quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

AS DUAS FACES DO MITO


A sustentabilidade é um mito de transição da modernidade para um período historial ainda não definido. Ele apresenta duas faces (diferente de Jano): uma que sorri; e outra que chora. Noutras palavras, salvação e tragédia.
Por que esse mito se sobressai nos últimos anos?
Pessoas acreditam nele, embora se dividam, repito, entre otimistas e pessimistas.
Em comum com os mitos antigos, medievais e modernos, o da sustentabilidade consiste numa narrativa que tenta explicar a contradição vivida pela sociedade: consumismo versus preservação ambiental. Ação pulsional versus idealismo.
A desmitificação virá com demora, já transfigurada na nêmesis do triunfo provisório sobre a natureza: a insustentabilidade.
Por que “triunfo provisório”?
O agente humano terá solução de continuidade. Sob o sol ou sobre o gelo, ele deixará de agir contra o meio ambiente. Do subsolo à atmosfera, do prado à floresta, do córrego ao oceano, o planeta há de se recuperar dos danos antropocêntricos.
Antes que a face sorridente do mito desapareça (às sombras imponderáveis do ocaso), a razão deverá atuar no feito da sustentabilidade real.

CONFISSÕES DE UM NIETZSCHIANO


I
A filosofia significa para mim um despertar, que me faz abrir os olhos para a realidade, para o mundo. Antes do pensamento e da reflexão, filosofar é ver o que é. Minha autoiniciação tem local e tempo memoráveis: Porto Alegre, 1981. Nos últimos 38 anos, portanto, em nenhum momento me ocorreu a dúvida se deveria considerar ou não a leitura de Krishnamurti a primeira prova de que filosofava desde então.

II
O conhecimento dos grandes pensadores (suas ideias principais, seus sistemas) não é filosofar propriamente. As leituras me auxiliam a elaborar um discurso pessoal, uma fala e uma escrita sobre o que partilhar com os outros. Em Nietzsche, por exemplo, absorvo o que fecha com a minha reflexão filosófica, a qual tampouco é dirigida pela academia. Mesmo assim, reconheço a importância de chancelar meus textos com o aposto “filósofo”. Por isso, estudo filosofia à distância na Unisul desde 2012 e passei a frequentar a Associação Franciscana de Ensino Senhor Bom Jesus, em Curitiba, no ano presente.

III
A turma a que pertenço é constituída 85,7% de frades e postulantes, todos internos em conventos franciscanos. Os demais somos três: outro homem da minha geração, uma menina e eu. Estou feliz por viver essa experiência maravilhosa de receptividade, humildade, tolerância. Entre os professores, três são teólogos, que seguem Platão, os santos da Igreja Católica, Descartes e outros não indicados a um nietzschiano, neo-ateu.

REDES SOCIAIS E ANSIEDADE



   Uma matéria publicada no último número da Superinteressante sobre a ansiedade vem ao encontro da análise que tenho feito das redes sociais, mais precisamente do Facebook. Ao postar “As pessoas que não vão à praia também são felizes”, resumi dois quadros que se pintam nestes dias (ainda não contemplados pelos sociólogos de plantão).
               Ao ver a foto de alguém diante do mar azul, verde (ou marrom), com a legenda “Gratidão!” no limite do enigmático, sou levado a pensar nas ações ou afasias representadas no quadro que é visto e no que é subentendido.
                 Para descrevê-los, apoio-me em excertos da matéria referida acima. Em relação ao primeiro quadro

“As redes sociais permitem reconstruir, ainda que virtualmente, o tipo de comunidade antiga onde todos conheciam uns aos outros”, afirma o antropólogo (Robin Dunbar). Mas essa reprodução não é perfeita: o convívio nas redes sociais não tem a sincronicidade de uma mesa de bar... Além disso, as redes alimentam mais uma fonte de ansiedade da vida contemporânea: excesso de escolhas.

                 O autor da matéria acerta com todas as palavras:

Em tese, mais escolhas significam mais liberdade, e mais liberdade eleva o bem-estar. Mas não foi isso o que psicólogo americano Barry Schwartz descobriu em seus estudos. “Ela (a capacidade de escolha) provoca paralisia, em vez de liberdade”... Com tantas opções, fica difícil decidir – o que gera ansiedade.

