quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

DEUS É NECESSÁRIO (NA VISÃO DE UM SECULARISTA)



A humanidade tornou-se possível pela criação de deuses que a justificassem ab origine. Independentemente do isolamento entre os sítios em que ela se desenvolveu nos primeiros milênios, antes que a civilização os unificasse natural ou forçosamente, o homem necessitava dos deuses.
Em primeiro lugar, para responder pela natureza de tudo o que existia, principalmente dele próprio. Assim foi na Suméria, no Egito, na Assíria, na Grécia, na Escandinávia, na América (com os astecas, os incas, os tupis-guaranis, entre outros povos). O raio (descarga elétrica), por exemplo, não tinha uma explicação por sua ocorrência até ser associado à manifestação de um deus, que o manipulava ao bel-prazer, geralmente contra os humanos.
A observação acima (contra os humanos) responde por outra necessidade dos deuses: o controle do grande grupo. Sem as divindades, não seriam viáveis as primeiras cidades mesopotâmicas, a ordem moral em todas as sociedades espalhadas nos diversos pontos do planeta.
Mais tarde, na Grécia, o mito de Prometeu representa a reação humana aos seus deuses, tornando-os desnecessários na organização da cidade-estado. A filosofia e a ciência começariam a fazer novas perguntas e a respondê-las satisfatoriamente sem a variável divina.
Numa outra região a oriente, todavia, consolidava-se um deus único e poderosíssimo: Yaw, ou YHWH. Esse deus reunia as características atribuídas a deuses diversos. A despeito da grandiosidade de YHWH, apenas uma pequena nação (recém-formada pela reunião de doze tribos) o cultuava religiosamente.
O deus de Israel, exclusivista, não teria dominado a civilização ocidental caso não sofresse uma epifania, uma humanização por intermédio do maior de todos os sentimentos: o amor.
Eureca! Um deus do amor passava a ser a grande criação que faltava na exausta capacidade dos homens. Deus não mais explicaria a natureza física, o Universo visível, na medida em que a ciência o faria verdadeiramente. Um deus vivo, dentro e fora do homem, foi o achado memético dos primeiros cristãos, a dar universalidade a YHWH (que passou a ser identificado simplesmente como Deus).
Segundo a crença estabelecida pelo Cristianismo, Deus responde pela união entre os homens no enfrentamento dos males que vicejam no mundo. Sem amor, a humanidade corre o risco de apressar seu fim. Deus é necessário.

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

CONHECIMENTO E LIBERTAÇÃO


A ignorância natural é compreensível, como a que caracteriza toda criança. A ignorância condicionada é inaceitável, como a que persiste na caracterização da maioria dos adultos.
Dois mil e quatrocentos anos antes do presente, Platão criou a Alegoria da Caverna, para ilustrar o estado de ignorância. A ilustração continua válida hoje. Independentemente de todo avanço filosófico e científico, pouca gente se liberta das correntes no fundo da caverna, para sair dela por um caminho íngreme e conhecer a luz.
A ilusão sustentada por preconceitos e crenças ainda prevalece sobre a realidade, cuja superação exige um mínimo de conhecimento. A aventura dessa evolução é possível.
Entre os conhecimentos exigidos para uma instrução transformadora, inclui-se a História. Com base na experiência pessoal, sugiro que se comece com a leitura (estudo) sobre a Suméria, os primeiros passos dados pela nossa civilização no Neolítico. Na Mesopotâmia, teremos a explicação de como e por que o homem, por exemplo, criou deuses e organizou uma religião em torno dessa criação antropomórfica.
Em seguida, minha sugestão é a Biologia, a começar com a leitura atenta de A origem das espécies, de Charles Darwin. Dentro da caverna, o ignorante continua a opinar sobre o que não compreende, fazendo-o com o desdém do tipo “uvas verdes”. O estudo se deve demorar com outros biólogos que esclareceram sobre a evolução da vida depois de Darwin. Lista sugerida: Aleksandr Oparin, Desmond Morris, Ernst Mayr, Jared Diamond, J.B.S. Haldane, Richard Dawkins, Stephen Jay Gould, Theodosius Dobzhansky, entre outros.
Caso História e Biologia não forem suficientes, outros conhecimentos propiciam ao homem a instrução necessária para se libertar da caverna: Física, Psicologia, Filosofia... Entre os filósofos, destaco Francis Bacon, David Hume, Spinoza, Kant, Voltaire, Schopenhauer, Nietzsche, Rudolf Carnap, Lévi-Straus, Luk Ferry, Michel Onfray e Comte-Sponville.
Em todas as áreas do conhecimento, penso que os pensadores mais recentes dispõem de dados mais atualizados em que fundamentar suas ideias. Isso não pressupõe que se deve descartar todos os que vieram antes de Nicolau Copérnico, simplesmente porque eram geocentristas. Da mesma forma, preterir todos os cientistas que vieram antes de Darwin, uma vez que não conheciam a Teoria da Evolução. Antes de Freud, porque desconheciam o inconsciente. A História, para ilustrar, continua a ser construída à medida que novas descobertas arqueológicas são realizadas. Muito do mundo dentro e fora do homem ainda será conhecido, cito a cosmologia e a neurociência.
Certamente, o estudioso não evolui apenas com o conhecimento estabelecido. Ele deve viver intensamente e treinar seu espírito na observação da realidade fora e dentro de si.
O humanismo desenvolvido ao longo das últimas décadas me exige a ação de retornar à caverna (conforme Sócrates sugere a Glauco no diálogo de A República), para convencer meus semelhantes mais queridos a se libertarem da ilusão. Falta de respeito ou consideração (de que sou acusado algumas vezes), seria exatamente o contrário do que faço, isto é, permanecer egoística e silenciosamente numa zona de conforto, sob a luz meridiana. Para ficar num meio termo, decido-me pela escrita como estratégia para evitar o face a face.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

