quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

DEUS É NECESSÁRIO (NA VISÃO DE UM SECULARISTA)



A humanidade tornou-se possível pela criação de deuses que a justificassem ab origine. Independentemente do isolamento entre os sítios em que ela se desenvolveu nos primeiros milênios, antes que a civilização os unificasse natural ou forçosamente, o homem necessitava dos deuses.
Em primeiro lugar, para responder pela natureza de tudo o que existia, principalmente dele próprio. Assim foi na Suméria, no Egito, na Assíria, na Grécia, na Escandinávia, na América (com os astecas, os incas, os tupis-guaranis, entre outros povos). O raio (descarga elétrica), por exemplo, não tinha uma explicação por sua ocorrência até ser associado à manifestação de um deus, que o manipulava ao bel-prazer, geralmente contra os humanos.
A observação acima (contra os humanos) responde por outra necessidade dos deuses: o controle do grande grupo. Sem as divindades, não seriam viáveis as primeiras cidades mesopotâmicas, a ordem moral em todas as sociedades espalhadas nos diversos pontos do planeta.
Mais tarde, na Grécia, o mito de Prometeu representa a reação humana aos seus deuses, tornando-os desnecessários na organização da cidade-estado. A filosofia e a ciência começariam a fazer novas perguntas e a respondê-las satisfatoriamente sem a variável divina.
Numa outra região a oriente, todavia, consolidava-se um deus único e poderosíssimo: Yaw, ou YHWH. Esse deus reunia as características atribuídas a deuses diversos. A despeito da grandiosidade de YHWH, apenas uma pequena nação (recém-formada pela reunião de doze tribos) o cultuava religiosamente.
O deus de Israel, exclusivista, não teria dominado a civilização ocidental caso não sofresse uma epifania, uma humanização por intermédio do maior de todos os sentimentos: o amor.
Eureca! Um deus do amor passava a ser a grande criação que faltava na exausta capacidade dos homens. Deus não mais explicaria a natureza física, o Universo visível, na medida em que a ciência o faria verdadeiramente. Um deus vivo, dentro e fora do homem, foi o achado memético dos primeiros cristãos, a dar universalidade a YHWH (que passou a ser identificado simplesmente como Deus).
Segundo a crença estabelecida pelo Cristianismo, Deus responde pela união entre os homens no enfrentamento dos males que vicejam no mundo. Sem amor, a humanidade corre o risco de apressar seu fim. Deus é necessário.