               O problema transcende a responsabilidade da escolha, que se desestrutura com a projeção das escolhas preteridas, talvez mais exitosas, com possibilidades mil. Para passar a limpo essa dúvida, as pessoas exaltam exponencialmente suas escolhas com atualizações diárias no Facebook, Instagram, Twitter, WhatsApp...
    Quanto ao segundo quadro, composto por aqueles que não conseguem ostentar a felicidade de suas opções de vida, a matéria também traz algumas pérolas:

Por um lado, isso é bacana. Ficamos sabendo que pessoas de quem gostamos estão vivendo bem. Por outro, isso traz desconforto: cadê você na foto? Será que você está aproveitando sua vida tão bem quanto os seus amigos? Com as redes sociais, o medo de ficar de fora ficou tão comum que até recebeu uma sigla: “FoMO”, de fear of missing out... Sentimos remorso, como se a felicidade alheia fosse nossa miséria.

                  De acordo com o autor, as redes sociais gerariam ansiedade, porque mostram toda hora o que você está perdendo. À exceção do YouTube, outras plataformas têm impacto negativo sobre horas de sono, solidão, bullying, FoMO, ansiedade e depressão.
                  Para minorar esse efeito indesejável (causado pela exposição exacerbada de felicidade), foi que postei no dia 8 de fevereiro de 2019: “Quem não vai à praia também é feliz”. Lamentavelmente, a postagem provocou reações adversas de alguns usuários que se encontravam na praia.


HORTA, Mauricio. A epidemia da ansiedade; Superinteressante; ed. 399, pp. 22-33 fevereiro, 2019.

SÍSIFO CONTEMPORÂNEO: O HOMEM SECULARIZADO


        O homem contemporâneo, a exemplo de seus ascendentes antigos, medievais e modernos, continua a temer a morte. Nesse aspecto, ele ainda pode personificar Sísifo – malgrado saber que o alongamento provisório de sua vida se fará com mais cansaços e aflições.
            Toda tecnologia na área da medicina evolui com o propósito de prender Thanatus em algemas (cada vez mais seguras). No manuseio de ferramentas avançadas, o homem crê, pensa e age ainda motivado pelo mito de sua própria imortalidade, lembrado por Freud no ensaio A nossa atitude diante da morte (1915).
            Na empresa bilionária para alcançar a longevidade neste mundo, desponta um megaprojeto, o Google Baseline Study, que pretende desenvolver a “saúde perfeita”. Segundo Harari,

se dermos ao Google e seus competidores acesso livre a nossos dispositivos biométricos, às varreduras de nosso DNA e a nossos registros médicos, vamos obter daí um serviço médico e de saúde onisciente, que não só combaterá epidemias, como nos blindará contra o câncer, ataques cardíacos e o Alzheimer (p. 338).

        Com base no desenvolvimento exponencial de novas tecnologias (e na produção de algoritmos específicos), o professor da Universidade Hebraica de Jerusalém adianta que futuramente, incorporaremos “uma legião de dispositivos biométricos, órgãos biônicos e nanorrobôs, que vão monitorar nossa saúde e nos defender de infecções, doenças e danos”.
            Neste mundo que se torna cada vez mais no melhor dos mundos possíveis, na medida em que o processo de secularização demonstra ser único, a morte se apresenta em toda sua potência trágica. Ela retarda um pouco sua vinda, todavia, não se deixa enganar por algum estratagema humano.
            Com a desmitificação da vida, o homem perde a capacidade de ludibriar a visitante indesejada – uma tentativa realimentada pelo mito que subsiste ainda. Os deuses, tampouco, ouvirão suas súplicas, uma vez que, diferentes da morte inexorável, já não existem mais.
            O peso dessas verdades constitui o castigo autoimposto pelo homem secularizado, uma imanência que o faz mais heroico e trágico do que Sísifo.

HARARI, Yuval Noah. Homo Deus: uma breve história do amanhã; tradução Paulo Geiser. 1ª ed. – São Paulo: Companhia das Letras, 2016, pp. 338 e 347.