FANTASMAS & CAMALEÕES


EMPATIA OU INVASÃO?


INDIVIDUALISMO OU ALTERIDADE


PENSAMENTOS MEUS


A ARTE DA VIDA


DEMOCRACIA


TRÂNSITO


A GUERRA DAS FAKE NEWS


A GUERRA DAS FAKE NEWS

       O juiz então presidente do Supremo Tribunal Eleitoral alertava sobre as chamadas fake News, que seriam tipificadas como crime. Discurso vencido: a pós-verdade propagada via internet nasceria adulta no Brasil (ao longo dos meses que precederam o último pleito para a presidência).
Os brasileiros foram sujeitos (e objetos) de uma “guerra” digital, mesmo sem o conhecimento do que ocorrera recentemente nas eleições dos Estados Unidos e no Brexit.
A pletora de informações não cessou com a realização do processo eleitoral, como a que acusa a campanha do vitorioso ser potencializada no WhatsApp. A do candidato derrotado também o foi, malgrado uma desvantagem anunciada.
As fake News contra Bolsonaro projetavam um quadro futuro catastrofista, cuja base mal se fundamentava num discurso fora de contexto. Do outro lado, os informes eram mais verossímeis, uma vez que se baseavam no que o Partido dos Trabalhadores fizera no poder. Entre um quadro hipotético (de ameaça à democracia, por exemplo) e a realidade bem ou mal historiada, não há comparação possível.
A verossimilhança na propaganda dos dois candidatos foi o fator evolutivo mais relevante, a determinar o primeiro presidente eleito sob o domínio da pós-verdade (em que os fatos alternativos excedem os fatos objetivos).

COMO FAZER O BEM


       Um modo fácil de fazer o bem, que não está nos livros ou no sistema de busca do Google, consiste em lembrar, falar ou escrever sobre as coisas boas a mim propiciadas pelo outro, ou melhor, lembrar, falar ou escrever coisas boas sobre o outro.
       Quem é o outro?
       Toda pessoa que comigo se relaciona hoje ou que se relacionou preteritamente: parentes, amigos, colegas e, mais e(a)fetivamente, esposa, companheira ou namorada.
       Os relacionamentos presentes, via de regra, mantêm-se graças a um conjunto de razões e sentimentos que justifica minhas escolhas e as escolhas do outro (conforme o grau evolutivo da minha personalidade, que se estende do individualismo radical, ou solipsismo, à alteridade, ou a que Edith Stein chamou de “empatia iterada”).
       Em atinência aos relacionamentos passados (por motivos de separação simples ou de morte do outro), devo recordá-los pelos aspectos positivos, que me fizeram mais felizes, e evitar a tentação de recorrer à maledicência. A propósito, a morte sempre expurga esse mal.
       Até há pouco tempo, os erros do outro eram necessários para encobrir os meus erros. O autoconhecimento, todavia, faz-me evoluir a ponto de não mais pensar, falar ou escrever algo para depreciar o outro, bem como condenar a mim por uma culpa qualquer.
       Algumas vezes, por discrição, não posso bendizer o que passou (tampouco maldizê-lo) com ou sem a intenção de atingir o presente.
       Em síntese, a decisão consciente de pensar, falar ou escrever bem sobre o outro se internaliza e modifica minhas pulsões e desejos inconscientes.

P.S.: O texto acima constitui, por excelência, a forma que escolhi para fazer o bem.  

