segunda-feira, 3 de agosto de 2015

SOBRE A VIOLÊNCIA HUMANA





Desmond Morris escreveu em O macaco nu: “Para compreendermos a natureza dos nossos instintos agressivos temos de encará-los segundo a nossa origem animal”. Em seguida, o zoólogo britânico estabelece como verdade os dois motivos que levam os animais a lutar em si: criar/ manter uma hierarquia social e estabelecer direitos territoriais.

         A agressão entre os humanos (que desconstrói o preconceito religioso que relaciona o termo “humano” à bondade), extrapola aspectos que poderiam ser atribuídos à carga genética de seus ancestrais primatas (por exemplo). Ao longo de alguns milhões de anos, o australopithecus inseriu a carne de outros animais como item indispensável à sobrevivência própria. A exoviolência foi potencializada pelo homo erectus, que passou a desenvolver as primeiras tecnologias para matar. Com a chamada Revolução Cognitiva, a partir de 70 mil anos Antes do Presente (AP), o homo sapiens aperfeiçoou as armas da pedra lascada (e de madeira) para dominar o planeta e levar à extinção muitas espécies de grande porte, como foi o caso dos diprotodonte (na Austrália), dos mamutes (na Sibéria), das preguiças-gigantes (na América). O homo sapiens, avançando e dominando todos os territórios, constituiu-se, segundo o historiador Yuval Noah, na “força mais importante e mais destrutiva que o reino animal já produziu”.

         A matança de outros animais para sobreviver, certamente, fez com que o homem transferisse a prática contra os membros da própria espécie – para manter hierarquia e poder dentro de determinado grupo.

         Hoje os japoneses podem ser observados a caçar as baleias por interesses comerciais, uma extrapolação da necessidade alimentar. A maioria das guerras foi realizada por esse motivo, justificando-se, sob as pretensões dos envolvidos, a morte de milhões de indivíduos humanos.

         Em algum momento de sua evolução, o homem passou a incluir a morte de outros animais nos jogos, para o simples entretenimento. Noutro tempo, os jogos (que precederam a própria cultura, segundo Johan Huizinga) incluíram a criatura humana para ser abatida em competições violentas. A caça propiciou um excedente em alimento e se transformou em jogo (para que o caçador não perdesse o jeito). Essa prática é mais evidente a partir da Revolução Agrícola, aproximadamente há 12 mil anos.

         Nos países mais ricos, a caçada se perpetua como uma tradição, um valor cultural. O prazer de matar desportivamente, todavia, consiste numa anomalia do homem civilizado, não autopercebida pelo desportista. Assim se comporta o matador de Cecil, o leão do Parque Nacional de Zimbábue. Ele é protegido pelas leis de seu país, ponta de lança de uma civilização que também se caracteriza pela crueldade gratuita. A comoção suscitada pelo fato denuncia a má consciência do cristão, cuja filiação religiosa foi fundada num ato violento, no sangue derramado na cruz.

         O mito é uma invenção do homo sapiens, uma forma poderosa de amálgama social – reguladora da natureza instintiva. A ficção nasceu com a linguagem, e ambas são produtos da Revolução Cognitiva, humanização que se efetivou ao longo dos últimos 70 mil anos. 

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