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

CONHECIMENTO E LIBERTAÇÃO


A ignorância natural é compreensível, como a que caracteriza toda criança. A ignorância condicionada é inaceitável, como a que persiste na caracterização da maioria dos adultos.
Dois mil e quatrocentos anos antes do presente, Platão criou a Alegoria da Caverna, para ilustrar o estado de ignorância. A ilustração continua válida hoje. Independentemente de todo avanço filosófico e científico, pouca gente se liberta das correntes no fundo da caverna, para sair dela por um caminho íngreme e conhecer a luz.
A ilusão sustentada por preconceitos e crenças ainda prevalece sobre a realidade, cuja superação exige um mínimo de conhecimento. A aventura dessa evolução é possível.
Entre os conhecimentos exigidos para uma instrução transformadora, inclui-se a História. Com base na experiência pessoal, sugiro que se comece com a leitura (estudo) sobre a Suméria, os primeiros passos dados pela nossa civilização no Neolítico. Na Mesopotâmia, teremos a explicação de como e por que o homem, por exemplo, criou deuses e organizou uma religião em torno dessa criação antropomórfica.
Em seguida, minha sugestão é a Biologia, a começar com a leitura atenta de A origem das espécies, de Charles Darwin. Dentro da caverna, o ignorante continua a opinar sobre o que não compreende, fazendo-o com o desdém do tipo “uvas verdes”. O estudo se deve demorar com outros biólogos que esclareceram sobre a evolução da vida depois de Darwin. Lista sugerida: Aleksandr Oparin, Desmond Morris, Ernst Mayr, Jared Diamond, J.B.S. Haldane, Richard Dawkins, Stephen Jay Gould, Theodosius Dobzhansky, entre outros.
Caso História e Biologia não forem suficientes, outros conhecimentos propiciam ao homem a instrução necessária para se libertar da caverna: Física, Psicologia, Filosofia... Entre os filósofos, destaco Francis Bacon, David Hume, Spinoza, Kant, Voltaire, Schopenhauer, Nietzsche, Rudolf Carnap, Lévi-Straus, Luk Ferry, Michel Onfray e Comte-Sponville.
Em todas as áreas do conhecimento, penso que os pensadores mais recentes dispõem de dados mais atualizados em que fundamentar suas ideias. Isso não pressupõe que se deve descartar todos os que vieram antes de Nicolau Copérnico, simplesmente porque eram geocentristas. Da mesma forma, preterir todos os cientistas que vieram antes de Darwin, uma vez que não conheciam a Teoria da Evolução. Antes de Freud, porque desconheciam o inconsciente. A História, para ilustrar, continua a ser construída à medida que novas descobertas arqueológicas são realizadas. Muito do mundo dentro e fora do homem ainda será conhecido, cito a cosmologia e a neurociência.
Certamente, o estudioso não evolui apenas com o conhecimento estabelecido. Ele deve viver intensamente e treinar seu espírito na observação da realidade fora e dentro de si.
O humanismo desenvolvido ao longo das últimas décadas me exige a ação de retornar à caverna (conforme Sócrates sugere a Glauco no diálogo de A República), para convencer meus semelhantes mais queridos a se libertarem da ilusão. Falta de respeito ou consideração (de que sou acusado algumas vezes), seria exatamente o contrário do que faço, isto é, permanecer egoística e silenciosamente numa zona de conforto, sob a luz meridiana. Para ficar num meio termo, decido-me pela escrita como estratégia para evitar o face a face.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

FANTASMAS & CAMALEÕES


EMPATIA OU INVASÃO?


INDIVIDUALISMO OU ALTERIDADE


PENSAMENTOS MEUS


A ARTE DA VIDA


DEMOCRACIA


TRÂNSITO


A GUERRA DAS FAKE NEWS


A GUERRA DAS FAKE NEWS

       O juiz então presidente do Supremo Tribunal Eleitoral alertava sobre as chamadas fake News, que seriam tipificadas como crime. Discurso vencido: a pós-verdade propagada via internet nasceria adulta no Brasil (ao longo dos meses que precederam o último pleito para a presidência).
Os brasileiros foram sujeitos (e objetos) de uma “guerra” digital, mesmo sem o conhecimento do que ocorrera recentemente nas eleições dos Estados Unidos e no Brexit.
A pletora de informações não cessou com a realização do processo eleitoral, como a que acusa a campanha do vitorioso ser potencializada no WhatsApp. A do candidato derrotado também o foi, malgrado uma desvantagem anunciada.
As fake News contra Bolsonaro projetavam um quadro futuro catastrofista, cuja base mal se fundamentava num discurso fora de contexto. Do outro lado, os informes eram mais verossímeis, uma vez que se baseavam no que o Partido dos Trabalhadores fizera no poder. Entre um quadro hipotético (de ameaça à democracia, por exemplo) e a realidade bem ou mal historiada, não há comparação possível.
A verossimilhança na propaganda dos dois candidatos foi o fator evolutivo mais relevante, a determinar o primeiro presidente eleito sob o domínio da pós-verdade (em que os fatos alternativos excedem os fatos objetivos).