IMIGRAÇÃO CENTRO-AMERICANA


O presidente dos Estados Unidos adiantou que negará refúgio a imigrantes da América Central. Ele se torna, assim, porta-voz da maioria de seus compatriotas, temerosos de que venham a ter problemas semelhantes aos já enfrentados pelos países da União Europeia.
        Duas considerações são relevantes:
        Os imigrantes em marcha rumo ao Tio Sam não provêm de outra cultura (ou civilização), são cristãos como os estadunidenses. Eles fogem da violência e da pobreza que assolam Honduras (alinhado desde sempre aos EUA).
           Línguas anticapitalistas insinuam que a situação de Honduras decorre de um “golpe constitucional” apoiado pelos EUA. Um equívoco, na medida em que a crise política originada pela guinada esquerdizante do governo de Manuel Zelaya, não foi a causa da crise econômica, a qual se avulta desde o final do século passado. Diferentemente da Venezuela, a economia do país centro-americano foi limitada, geográfica e historicamente, desde sua independência.
        O cidadão norte-americano tem o direito de se posicionar contra a entrada de imigrantes. Seu humanismo de fundo religioso não é suficientemente forte para aceitar impassível uma invasão, a colocar em risco a própria estabilidade socioeconômica.

UMA UTOPIA TITÂNICA



     O cinema também pega carona no declive de outras culturas artísticas, não obstante o avanço tecnológico que tem propiciado saltos de qualidade à indústria cinematográfica neste primeiro século de existência.
       Sem me importar com tal avaliação (depois de um dia de muita leitura), resolvi ver um filme da Netflix antes da meia-noite. O escolhido foi The Titan, ficção científica lançado em março de 2018.
       A ideia de buscar no espaço um novo habitat para o homem, em vias de ser extinto, constitui um mote desafiador para algumas reflexões interessantes. Apenas por esse aspecto, não lamento o tempo perdido à frente da televisão. O filme é péssimo.
       Entre as maiores utopias já representadas pela imaginação humana, a colonização de outro planeta (ou satélite, no caso de Titã) significa duas coisas: antropocentrismo, o homem sempre a se colocar no centro do Universo, e a depreciação do nosso planeta, este “ponto azul” extraordinário.
       A vida terrena precede o homo sapiens em aproximadamente 3,8 bilhões de anos. Ela não o sucederá por um tempo equivalente, na medida em que os fatores de destruição criados pelo homem são irreversíveis.
       A razão esclarecida necessita se impor às utopias, aos sonhos e devaneios. Todos os esforços para procurar fora a própria salvação, tema do roteiro encenado por The Titan, devem ser redirecionados para a preservação vital da Terra (enquanto essa empresa é possível).

(Meus interlocutores, pensem na depreciação que fez Platão, o cristianismo e toda metafísica a este mundo, o único e melhor dos mundos possíveis, a depreciá-lo filosófica e religiosamente.)

O MACHADO PERDIDO


RINCÃO DOS MACHADO


TRÁGICO, FATAL



Toda morte é trágica por seu conteúdo significativo. Não o é pela forma de sua realização. O homem, por ter consciência de sua própria morte e não poder evitá-la para sempre, constitui-se num ser inexoravelmente trágico.
O contrário dessa incapacidade ontológica, a morte provocada pela ação humana, direta ou indireta, ou pela omissão, não é uma tragédia.
A perda da vida de um soldado é evitável, basta que cessem os motivos que o arrastam para a guerra, ou por amor à pátria, ou por ordem superior. Pátria e autoridade são criações do homem.
A perda da vida num acidente de trânsito é evitável, desde que o condutor do veículo envolvido obedecesse rigorosamente às normas e diretrizes, como a que regulamenta a velocidade máxima permitida na via.
O suicídio é um o exemplo claro da forma mais evitável, na medida em que coincidem o agente e paciente da ação que resulta em morte. As causas que motivam o suicida não configuram verdadeiramente o trágico. Uma doença terminal é trágica, não o medo, a covardia, a ansiedade ou outro sentimento que antecipam o fim. Essas causas psicológicas são controláveis (inclusive por medicamento).
Mortes trágicas são causadas por eventos naturais, inevitáveis, como raios, furacões, terremotos, tsunamis, erupções vulcânicas, derrocadas etc. Neste sentido, tragédia e fatalidade se fundem semanticamente.

