sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

SUSTENTABILIDADE: O ABISMO ENTRE FALA E CONDUTA


     Toda vez que ouço a palavra sustentabilidade, fico a pensar no abismo que se interpõe entre fala e conduta, entre ideal e realidade. O que me assombra nesse abismo não é sua profundeza, mas suas margens fugidias (em planos distintos), inapropriadas para a sustentação de uma ponte.
Tal impossibilidade aumenta caso a fala denuncie o (pre)conceito manjado de que o uso dos recursos naturais no presente “não pode comprometer a satisfação das necessidades das gerações futuras”1. A Wikipédia apenas repercute o homocentrismo.
Há um reconhecimento (subentendido na definição acima): os recursos naturais são bastante explorados atualmente. O passo seguinte, que escancara o abismo, consiste em substituir o “não pode comprometer” por “já compromete”.
A trajetória do homem (em relação ao meio ambiente), do Paleolítico à pós-modernidade, resume-se em três fases mais ou menos longas: a dependência completa, o domínio e a destruição acelerada.
Zygmunt Bauman nos indica o caso da Ilha de Páscoa, no Pacífico, como cenário previsível para o planeta a caminho do superpovoamento pelo homo sapiens. A Ilha de Páscoa

já foi autossuficiente e próspera do ponto de vista econômico e cultural, desde os tempos dos assentamentos humanos iniciais, estabelecidos no curso do primeiro milênio; e que, no entanto, à época da chegada dos europeus, em 1772, viu sua população reduzir-se de quinze mil pessoas para duas ou três mil um século depois. O principal culpado e a causa imediata dessa catástrofe foram a agricultura e a caça excessivas, resultando no desflorestamento da ilha, seguido pela erosão da camada superficial do solo2.

Qual o quadro se apresentaria à humanidade sobrevivente com a diminuição catastrofista de 5,6 bilhões de pessoas? Uma redução proporcional já ocorreu na Ilha de Páscoa, cujo território é um pouco menor que o Paraná. Ouras sociedades colapsaram pelos mesmos motivos.
A agricultura continua a ser a principal responsável pela agressão mais duradoura e contundente ao planeta, malgrado os avanços tecnológicos e os métodos menos prejudiciais, como a rotação de cultura e o plantio direto.
O homem é o fator de insustentabilidade (desde que foi expulso do paraíso), mesmo que desenvolva a consciência de preservação ambiental. Entre sua consciência e a prática, todavia, coloca-se o abismo a que fiz referência acima. 


NOTAS

1.   Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Sustentabilidade. Acesso em 8 de fevereiro de 2019.



2.   BAUMAN, Zygmunt. Mal líquido: vivendo num mundo sem alternativas/Zygmunt Bauman, Leonidas Donskis; tradução Carlos Alberto Medeiros. – 1. Ed. – Rio de Janeiro: Zahar, 2019, p. 63.

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