COMO FAZER O BEM


       Um modo fácil de fazer o bem, que não está nos livros ou no sistema de busca do Google, consiste em lembrar, falar ou escrever sobre as coisas boas a mim propiciadas pelo outro, ou melhor, lembrar, falar ou escrever coisas boas sobre o outro.
       Quem é o outro?
       Toda pessoa que comigo se relaciona hoje ou que se relacionou preteritamente: parentes, amigos, colegas e, mais e(a)fetivamente, esposa, companheira ou namorada.
       Os relacionamentos presentes, via de regra, mantêm-se graças a um conjunto de razões e sentimentos que justifica minhas escolhas e as escolhas do outro (conforme o grau evolutivo da minha personalidade, que se estende do individualismo radical, ou solipsismo, à alteridade, ou a que Edith Stein chamou de “empatia iterada”).
       Em atinência aos relacionamentos passados (por motivos de separação simples ou de morte do outro), devo recordá-los pelos aspectos positivos, que me fizeram mais felizes, e evitar a tentação de recorrer à maledicência. A propósito, a morte sempre expurga esse mal.
       Até há pouco tempo, os erros do outro eram necessários para encobrir os meus erros. O autoconhecimento, todavia, faz-me evoluir a ponto de não mais pensar, falar ou escrever algo para depreciar o outro, bem como condenar a mim por uma culpa qualquer.
       Algumas vezes, por discrição, não posso bendizer o que passou (tampouco maldizê-lo) com ou sem a intenção de atingir o presente.
       Em síntese, a decisão consciente de pensar, falar ou escrever bem sobre o outro se internaliza e modifica minhas pulsões e desejos inconscientes.

P.S.: O texto acima constitui, por excelência, a forma que escolhi para fazer o bem.  

IMIGRAÇÃO CENTRO-AMERICANA


O presidente dos Estados Unidos adiantou que negará refúgio a imigrantes da América Central. Ele se torna, assim, porta-voz da maioria de seus compatriotas, temerosos de que venham a ter problemas semelhantes aos já enfrentados pelos países da União Europeia.
        Duas considerações são relevantes:
        Os imigrantes em marcha rumo ao Tio Sam não provêm de outra cultura (ou civilização), são cristãos como os estadunidenses. Eles fogem da violência e da pobreza que assolam Honduras (alinhado desde sempre aos EUA).
           Línguas anticapitalistas insinuam que a situação de Honduras decorre de um “golpe constitucional” apoiado pelos EUA. Um equívoco, na medida em que a crise política originada pela guinada esquerdizante do governo de Manuel Zelaya, não foi a causa da crise econômica, a qual se avulta desde o final do século passado. Diferentemente da Venezuela, a economia do país centro-americano foi limitada, geográfica e historicamente, desde sua independência.
        O cidadão norte-americano tem o direito de se posicionar contra a entrada de imigrantes. Seu humanismo de fundo religioso não é suficientemente forte para aceitar impassível uma invasão, a colocar em risco a própria estabilidade socioeconômica.

UMA UTOPIA TITÂNICA



     O cinema também pega carona no declive de outras culturas artísticas, não obstante o avanço tecnológico que tem propiciado saltos de qualidade à indústria cinematográfica neste primeiro século de existência.
       Sem me importar com tal avaliação (depois de um dia de muita leitura), resolvi ver um filme da Netflix antes da meia-noite. O escolhido foi The Titan, ficção científica lançado em março de 2018.
       A ideia de buscar no espaço um novo habitat para o homem, em vias de ser extinto, constitui um mote desafiador para algumas reflexões interessantes. Apenas por esse aspecto, não lamento o tempo perdido à frente da televisão. O filme é péssimo.
       Entre as maiores utopias já representadas pela imaginação humana, a colonização de outro planeta (ou satélite, no caso de Titã) significa duas coisas: antropocentrismo, o homem sempre a se colocar no centro do Universo, e a depreciação do nosso planeta, este “ponto azul” extraordinário.
       A vida terrena precede o homo sapiens em aproximadamente 3,8 bilhões de anos. Ela não o sucederá por um tempo equivalente, na medida em que os fatores de destruição criados pelo homem são irreversíveis.
       A razão esclarecida necessita se impor às utopias, aos sonhos e devaneios. Todos os esforços para procurar fora a própria salvação, tema do roteiro encenado por The Titan, devem ser redirecionados para a preservação vital da Terra (enquanto essa empresa é possível).

(Meus interlocutores, pensem na depreciação que fez Platão, o cristianismo e toda metafísica a este mundo, o único e melhor dos mundos possíveis, a depreciá-lo filosófica e religiosamente.)

