sexta-feira, 12 de outubro de 2018

VOTO PELA REPÚBLICA


O povo brasileiro é carente de razão e sentimento republicanos, que podem ser observados no Uruguai, por exemplo. Isso é demonstrado com clareza meridiana com a idolatria de pessoas que o representam nos principais cargos públicos.
A polarização atual entre esquerda e direita é uma consequência nefasta dessa falta (que caracteriza nosso povo). O dualismo político é um dos memes que mais resiste à passagem do tempo, determinante na cultura dos bruzundangas.
Malgrado se encontrar preso legalmente, Lula suscita o culto da personalidade – necessário para a criação e manutenção de um Estado dirigista (como o da Coreia do Norte, por exemplo).
O líder autêntico é irrepreensível quanto ao seu caráter, inquestionável quanto à sua moral. O Lula está longe de satisfazer esses atributos desejáveis, todos sabemos (exceto uma parcela cultuadora, que finge não saber).
Do lado oposto, Bolsonaro é a nêmesis alçada à condição de líder, ainda sem o inteiro convencimento de seus liderados. A pecha de fascista, homofóbico e racista, que lhe atribuem os adversários não impede sua ascensão política. Do lado detrator, há uma estrutura partidária semelhante à do crime organizado, com a estratégia sendo ditada de dentro da cadeia.
Não há equiparação de forças (negativas) no embate entre a realidade (Lula preso) e o discurso improvável (Bolsonaro fascista): a primeira é muito superior.
De acordo com o parágrafo acima, menos é mais constitui um paradoxo inteligível, a partir do qual, a ideia de uma nação mais republicana talvez adquira o status quo de fato social.

Froilam de Oliveira

AUTOCONHECIMENTO


     O autoconhecimento implica outros saberes do mundo que cerca, contextualiza ou determina a existência de quem busca o conhecimento de si mesmo. A filosofia, ao colocar a necessidade do “conhece-te a ti mesmo”, impõe-se como organizadora do processo, que reúne os demais dados já sistematizados por outras ciências.
Em princípio, pode-se afirmar que o autoconhecimento exige uma desconstrução do Eu, a qual se constitui sob a influência açambarcante da cultura (em que ele se encontra situado existencialmente). Essa desconstrução deve impactar sobre as crenças e preconceitos internalizados pelo Eu ab origine.
Uma das crenças constitutivas do Eu é a da sua natureza divina, a ponto dele se instituir a imagem e semelhança de um criador mítico. Um de seus preconceitos diz respeito à “verdade”, de ser ele seu depositário fiel. Nesse aspecto, crença e preconceito se mesclam para a sustentação do mito criacionista.
Dois conhecimentos científicos são suficientes para que a construção de egolatria e relativismo seja atingida contundente e definitivamente: a evolução biológica e a psicologia. A biologia demonstra a verdadeira natureza humana, cujo vínculo genético a associa às primeiras formas de vida na Terra. Das bactérias aos mamíferos. É inegável uma descendência mais ou menos linear (com pequenas variações). O gênero homo pertence à ordem dos primatas, bem como a espécie homo sapiens pertence ao gênero homo.
A presunção de uma humanidade no âmbito social, a camuflar o fator específico (de pertencimento animal), repete-se no âmbito individual com a personificação de um Eu.
A psicologia, o segundo conhecimento citado acima, coloca o Eu na berlinda, não para lisonjeá-lo, como ocorre na brincadeira, senão para retratá-lo em suas ilusões mais pretenciosas. Desde Freud (e sua descoberta do inconsciente), já se sabe que os instintos e as pulsões, que continuam a dominar o indivíduo, manifestam-se à revelia de um centro de racionalidade, de autoconsciência. No primeiro ano de vida, o bebê humano vive às expensas dessas manifestações naturais, sem um Eu (que logo inicia sua formação ontológica).
A atividade principal do Eu é de justificar sentimentos e atitudes que têm um starter instintivo ou pulsional.  Essa racionalização é diferente da compreensão (atributo do Eu que se analisa). No instante de ira, por exemplo, o Eu comum reage como que tardiamente, a julgar condenável o impulso ou a assumi-lo como seu. O Eu excepcional (já percebido por si no processo autocognitivo) não julga, apenas observa, observa e compreende de imediato. A compreensão da ira, a se manifestar na mente e no corpo, diminui o tamanho do Eu (com a abstração) e propicia-lhe uma experiência que o torna maior (com o autoconhecimento).
A desconstrução do Eu é, paradoxalmente, a construção de um novo Eu, mais leve e feliz. A relação entre conhecimento (do mundo e de si mesmo) e sabedoria é possível, bem como o é a de sabedoria e felicidade.   

