Bill Gates. Realidade beirando a paranoia.
O site evolucionismo.org, num fórum sobre a pretensão do dr. Hamer, publica o que se segue:

O comportamento místico dos humanos seria uma forma branda de “distúrbio mental”, que atenderia às necessidades dos emocionais, interferiria na sua capacidade de enxergar, distorceria o raciocínio (…). A fé criaria ilusões e chegaria a ponto de fazer com que alguns afirmem que “Eu sei que Deus é real, porque ele ouve minhas preces e fala comigo”. […] Não existe “gene de Deus”, assim como não há “gene do xadrez” nem “gene do partido verde”. (…) a maioria dos genes humanos se comporta de uma forma que chamamos de pleiotropia: afetam muitas características ao mesmo tempo.

O VMAT2, mais que predispor o indivíduo à hipnose, segundo Dennett, propicia-o um bem-estar psíquico-emocional, que é também causado pelo ecstasy, Prozac, psilocibina (cogumelo), LSD e outras drogas. Nesse estado, ele fica mais suscetível de ter uma experiência mística, como, por exemplo, acreditar em anjos. Com LSD, além de acreditar, o drogado os vê e tenta imitá-los no voo.
O próprio dr. Hamer redimiu-se mais tarde do exagero sensacionalista, afirmando que o título mais adequado para seu livro seria “um gene entre vários que está envolvido na fé” e não O gene de Deus. Demorou! 

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