Disponível em

Disponível em https://www.companiadasletras.com.br/trechos/12900.pdf. Acesso em: 19 de fevereiro de 2019.  

LEMBRANÇAS E ESQUECIMENTOS


      O ano era 1981. O mês, fevereiro ou março. O dia? Esse último dado já foi eliminado por Cronos. O quando está abaixo de o como e o porquê, na medida em que se representa por um número. Não por uma vivência, por uma emoção.
          Em tarde de verão, embarquei no último trem entre Santiago e Porto Alegre. Triste por deixar os meus parentes e amigos, minha terra. Difícil partida com o coração mais pesado que a mala. Entre os papéis escassos, todavia, uma carta de recomendação do doutor Lang. Ela me apontava, naquele momento, uma referência no mundo desconhecido que me envolveria no final da linha. O sonho com as artes plásticas dependia de um emprego na Capital. Princípio de realidade e princípio de prazer (necessariamente nessa ordem).
          Com a melhor roupa (ainda modesta para entrar no edifício da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul), compareci ao gabinete do deputado para quem se endereçava a dita carta. Mal recebido por um assessor na primeira sala, esperei sentado por outro assessor da sala seguinte. Até hoje não sei quantos assessores e salas constituem um gabinete de deputado estadual. A carta foi levada à terceira sala. Talvez à quarta. Depois de uma hora, o assessor da primeira sala (o menor na hierarquia dos assessores) me entregou o nome do meu possível empregador: Sistema Nacional de Emprego.
          Um misto de humildade e ignorância me impediu de entender o que significava tal encaminhamento. Por isso, fui ao SINE, onde entrei numa fila quilométrica. Pior: não havia vaga para auxiliar de escritório. Também não me recordo se preenchi uma ficha no balcão, a entrar para uma lista de espera. A necessidade me obrigou a procurar trabalho nos classificados dos jornais.  
          Décadas passadas, ainda não corrompido pelo mal que espreita desafiadoramente os homens de bem, compreendo o logro de que fui alvo na Assembleia Legislativa num dia qualquer (já eliminado por Cronos), fevereiro ou março de 1981.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

O RINCÃO SEM RIVOTRIL



    O rincão é onde se verifica a menor incidência de ansiedade, um transtorno crescente na saúde das pessoas que vivem nas grandes cidades.
    Não me fundamento em estudo que inclua esse lugar, o que compromete a cientificidade da proposição acima; todavia, nem toda forma de saber necessita da verificabilidade empírica.
    Uma leitura de pesquisas realizadas em centros populacionais me permite subentender aspectos que são visíveis para um observador atento.
    A partir da constatação de um estudioso da Universidade de Heidelberg, na Alemanha, há “forte associação entre vida urbana e circuitos neurais ligados à ansiedade”, concluo que a vida rural não desencadeia esse distúrbio. Salvo raríssimas exceções.
    No rincão, a única preocupação de seus moradores diz respeito ao tempo desfavorável para o plantio, desenvolvimento e colheita da lavoura. A seca ou o excesso de chuva sempre foram motivos para mais uma ruga na testa e menos uma hora de sono.
    As maiores aflições sofridas pelos citadinos, encimadas pelo medo à violência, são quase inexistentes no âmbito rural. O desamparo familiar (pelo distanciamento) também não constitui problema no interior. Lá o indivíduo nasce e cresce numa família estruturada, com avós, pais, tios e irmãos presentes, ou muitos próximos.
    Não obstante as ausências (temporárias ou definitivas), o rincão continua sendo o lugar mais seguro. Feliz aquele que dispõe desse recanto telúrico, todo seu, mesmo que resida na cidade.   