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DEMOCRACIA NO BRASIL


LULA: UMA METÁFORA


IDEOLOGIAS INSUSTENTÁVEIS


Em suas Reflexões autobiográficas, Eric Voegelin elenca três razões para alimentar grande repulsa às grandes ideologias, como o positivismo, o marxismo e o nacional-socialismo. A princípio, ele reconhece que foi influenciado por Max Weber, para quem a honestidade intelectual era indispensável em um homem de ciência.
            A primeira razão é exatamente a desonestidade intelectual daqueles que constroem edifícios ideológicos, já examinados por uma ampla bibliografia. Aqui é oportuno destacar Raymond Aron, autor de O ópio dos intelectuais, em que disseca o marxismo e seu fascínio sobre a intelligentsia.

Basta ler a bibliografia pertinente, para saber por que são insustentáveis (as ideologias). Se, mesmo assim, um indivíduo opta por aderir a uma delas, impõe-se de imediato a suposição de sua desonestidade intelectual (VOEGELIN, 2007, p. 80).

            Um cientista social competente e um ideólogo, para o filósofo, são incompatíveis.
            O segundo motivo de sua repulsa é o morticínio de pessoas, provocado por essas ideologias, que a História mesma provou não se adequarem à condição basilar dos seres humanos. Qual era a graça de matar por “diversão”, assim pergunta o pensador (2007, p. 81):

A brincadeira é conquistar uma pseudo-identidade com a afirmação do próprio poder, o que se faz preferencialmente matando alguém, e esta pseudo-identidade passa a servir de substituta ao ego humano que se perdeu.

            O terceiro motivo diz respeito “destruição da linguagem”, que caracteriza todo ideólogo marxista (por exemplo). Ele se deixaria seduzir pelas dificuldades dos escritos de Hegel, a explorar “as possibilidades de interpretação da realidade a partir deste ou daquele ângulo de seu sistema”. O problema é que o faz sem questionar as premissas que estão erradas. Para ocultá-las, o hegeliano conta com o desconhecimento dos antecedentes em Plotino e no misticismo neoplatônico do século XVII.
            Para Voegelin, é mais evidente a falsidade das premissas no marxismo. Não apenas por distorcer os conceitos de Hegel, tomando-os como “predicados da ideia em enunciados sobre fatos”, como por recusar o diálogo com o argumento etiológico de Aristóteles, que trata das causas de todos os seres e coisas.
            Com o objetivo de destruir a humanidade do homem em benefício do “homem socialista”, Marx precisava evitar o problema etiológico. Ele teve sorte nesse intento em vista da “degradação cultural do universo acadêmico e intelectual no final do século XIX e início do XX”.

A condenação radical do conhecimento histórico e filosófico deve ser identificada como um fator importante em nosso ambiente político-social, porque aqueles que a ditam não podem sequer ser chamados de impostores intelectuais – seu horizonte de consciência é por demais limitado para que estejam conscientes de sua desonestidade objetiva (VOEGELIN, 2007, p. 85).

            Na contracorrente da tendência charlatã, Max Weber escreveu em 1904-1905 ensaios esclarecedores, que levou Voegelin a rejeitar o marxismo como indefensável cientificamente.

REFERÊNCIA:
VOEGELIN, Eric. Reflexões autobiográficas; tradução Maria Inês de Carvalho; notas Martim Vasques da Cunha. – São Paulo: É Realizações, 2007