SAUDADE E EXPECTATIVA


A viagem se torna melhor ao reconhecer a importância das pessoas que dividem comigo os mesmos espaços dentro do trem que conduz a todos os vivos. Esse reconhecimento ocorre desde que alcanço um grau superior de empatia, de outridade.
       Infelizmente, as paradas se sucedem ao longo do itinerário reto ou tortuoso que segue a vida, onde e quando desce alguém que me acompanha há mais ou menos tempo. Sua ausência é logo sentido com uma intensidade que o esquecimento é incapaz de preenchê-la ou ao menos mitigá-la por meio de mecanismos psicológicos, como a crença em vida-além, racionalizações, deslocamentos etc.
       A saudade daqueles que deixaram de viajar comigo não cede com a passagem dos anos. Malgrado saber acerca da impermanência de tudo, penso e sinto que desceram um pouco cedo, antes de vivenciarem mais a tão merecida felicidade.
       O exemplo da minha mãe é muito doloroso. O choro que ainda emerge nos olhos, todavia, em nenhuma vez foi motivado pelo sentimento de desamparo, eu sem a minha mãe. Sempre a justificar meu lamento, tenho a impressão de que ela poderia continuar a viagem, com a minha companhia (e com os demais que lhe eram queridos).
       Dona Dalva encima uma lista de nomes que cresce a cada estação: (avós) Firmino, Dorilda, Camilo e Maria; (tios) Mário, Cela, Dono, Moça, Ladi, Gentil, Dilo, Lili, Raul, Antônio, Cema, Diolindinha, Antenor, Gelindo e Ana; outros parentes, amigos e conhecidos. Certamente, em alguma das paradas futuras, passarei a fazer parte dessa relação.
       Natal, que impressionou deveras minha infância, era especial e também inesquecível. O ano de 1973 marcou o fim de sua viagem, quando fui estudar na cidade. Ele vinha do outro lado do rio, com a mala de garupa cheia de bergamotas grandes e doces. Alcoolizado e faminto, ensinava a todos que o melhor prato era exatamente o servido a ele fora de hora pela minha mãe: feijão, arroz e ovo frito. No dia seguinte, completamente bom, trabalhava no cultivo da horta ou do roçado. Aos domingos, levava-me para pescar no Rosário ou para procurar enxus gordos de mel nos capões e matas do rincão. O antirracismo foi outra coisa que aprendi com Natal, em razão da cor de noite da sua pele e da clareza meridiana de sua alma. Especial e inesquecível.
        A viagem continua – para a felicidade minha e dos demais. A companhia é que nos faz mais felizes. Alguém poderá descer numa próxima estação – o que é sempre lamentável. Todavia, há uma grande expectativa para saber quem subirá, quem viajará ao nosso lado.

sexta-feira, 12 de outubro de 2018

VOTO PELA REPÚBLICA


O povo brasileiro é carente de razão e sentimento republicanos, que podem ser observados no Uruguai, por exemplo. Isso é demonstrado com clareza meridiana com a idolatria de pessoas que o representam nos principais cargos públicos.
A polarização atual entre esquerda e direita é uma consequência nefasta dessa falta (que caracteriza nosso povo). O dualismo político é um dos memes que mais resiste à passagem do tempo, determinante na cultura dos bruzundangas.
Malgrado se encontrar preso legalmente, Lula suscita o culto da personalidade – necessário para a criação e manutenção de um Estado dirigista (como o da Coreia do Norte, por exemplo).
O líder autêntico é irrepreensível quanto ao seu caráter, inquestionável quanto à sua moral. O Lula está longe de satisfazer esses atributos desejáveis, todos sabemos (exceto uma parcela cultuadora, que finge não saber).
Do lado oposto, Bolsonaro é a nêmesis alçada à condição de líder, ainda sem o inteiro convencimento de seus liderados. A pecha de fascista, homofóbico e racista, que lhe atribuem os adversários não impede sua ascensão política. Do lado detrator, há uma estrutura partidária semelhante à do crime organizado, com a estratégia sendo ditada de dentro da cadeia.
Não há equiparação de forças (negativas) no embate entre a realidade (Lula preso) e o discurso improvável (Bolsonaro fascista): a primeira é muito superior.
De acordo com o parágrafo acima, menos é mais constitui um paradoxo inteligível, a partir do qual, a ideia de uma nação mais republicana talvez adquira o status quo de fato social.

Froilam de Oliveira

AUTOCONHECIMENTO


     O autoconhecimento implica outros saberes do mundo que cerca, contextualiza ou determina a existência de quem busca o conhecimento de si mesmo. A filosofia, ao colocar a necessidade do “conhece-te a ti mesmo”, impõe-se como organizadora do processo, que reúne os demais dados já sistematizados por outras ciências.
Em princípio, pode-se afirmar que o autoconhecimento exige uma desconstrução do Eu, a qual se constitui sob a influência açambarcante da cultura (em que ele se encontra situado existencialmente). Essa desconstrução deve impactar sobre as crenças e preconceitos internalizados pelo Eu ab origine.
Uma das crenças constitutivas do Eu é a da sua natureza divina, a ponto dele se instituir a imagem e semelhança de um criador mítico. Um de seus preconceitos diz respeito à “verdade”, de ser ele seu depositário fiel. Nesse aspecto, crença e preconceito se mesclam para a sustentação do mito criacionista.
Dois conhecimentos científicos são suficientes para que a construção de egolatria e relativismo seja atingida contundente e definitivamente: a evolução biológica e a psicologia. A biologia demonstra a verdadeira natureza humana, cujo vínculo genético a associa às primeiras formas de vida na Terra. Das bactérias aos mamíferos. É inegável uma descendência mais ou menos linear (com pequenas variações). O gênero homo pertence à ordem dos primatas, bem como a espécie homo sapiens pertence ao gênero homo.
A presunção de uma humanidade no âmbito social, a camuflar o fator específico (de pertencimento animal), repete-se no âmbito individual com a personificação de um Eu.
A psicologia, o segundo conhecimento citado acima, coloca o Eu na berlinda, não para lisonjeá-lo, como ocorre na brincadeira, senão para retratá-lo em suas ilusões mais pretenciosas. Desde Freud (e sua descoberta do inconsciente), já se sabe que os instintos e as pulsões, que continuam a dominar o indivíduo, manifestam-se à revelia de um centro de racionalidade, de autoconsciência. No primeiro ano de vida, o bebê humano vive às expensas dessas manifestações naturais, sem um Eu (que logo inicia sua formação ontológica).
A atividade principal do Eu é de justificar sentimentos e atitudes que têm um starter instintivo ou pulsional.  Essa racionalização é diferente da compreensão (atributo do Eu que se analisa). No instante de ira, por exemplo, o Eu comum reage como que tardiamente, a julgar condenável o impulso ou a assumi-lo como seu. O Eu excepcional (já percebido por si no processo autocognitivo) não julga, apenas observa, observa e compreende de imediato. A compreensão da ira, a se manifestar na mente e no corpo, diminui o tamanho do Eu (com a abstração) e propicia-lhe uma experiência que o torna maior (com o autoconhecimento).
A desconstrução do Eu é, paradoxalmente, a construção de um novo Eu, mais leve e feliz. A relação entre conhecimento (do mundo e de si mesmo) e sabedoria é possível, bem como o é a de sabedoria e felicidade.   

