sexta-feira, 12 de outubro de 2018

AUTOCONHECIMENTO


     O autoconhecimento implica outros saberes do mundo que cerca, contextualiza ou determina a existência de quem busca o conhecimento de si mesmo. A filosofia, ao colocar a necessidade do “conhece-te a ti mesmo”, impõe-se como organizadora do processo, que reúne os demais dados já sistematizados por outras ciências.
Em princípio, pode-se afirmar que o autoconhecimento exige uma desconstrução do Eu, a qual se constitui sob a influência açambarcante da cultura (em que ele se encontra situado existencialmente). Essa desconstrução deve impactar sobre as crenças e preconceitos internalizados pelo Eu ab origine.
Uma das crenças constitutivas do Eu é a da sua natureza divina, a ponto dele se instituir a imagem e semelhança de um criador mítico. Um de seus preconceitos diz respeito à “verdade”, de ser ele seu depositário fiel. Nesse aspecto, crença e preconceito se mesclam para a sustentação do mito criacionista.
Dois conhecimentos científicos são suficientes para que a construção de egolatria e relativismo seja atingida contundente e definitivamente: a evolução biológica e a psicologia. A biologia demonstra a verdadeira natureza humana, cujo vínculo genético a associa às primeiras formas de vida na Terra. Das bactérias aos mamíferos. É inegável uma descendência mais ou menos linear (com pequenas variações). O gênero homo pertence à ordem dos primatas, bem como a espécie homo sapiens pertence ao gênero homo.
A presunção de uma humanidade no âmbito social, a camuflar o fator específico (de pertencimento animal), repete-se no âmbito individual com a personificação de um Eu.
A psicologia, o segundo conhecimento citado acima, coloca o Eu na berlinda, não para lisonjeá-lo, como ocorre na brincadeira, senão para retratá-lo em suas ilusões mais pretenciosas. Desde Freud (e sua descoberta do inconsciente), já se sabe que os instintos e as pulsões, que continuam a dominar o indivíduo, manifestam-se à revelia de um centro de racionalidade, de autoconsciência. No primeiro ano de vida, o bebê humano vive às expensas dessas manifestações naturais, sem um Eu (que logo inicia sua formação ontológica).
A atividade principal do Eu é de justificar sentimentos e atitudes que têm um starter instintivo ou pulsional.  Essa racionalização é diferente da compreensão (atributo do Eu que se analisa). No instante de ira, por exemplo, o Eu comum reage como que tardiamente, a julgar condenável o impulso ou a assumi-lo como seu. O Eu excepcional (já percebido por si no processo autocognitivo) não julga, apenas observa, observa e compreende de imediato. A compreensão da ira, a se manifestar na mente e no corpo, diminui o tamanho do Eu (com a abstração) e propicia-lhe uma experiência que o torna maior (com o autoconhecimento).
A desconstrução do Eu é, paradoxalmente, a construção de um novo Eu, mais leve e feliz. A relação entre conhecimento (do mundo e de si mesmo) e sabedoria é possível, bem como o é a de sabedoria e felicidade.   

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