O MACHADO PERDIDO


RINCÃO DOS MACHADO


TRÁGICO, FATAL



Toda morte é trágica por seu conteúdo significativo. Não o é pela forma de sua realização. O homem, por ter consciência de sua própria morte e não poder evitá-la para sempre, constitui-se num ser inexoravelmente trágico.
O contrário dessa incapacidade ontológica, a morte provocada pela ação humana, direta ou indireta, ou pela omissão, não é uma tragédia.
A perda da vida de um soldado é evitável, basta que cessem os motivos que o arrastam para a guerra, ou por amor à pátria, ou por ordem superior. Pátria e autoridade são criações do homem.
A perda da vida num acidente de trânsito é evitável, desde que o condutor do veículo envolvido obedecesse rigorosamente às normas e diretrizes, como a que regulamenta a velocidade máxima permitida na via.
O suicídio é um o exemplo claro da forma mais evitável, na medida em que coincidem o agente e paciente da ação que resulta em morte. As causas que motivam o suicida não configuram verdadeiramente o trágico. Uma doença terminal é trágica, não o medo, a covardia, a ansiedade ou outro sentimento que antecipam o fim. Essas causas psicológicas são controláveis (inclusive por medicamento).
Mortes trágicas são causadas por eventos naturais, inevitáveis, como raios, furacões, terremotos, tsunamis, erupções vulcânicas, derrocadas etc. Neste sentido, tragédia e fatalidade se fundem semanticamente.

SAUDADE E EXPECTATIVA


A viagem se torna melhor ao reconhecer a importância das pessoas que dividem comigo os mesmos espaços dentro do trem que conduz a todos os vivos. Esse reconhecimento ocorre desde que alcanço um grau superior de empatia, de outridade.
       Infelizmente, as paradas se sucedem ao longo do itinerário reto ou tortuoso que segue a vida, onde e quando desce alguém que me acompanha há mais ou menos tempo. Sua ausência é logo sentido com uma intensidade que o esquecimento é incapaz de preenchê-la ou ao menos mitigá-la por meio de mecanismos psicológicos, como a crença em vida-além, racionalizações, deslocamentos etc.
       A saudade daqueles que deixaram de viajar comigo não cede com a passagem dos anos. Malgrado saber acerca da impermanência de tudo, penso e sinto que desceram um pouco cedo, antes de vivenciarem mais a tão merecida felicidade.
       O exemplo da minha mãe é muito doloroso. O choro que ainda emerge nos olhos, todavia, em nenhuma vez foi motivado pelo sentimento de desamparo, eu sem a minha mãe. Sempre a justificar meu lamento, tenho a impressão de que ela poderia continuar a viagem, com a minha companhia (e com os demais que lhe eram queridos).
       Dona Dalva encima uma lista de nomes que cresce a cada estação: (avós) Firmino, Dorilda, Camilo e Maria; (tios) Mário, Cela, Dono, Moça, Ladi, Gentil, Dilo, Lili, Raul, Antônio, Cema, Diolindinha, Antenor, Gelindo e Ana; outros parentes, amigos e conhecidos. Certamente, em alguma das paradas futuras, passarei a fazer parte dessa relação.
       Natal, que impressionou deveras minha infância, era especial e também inesquecível. O ano de 1973 marcou o fim de sua viagem, quando fui estudar na cidade. Ele vinha do outro lado do rio, com a mala de garupa cheia de bergamotas grandes e doces. Alcoolizado e faminto, ensinava a todos que o melhor prato era exatamente o servido a ele fora de hora pela minha mãe: feijão, arroz e ovo frito. No dia seguinte, completamente bom, trabalhava no cultivo da horta ou do roçado. Aos domingos, levava-me para pescar no Rosário ou para procurar enxus gordos de mel nos capões e matas do rincão. O antirracismo foi outra coisa que aprendi com Natal, em razão da cor de noite da sua pele e da clareza meridiana de sua alma. Especial e inesquecível.
        A viagem continua – para a felicidade minha e dos demais. A companhia é que nos faz mais felizes. Alguém poderá descer numa próxima estação – o que é sempre lamentável. Todavia, há uma grande expectativa para saber quem subirá, quem viajará ao nosso lado.