* * *

DEMOCRACIA NO BRASIL


LULA: UMA METÁFORA


IDEOLOGIAS INSUSTENTÁVEIS


Em suas Reflexões autobiográficas, Eric Voegelin elenca três razões para alimentar grande repulsa às grandes ideologias, como o positivismo, o marxismo e o nacional-socialismo. A princípio, ele reconhece que foi influenciado por Max Weber, para quem a honestidade intelectual era indispensável em um homem de ciência.
            A primeira razão é exatamente a desonestidade intelectual daqueles que constroem edifícios ideológicos, já examinados por uma ampla bibliografia. Aqui é oportuno destacar Raymond Aron, autor de O ópio dos intelectuais, em que disseca o marxismo e seu fascínio sobre a intelligentsia.

Basta ler a bibliografia pertinente, para saber por que são insustentáveis (as ideologias). Se, mesmo assim, um indivíduo opta por aderir a uma delas, impõe-se de imediato a suposição de sua desonestidade intelectual (VOEGELIN, 2007, p. 80).

            Um cientista social competente e um ideólogo, para o filósofo, são incompatíveis.
            O segundo motivo de sua repulsa é o morticínio de pessoas, provocado por essas ideologias, que a História mesma provou não se adequarem à condição basilar dos seres humanos. Qual era a graça de matar por “diversão”, assim pergunta o pensador (2007, p. 81):

A brincadeira é conquistar uma pseudo-identidade com a afirmação do próprio poder, o que se faz preferencialmente matando alguém, e esta pseudo-identidade passa a servir de substituta ao ego humano que se perdeu.

            O terceiro motivo diz respeito “destruição da linguagem”, que caracteriza todo ideólogo marxista (por exemplo). Ele se deixaria seduzir pelas dificuldades dos escritos de Hegel, a explorar “as possibilidades de interpretação da realidade a partir deste ou daquele ângulo de seu sistema”. O problema é que o faz sem questionar as premissas que estão erradas. Para ocultá-las, o hegeliano conta com o desconhecimento dos antecedentes em Plotino e no misticismo neoplatônico do século XVII.
            Para Voegelin, é mais evidente a falsidade das premissas no marxismo. Não apenas por distorcer os conceitos de Hegel, tomando-os como “predicados da ideia em enunciados sobre fatos”, como por recusar o diálogo com o argumento etiológico de Aristóteles, que trata das causas de todos os seres e coisas.
            Com o objetivo de destruir a humanidade do homem em benefício do “homem socialista”, Marx precisava evitar o problema etiológico. Ele teve sorte nesse intento em vista da “degradação cultural do universo acadêmico e intelectual no final do século XIX e início do XX”.

A condenação radical do conhecimento histórico e filosófico deve ser identificada como um fator importante em nosso ambiente político-social, porque aqueles que a ditam não podem sequer ser chamados de impostores intelectuais – seu horizonte de consciência é por demais limitado para que estejam conscientes de sua desonestidade objetiva (VOEGELIN, 2007, p. 85).

            Na contracorrente da tendência charlatã, Max Weber escreveu em 1904-1905 ensaios esclarecedores, que levou Voegelin a rejeitar o marxismo como indefensável cientificamente.

