terça-feira, 5 de agosto de 2008

O FATOR HUMANO


James Lovelock é um dos grandes pensadores de nosso tempo, mestre do nosso saudoso José Lutzenberger. O ecologista inglês criou o conceito de Gaia - a Terra como um ser vivo. Sua idéia um tanto revolucionária é de que a biosfera tem a capacidade de controlar o ambiente natural, químico e físico. Antes de ter lido Lovelock, escrevi um texto que atribuía vida aos rios. Com o auxílio de um tropo, a metonímia, escrevi que os rios vivem pela fauna e flora neles existentes. O tema do meu artigo: as cidades são o câncer dos rios. Os cursos de água antecedem toda aglomeração humana, como artérias que vivificam a Natureza. Poucos são os espíritos capazes de formular uma crítica sem o viés antropocêntrico, livre do preconceito religioso que tudo subordina à moral judaico-cristã. Preconceituosamente, justifica-se uma descrição do tipo “o Tâmisa atravessa Londres”, “o Tietê corta São Paulo”, “o Dilúvio divide Porto Alegre”. Essas cidades é que atravessaram o curso dos rios, entupindo-os com suas pútridas e venenosas cloacas. Outra figura, a metáfora, possibilita-me comparar o fator humano à infestação de um vírus, não se limitando aos rios, lagos, mares e oceanos, unicamente, mas a todo o meio ambiente, desde as camadas subterrâneas (com a extração de petróleo, carvão, água, minerais diversos...) à estratosfera (com a emissão de gases nocivos e a destruição de outros favoráveis à Gaia). Nada escapa à ação virulenta de bilhões e bilhões de indivíduos. Para nossa sobrevivência, mataremos a vida, a começar pelos rios. A transposição do São Francisco faz parte dessa ação destruidora. A seca na bacia do Amazonas é o prenúncio de um futuro apocalíptico, cujo cenário mais provável será o deserto, o fogo. Humanamente, Lovelock não tinha esta visão catastrofista. Ele inocentou o homem, incluindo-o entre os agentes naturais de poluição incapazes e alterar o clima na Terra. Sábio e bondoso, esse Lovelock.

(Escrevi esse texto naqueles dias em que a Região Norte atravessava uma seca terrível.)

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