PROPENSÃO À DESORDEM


        A pergunta “a cidade é um sistema aberto ou fechado?” não saiu da minha cabeça durante a estada de três dias em Porto Alegre. Não tive tempo para colocar a questão no papel, só o fazendo dentro do avião (já a taxiar no Salgado Filho para a decolagem).
          Antes de pensar uma resposta, faço o registro de uma relação que me credencia ao desideratum. Por dois anos (1981-1982), residi em Porto Alegre e, depois de ir embora, sempre a visitei ao longo destas três décadas e muito. Sempre dotado de um olhar atento para as mudanças ocorridas na capital gaúcha, em todos os aspectos observáveis.
        Minha ideia é descrever a cidade (não unicamente Porto Alegre) em termos aplicados a um sistema termodinâmico pela física. Não obstante a complexidade de um sistema urbano, o qual não se encontra isolado absolutamente, importo o conceito de entropia por sua adequação ao tema.  
      Como noutras metrópoles, em Porto Alegre é flagrante a variação entrópica, isto é, a desorganização crescente de sua estrutura material e espiritual.
             Independentemente do esforço de seus agentes internos, no sentido de retomar a ordem, as perspectivas se abrem para o lado oposto, para o caos. A revitalização da orla do rio Guaíba é pouco para compensar a ruinaria do Parque da Redenção. O número de veículos automotores e a condição das vias denunciam a entropia no trânsito. O crime organizado em torno do tráfico e comércio da droga e o aumento exponencial da violência são variáveis causadoras da desordem social.
        A droga trazida de fora atende a uma demanda interna, todavia. Outros casos poderiam ser citados aqui, que fazem da(s) cidade(s) um sistema fechado, propenso à desorganização inevitável.

TRAGÉDIAS E RESPONSABILIDADES



As tragédias vêm ocorrendo com uma frequência assustadora, a exigir de nós uma compreensão melhor (mais racional) de suas causas principalmente.
A verdade é que não pensamos e não agimos antes da ocorrência indesejável, desde os acidentes domésticos, menos traumáticos, aos extranormais, com impacto generalizado. A posteriori, somos bastante solidários, sentimentais e reflexivos. No velório de um parente ou amigo, mais que chorar, tornamo-nos filósofos sui generis.
A vida (não a morte) e o ser (não o nada), ao mesmo tempo em se vive e se é, devem suscitar em nós a reflexão autocontemplativa, a fim de fazê-los motivos de felicidade. Esta não se encontra noutro lugar e noutro tempo, exceto onde estamos no presente.
Antes de sofrermos a dor resultante de uma tragédia, infelizmente, vivemos como de uma forma inconsciente, irracional (para não dizer alienada). A moral da imprevidência é sala de espera para pequenas e grandes catástrofes.
No Valle Nevado, no Chile, há uma estação de esqui, hotéis, lojas, restaurantes e milhares de turistas. Nenhuma cabeça ali tem consciência sequer de onde pisa a mais de três mil metros de altura. A probabilidade de terremotos em toda a Cordilheira dos Andes e proximidades (como Mendoza, 1861) é muito grande.
Noutro vale, por onde serpeia o Córrego do Feijão, no município de Brumadinho (MG), há refeitório, pousada, residências e redis. Ninguém ali desconfia que a barragem um pouco acima pode(rá) romper-se a qualquer hora.
O terremoto no Valle Nevado e o rompimento da barragem em Brumadinho ocorrerão mais ou menos anos, séculos ou milênios. Por não pensarmos nessas e noutras possibilidades, deixamos de criar defesas, planos de fuga, desocupações indispensáveis para evitar ou mitigar o sofrimento com a tragédia anunciada.
A propósito, trágico, segundo a etimologia grega, refere-se ao que humanamente inevitável, geralmente atribuído à natureza ou aos deuses. Um terremoto nos Andes é inevitável, não o é a construção de hotéis dentro de uma região com risco muito maior. O rompimento de uma barragem, ao contrário do exemplo anterior, é evitável.
Doravante, as catástrofes nos forçam a pensar, a prever e a agir para evitá-las dentro do possível.
A experiência e o conhecimento nos tornam responsáveis por nossos pensamentos e ações, como usar uma barragem para depósito de rejeitos minerais, como fazer convescote logo abaixo dela. A ignorância, em contrapartida, torna-nos vítimas em potencial, a partir de tal condição reivindicamos direitos e pedimos por justiça.