REFERÊNCIA:
VOEGELIN, Eric. Reflexões autobiográficas; tradução Maria Inês de Carvalho; notas Martim Vasques da Cunha. – São Paulo: É Realizações, 2007

terça-feira, 24 de julho de 2018

O VIZINHO PRESO


A Avenida Canadá, que passa a cem metros do endereço onde me hospedo em Curitiba, leva ao bairro Santa Cândida, mais exatamente à sede da Polícia Federal. A nova residência do Lula da Silva dista uns 20 quarteirões daqui, espaço que pode ser percorrido a pé (se não valesse a pena tirar o carro da garagem). 
Em plena manhã azul, brisa agradável vindo da Serra do Mar, penso que é arriscado fazer uma visita ao ex-presidente, com a probabilidade de voltar frustrado de lá. Essa frustração se daria menos por não vê-lo (em sua cela especial), mas por sabê-lo prestes a ganhar a liberdade – a partir de uma decisão monocrática de algum juiz do Supremo. 
Dessa forma, sou exatamente o oposto dos lulistas , que querem porque querem ver o Lula (objeto de sua idolatria) livre e outra vez na presidência do Brasil. 
Da sacada do apartamento, vejo pessoas no parque sob o sol claro e doce desta manhã. Além da Canadá, o céu é disputado pelas imensas araucárias e pelas torres de cimento, num quadro bastante ilustrativo da dicotomia natureza – artifício.      

ALEGORIAS

CRÔNICA DE CURITIBA


Um dos sonhos da minha adolescência contemplava Curitiba como a cidade em que gostaria de morar um dia. (O país era o Canadá.) Naqueles anos, sequer havia atravessado o Uruguai, o Pelotas ou o Mampituba, não tendo uma justificativa para a minha escolha.
O tempo passou. Com ele, passei alguns trechos inesquecíveis. No Rio de Janeiro, algumas cidades me foram oferecidas para exercer a nova profissão. Não vacilei ao fazer a escolha: Curitiba. Pelo caminho mais reto possível, o sonho virou realidade.
Meados dos anos oitenta, a capital do Paraná ostentava epítetos interessantes: Cidade Sorriso; Capital Ecológica... Ela fora administrada por Jaime Lerner, grande urbanista que reestruturou a cidade (fazendo-a turisticamente mais atrativa). Não me cansava de elogiá-la para os meus conterrâneos gaúchos.
Curitiba foi meu único endereço ao longo de nove anos. Nela vivi grandes momentos da minha vida profissional, intelectual e emocional (ainda que seja possível separar tais categorias existenciais). No ano de 1994, fui embora da cidade, transferido para o Mato Grosso do Sul e de volta à terra natal na sequência. Malgrado a distância, nunca deixei de pensar em Curitiba.
O eterno retorno, um dos conceitos mais obscuros de Nietzsche, trata das repetições que ocorrem no universo e, mais humanamente, em nossas vidas (algumas vezes percebidas por nós como produtos do acaso, do destino ou até mesmo da própria escolha). O importante é a aceitação dessa inexorabilidade, que o filósofo chamou de amor fati.
      Por que faço acima uma referência à filosofia nietzschiana? Certamente, para justificar o fato de que retornei para Curitiba há dez dias.

quarta-feira, 6 de junho de 2018

CONDICIONAMENTO RELIGIOSO


O Grande Houaiss traz a significação seguinte para o termo condicionamento: FISL PSIC processo de associar, pela repetição, um estímulo a uma reação não natural, de tal modo que a exposição a tal estímulo passe a provocar essa reação.
Em Considerações neoateístas (2016), publico um exemplo para ilustrar o processo condicionante:
Uma criança santiaguense, antes mesmo de ser alfabetizada pelos pais ou pela escola, é apresentada à Bíblia – o livro ditado pelo deus judaico-cristão. Dessa forma, ela passa a ter uma iniciação, um condicionamento na religião em que fora batizada nos primeiros anos de vida. Outra criança, nascida em Gardez (Afeganistão), antes mesmo de ser alfabetizada pelos pais ou pela escola, conhece o Corão – o livro ditado pelo deus do islamismo... O resultado é bastante diferente: um novo cristão aqui e um novo islâmico lá.

Em razão de meu espírito crítico, filosófico, pergunto por que as duas crianças acima creem em religiões diferentes, em deuses diferentes. Outros exemplos são tão numerosos quanto o número de religiões no mundo.
Numa postagem no Facebook, publiquei a foto de uma garrafa de vinho sobre Ser e tempo de Martin Heidegger. Uma das interlocutoras me escreve: “Deste-me uma boa ideia. Já me fartei de romeu e julieta, vou abrir meu vinho... Quanto à leitura, vou para a Bíblia, que já é de praxe”. Em comentário anterior, ela fora categórica: “Eu nasci crendo em Deus e sou católica por opção depois de já crer”.
Seu condicionamento real confirma os dois exemplos hipotéticos da minha transcrição acima. Ainda mais, denuncia um autoengano, de que um Eu se apossa do conteúdo do próprio condicionamento, isto é, a crença.

terça-feira, 29 de maio de 2018

INTERVENÇÃO?

