segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

ANTES DO PRESENTE


Em publicação anterior, argumentei sobre os equívocos do nosso calendário, suficientes para denegar toda pretensão de a uma civilização adiantada. Erro físico: não há um ponto no movimento de translação, que sirva de referência para o início do ano (os solstícios são dois). Erro matemático: o ano tem a duração de 365 dias, 5 horas, 48 minutos e 47 segundos, mas só se consideram os dias (o restante perfaz um dia a mais ao cabo de quatro anos). Erro linguístico: os meses de setembro, outubro, novembro e dezembro, por seus radicais (em todas as línguas europeias), conservam a denominação numérica do calendário anterior, quando o início do ano era 1º de março. Erro político: a mudança do primeiro do ano para janeiro ocorreu há 2.170 anos, por uma decisão do senado romano, em razão de que deveriam ser nomeados dois cônsules imediatamente.
Naquela oportunidade, achei conveniente não me referir ao erro mais irrefutável, malgrado minha condição de ateu. Em respeito ao universo social em que vivo (norteado pelo paradigma cristão), omiti o viés religioso, que relativiza ainda mais o calendário gregoriano. Mais tarde, ao compreender o processo de secularização em marcha, resolvi seguir a tendência neoateísta, de engajamento à causa de um novo e necessário iluminismo. (O neoateu é uma evolução do ateu, que, para começar, detona o preconceito da inquestionabilidade da religião, o tabu de que fala Daniel Dennett.)
Dessa forma, não vejo problema em expressar este outro argumento, qual seja, o do nosso calendário ser fundamentado na história cristã, cuja extensão mal ultrapassa dois mil anos. O referencial do calendário mexido pelo papa Gregório XIII, aquele que festejou o massacre da noite de São Bartolomeu, consiste no mito fundador da cristandade. As principais datas, da Epifania ao Natal, têm uma origem religiosa, com um santo para cada dia e dia de todos os santos. Esse caráter religioso, sempre próximo do político, constitui um atraso para o amálgama civilizacional, para a globalização (já bastante adiantada na economia, por exemplo).
 Minha primeira atitude neoateísta (no âmbito do discurso), coerente com o que declinei acima em relação ao nosso calendário, é a de justapor a expressão “Antes do Presente” (AP) a toda data passada. Exemplos: “O Neolítico teve início por volta de 12 mil anos AP”; “O assassinato do imperador Júlio César ocorreu 2.060 anos AP”; “O Brasil foi descoberto no ano 516 AP”. Obviamente, a expressão é dispensada com o verbo haver: “O Brasil foi descoberto há 516 anos”. O que é válido para anos, também o é para décadas, séculos e milênios. Exceto na transcrição de outros autores, meu Considerações neoateístas faz uso do “AP”, que substitui "a. C." e "d.C.". 
         Minha sugestão para o futuro é de um calendário laico, universal. 

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