 Froilam de Oliveira
XXX-I-XVIX

RETORNO ÀS AULAS


Até os anos sessenta, o Rincão dos Machado não despertara para a evolução cognitiva, determinado pela Moira ao amanho da terra. Cada par de braços e mãos era indispensável para a sobrevivência econômica das famílias. A tecnologia remontava ao emprego da enxada, instrumento que precedia (ou seguia) o arado puxado a bois desde cinco mil anos antes do presente.
O rincão constituía um espaço sociocultural quase fechado dentro dos limites da ignorância e da humildade – até os anos sessenta.
O Almir (Zeca) foi o primeiro a ir para uma escola agrícola (depois de ter concluído o Primário). Um acontecimento. Uma ruptura. Em seguida, o êxodo rural levaria algumas pessoas da comunidade para mais longe ainda, onde as esperava outra forma de trabalho.
No ano de 1973, chegou a minha vez, sem imaginar o conflito que avançou noite adentro entre meus pais. Enxada ou livro?   Meu gosto pelos estudos (uma inteligência demonstrada) pesou mais na balança da dúvida, e eles decidiram me mandar para Santiago.
No interior de um mundo desconhecido, o Colégio Polivalente, logo descobri seu recanto mais aprazível: a biblioteca. Ali encontrei um portal para o conhecimento, que a sala de aula refletia com pouca nitidez. Mesmo assim, concluí o Fundamental, o Médio e o Superior (no curso de Letras Português/Espanhol e suas respectivas literaturas).
No início da década de oitenta, Krishnamurti, Erich Fromm, Nietzsche e outros pensadores me apresentaram uma forma de conhecer totalmente nova, cativante, desafiadora: a filosofia. Desde então, tornei-me um filósofo autodidata, o que não é reconhecido pelo academicismo presunçoso.
Hoje retorno à academia com o objetivo de chancelar meus textos com o aposto “filósofo”, amigo da sabedoria (segundo a etimologia grega). O saber filosófico, também adquirido com a observação do real – e com a reflexão sobre ele – demonstra-se mais verdadeiramente por intermédio de atitudes. Essa volta à escola, ao completar sessenta anos de idade, constitui minha demonstração de humildade e ignorância (no sentido socrático), qualidades desenvolvidas desde o rincão – tão distante e tão próximo de mim.

SUSTENTABILIDADE: O ABISMO ENTRE FALA E CONDUTA


     Toda vez que ouço a palavra sustentabilidade, fico a pensar no abismo que se interpõe entre fala e conduta, entre ideal e realidade. O que me assombra nesse abismo não é sua profundeza, mas suas margens fugidias (em planos distintos), inapropriadas para a sustentação de uma ponte.
Tal impossibilidade aumenta caso a fala denuncie o (pre)conceito manjado de que o uso dos recursos naturais no presente “não pode comprometer a satisfação das necessidades das gerações futuras”1. A Wikipédia apenas repercute o homocentrismo.
Há um reconhecimento (subentendido na definição acima): os recursos naturais são bastante explorados atualmente. O passo seguinte, que escancara o abismo, consiste em substituir o “não pode comprometer” por “já compromete”.
A trajetória do homem (em relação ao meio ambiente), do Paleolítico à pós-modernidade, resume-se em três fases mais ou menos longas: a dependência completa, o domínio e a destruição acelerada.
Zygmunt Bauman nos indica o caso da Ilha de Páscoa, no Pacífico, como cenário previsível para o planeta a caminho do superpovoamento pelo homo sapiens. A Ilha de Páscoa

já foi autossuficiente e próspera do ponto de vista econômico e cultural, desde os tempos dos assentamentos humanos iniciais, estabelecidos no curso do primeiro milênio; e que, no entanto, à época da chegada dos europeus, em 1772, viu sua população reduzir-se de quinze mil pessoas para duas ou três mil um século depois. O principal culpado e a causa imediata dessa catástrofe foram a agricultura e a caça excessivas, resultando no desflorestamento da ilha, seguido pela erosão da camada superficial do solo2.