          O Art. 142 da Constituição Federal assim se expresso verbalmente:

As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

           Apenas para enfatizar o tema do meu texto, destaco duas informações no artigo transcrito acima: “sob a autoridade suprema do Presidente da República” e (as FA) “destinam-se à garantia da lei e da ordem”. Não há necessidade de hermenêutica para a interpretação objetiva (literal) dos enunciados entre aspas. Todo cidadão é capaz de fazê-lo, independentemente de seu grau de escolaridade.
    Num regime presidencialista, a questão “por que as FA estariam subordinadas única e exclusivamente ao Chefe do Executivo?” se reduz a um truísmo, algo que responde a si mesmo. Tal exclusividade, penso, constitui um legado monárquico na organização do estado moderno.
   O emprego das FA para manutenção da lei e da ordem é muito diferente de intervenção militar, não apenas em razão da constitucionalidade e do objeto contra o qual se direciona a ação. Nestes dias, parece haver uma convergência de GLO (efetivada por ordem do presidente Temer) e intervenção na política (desejada por uma parcela da população brasileira).
 O histórico de intervenções militares no Brasil republicano pode ser resumido a três momentos: 1) a proclamação em 1889, gênese da própria república; 2) o Tenentismo na década de 20, que culminou com o fim da República Velha; e 3) o anticomunismo nos 60, que pôs fim aos ensaios de João Goulart para uma república popular. Em relação à GLO, os brasileiros puderam acompanhar recentemente as operações de pacificação em bairros do Rio de Janeiro.
   Por mais grave que seja a crise política (e econômica) que atinge o país, a intervenção militar equivale a incinerar a Constituição Federal, a lei maior, e consentânea destituição dos ocupantes atuais dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). Esse revés democrático é demasiadamente cedo para acontecer, a observar friamente o contexto nacional; e demasiadamente tarde, segundo o contexto internacional.

terça-feira, 8 de maio de 2018

DESARMAMENTO VERSUS ARMAMENTO


Um espírito verdadeiramente crítico necessita colocar a si mesmo sob uma análise, com isso a superar o vulgo em sua tendência de ver no outro e de transferir a ele os defeitos próprios. Para ilustrar o conteúdo do expresso acima, cito a relação entre mim e o partido Novo.
O primeiro valor defendido pela organização política a que sou filiado é o das liberdades individuais. Isto é extraordinário: “o governo não deve decidir por nós questões que são importantes para o nosso destino”. Logo após o direito à vida, penso desde muito que a liberdade é o mais importante. Liberdade com o pressuposto da responsabilidade.
Uma das bandeiras mais radicais do meu partido é a revogação do estatuto do armamento. Não posso agitá-la nas esquinas, ou defendê-la em meu discurso, na medida em que tenho uma posição definida quanto ao uso generalizado de armas em nossa sociedade. Essa bandeira, todavia, não impediu minha filiação ao partido. Outras são mais importantes.
Os pais de nossos pais diziam que os homens tinham respeito uns pelos outros, porque andavam armados naqueles idos. Esse arrazoado é insuficiente ao determinar a causa do respeito. Esse predicado das inter-relações tinha antecedentes socioculturais, valores outros, ou internalizados pela família, ou impostos pelo estado.
Hoje a vida é pontuada pela mudança contínua, não há um tempo que tenha uma caracterização bem definida. Os dotados de uma visão mais observadora – entre os quais me incluo sem qualquer presunção – percebemos que, em meio à incerteza, à indeterminação, ao medo, novas necessidades surgem no lugar dos valores essenciais. O respeito de que se orgulhavam nossos avós não se observa nestes dias (de crise moral que afeta sociedade e estado).
O aumento da violência é um dado inquestionável, não obstante as pessoas andarem desarmadas. A revogação do estatuto e a liberação do uso de armas por todos (em razão do direito individual de cada um), todavia, não assegura a pacificação e a harmonia sociais. Não bastasse a falta de respeito em todos os âmbitos, a violência é potencializada pela droga (que se restringia ao álcool em tempos avoengos).
A distância entre o cidadão de bem e o criminoso diminui consideravelmente com a existência da arma de fogo, com grande chance de o criminoso roubar a arma de sua vítima. A oposição pode ocorrer entre dois cidadãos de bem, que, dominados por uma pulsão faz de um ou outro um assassino em alguns segundos.
Entre escolher a liberdade de o indivíduo consumir droga e a interferência do estado para coibir o tráfico violento ao extremo, não tenho outra opção. A segurança do todo não pode depender do direito da parte. (A propósito, por que não medidas políticas sobre o consumidor inclusive?)
Dessa forma, continuo a defender a liberdade, que deve ser exercida com restrições em certos aspectos – como o considerado acima. Espero que este posicionamento não provoque minha desfiliação sumária, mas que sirva de autocrítica para o partido Novo.

quarta-feira, 2 de maio de 2018

CRÔNICA DE FOZ DO IGUAÇU


      