Qual o quadro se apresentaria à humanidade sobrevivente com a diminuição catastrofista de 5,6 bilhões de pessoas? Uma redução proporcional já ocorreu na Ilha de Páscoa, cujo território é um pouco menor que o Paraná. Ouras sociedades colapsaram pelos mesmos motivos.
A agricultura continua a ser a principal responsável pela agressão mais duradoura e contundente ao planeta, malgrado os avanços tecnológicos e os métodos menos prejudiciais, como a rotação de cultura e o plantio direto.
O homem é o fator de insustentabilidade (desde que foi expulso do paraíso), mesmo que desenvolva a consciência de preservação ambiental. Entre sua consciência e a prática, todavia, coloca-se o abismo a que fiz referência acima. 


NOTAS

1.   Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Sustentabilidade. Acesso em 8 de fevereiro de 2019.



2.   BAUMAN, Zygmunt. Mal líquido: vivendo num mundo sem alternativas/Zygmunt Bauman, Leonidas Donskis; tradução Carlos Alberto Medeiros. – 1. Ed. – Rio de Janeiro: Zahar, 2019, p. 63.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA


       Meu critério pessoal, idiossincrásico, para escolher um compêndio da História da Filosofia é contar o número de páginas que seu(s) autor(es) dedica(m) a Friedrich Nietzsche.
  Da minha estante, faço a relação seguinte:

- História da Filosofia – Will Durant – 40 páginas;
- História da Filosofia (Vol. III) – Giovanni Reale e Dario Antiseri – 16 páginas;
- História da Filosofia Ocidental – Bertrand Russel – 14 páginas;
- História Geral da Filosofia – Hans Joachim Störig – 14 páginas;
- Iniciação à História da Filosofia – Danilo Marcondes – 3 páginas;
- História da Filosofia – Umberto Padovani e Luís Castagnola – nenhuma página ou verbete (apesar de três citações).

            Da Biblioteca Pública do Paraná:

- Histoire de la Pensée Occidentale – René Rampnoux – 14 páginas;
- História da Filosofia – Michele Federico Sciacca – 5 páginas;
- Historia de la Filosofía – Federico Kilmke e Eusebio Colomer – 4 páginas.

           Dos compêndios acima, o melhor que li foi o produzido por Will Durant, seguido pela ordem decrescente elencada. Diga-se de passagem, essa preferência ultrapassa o nietzschianismo.

Froilam de Oliveira

AYLABD: UM FATOR DE DESIGUALDADE



A igualdade econômica e social é um mito, malgrado alguns países no setentrião europeu margearem a realidade. A Noruega, por exemplo, já apresenta um declínio na produção de petróleo, economia responsável por uma das melhores qualidades de vida do planeta.
        Para ilustrar um dos grandes problemas criados na Europa diante da onda imigratória dos últimos anos, imaginemos um país pequeno em extensão territorial com poucos milhões de habitantes. Ao contrário de países relutantes, a república de Ayland (em homenagem ao menino sírio Aylan Kurdi, que morreu afogado numa praia da Turquia) abria as fronteiras para as gentes do Oriente Médio e da África.
        A essa política de bom anfitrião, soma-se a vontade dos imigrantes de se dirigirem para lá. Cedo ou tarde, a desproporção no número de acolhimentos levou a própria Alemanha (segunda na preferência dos imigrantes) a propor um sistema de cota entre os integrantes da União Europeia.
         No momento em que o Reino Unido aprova o Brexit (cujos objetivos inclui maior rigor no controle da imigração), Ayland recebe um milhão de pessoas. O mundo não europeu comemora essa gentileza imigracionista, de elevada solidariedade.
        Felizmente, os aylandeses não suspeitam que a população recém-chegada vá provocar um desequilíbrio na economia de seu país, a constituir o germe já evoluído de uma desigualdade futura. Tampouco estão preocupados com as diferenças culturais (talvez inconciliáveis) trazidas de terras distantes.
        A distância nos permite contemplar, todavia, um quadro menos otimista, de início do fim de um modus vivendi alcançado com muito esforço pelos europeus nas últimas décadas. Segundo Harari (2018), os anti-imigracionistas concordam que tolerância e liberdade, por exemplo, são valores pouco cultuados nos países muçulmanos.


HARARI, Yuval Noah. 21 lições para o século 21; tradução Paulo Geiser. – 1ª ed. – São Paulo: Companhia das Letras, 2018.

Froilam de Oliveira