      
      Foz do Iguaçu é, pela quarta vez, o destino de minha viagem. Ora a trabalho (1986 e 1987), ora a passeio (1988 e 2018), o lugar continua a me atrair com uma força inexplicável, que, em princípio, atribuo à aproximação entre natureza e artifício (como também ocorre de uma forma soberba em Rio de Janeiro). 
      Outras pessoas são igualmente atraídas pelo conjunto de pontos turísticos existente nas três fronteiras. Apenas nesse domingo, calcula-se que 16 mil turistas visitaram as cataratas do Iguaçu. Um número bem maior cruzou a Puente de la Amistad, e outros tantos conheceram a hidrelétrica gigantesca de Itaipu (a considerar o fim de semana). 
   Decorrentes da aglomeração humana, as filas são extensas e muito cansativas. Talvez seja esse o único senão desagradável do passeio. Nem a última suba do dólar foi sentida pelos consumistas mais afoitos. 
       A segunda-feira (que seria chuvosa de acordo com uma das previsões) amanheceu azulíssima, com a temperatura outonal. A partir deste meio-dia, meu destino tem seu sentido mudado, a apontar para Santiago - a terra onde sou poeta.

quarta-feira, 25 de abril de 2018

EIS UMA VERDADE:



A crença noutro mundo, numa vida além da morte, constitui a maior desgraça para este mundo, para esta vida. Obviedade que parece escapar da percepção daqueles que creem, especialistas na execração da Terra (que Nietzsche já rechaçara como o verdadeiro niilismo). 
Depois de Platão, o cristianismo se tornou o arauto oficial dessa depreciação, a transformar o paraíso (ab origine) em inferno. 
Por mais de um milênio, logrou sucesso em instituir o pecado, a dor, o sofrimento. 
Felizmente, a razão humana reagiu à insanidade a ela atribuída, a tempo de fundar o verdadeiro humanismo, agora assegurado por um processo de secularização irreversível.

terça-feira, 17 de abril de 2018

PALAVRAS DE SABEDORIA


Caro leitor, não considere esse título uma pretensão descabida antes de chegar ao fim das linhas abaixo. Sua paciência e credibilidade serão recompensadas, prometo-lhe de antemão. O presente texto poderá estimular uma reflexão em sua consciência.
Minha escolha pelo conhecimento, ao invés de acumular bens materiais (como geralmente ocorre com a maioria das pessoas), exigiu-me muita leitura e atenta observação da realidade, dos seres, coisas, fenômenos, tudo o que me cercava no tempo e no espaço.
Todas as veredas que percorri em busca de sabedoria, as mais difíceis possíveis como o de conhecer a mim mesmo, trouxeram-me a este caminho mais amplo e claro sob o sol do bem. À semelhança do homem liberto na alegoria platônica, superei a ignorância de que somos dotados ab origine e passei a compreender minhas antigas crenças e preconceitos.
A nova condição, todavia, desenvolveu em mim a responsabilidade de voltar (sempre que possível) ao interior da caverna, para dar aos outros o testemunho da claridade. A forma preferida como cumpro esse ofício remonta aos anos oitenta, quando comecei a expressar na escrita o pouco que tinha conhecimento. No impedimento de dar uma camisa ao outro (porque disponho de poucas em meu guarda-roupa), ofereço-lhe ideias. Assim penso fazer o bem.
Lamentavelmente, como previsto por Platão, não sou bem recebido por meus semelhantes mais necessitados, que teimam em viver presos às correntes do dia a dia de uma forma empedernida, ignara. Neste aspecto, o Brasil consiste numa imensa caverna, não apenas pelas religiões (que vicejam), não apenas pelas políticas (que governam), não apenas pelo crime (que assombram)...

Froilam de Oliveira
17 de abril de 2018

sexta-feira, 13 de abril de 2018

LULISMO: MANIFESTAÇÃO DE IRRACIONALIDADE

O irracionalismo político já constitui uma realidade no Brasil, a imitar a Alemanha na época nazista. A grande diferença é que lá, ele unificou a nação em torno de um líder e aqui, divide a nossa sociedade. O lulismo (petismo) é um fenômeno que escancara a participação do inconsciente na tessitura viva da realidade, a ignorar as difíceis conquistas da consciência (tomadas como marcas do avanço civilizatório). Inicialmente, pensei se tratar de anarquismo, estratégia dos lulistas para detonar com o establishment, por eles identificado como obra de uma elite (ainda chamada de “burguesia”). Sem uma crise de grandes proporções, que coloque em dúvida o sistema até então dominante, o socialismo não tem chance de chegar ao poder. 
Em seus primórdios, o lulismo empregou o “jeitinho brasileiro”, de malícia exclusiva, na medida em que não havia mais a possibilidade de uma revolução armada (comum a outros tempos). Seus arrivistas passaram a discursar sobre a democracia, regime aperfeiçoado e instituído pelo país mais capitalista do mundo, os Estados Unidos. Nesse aspecto, eles poucos se importavam com a contradição nunca percebida pela legião de apedeutas que caiu na armadilha. Após algumas derrotas eleitorais, a oposição lulista conseguiu chegar ao Planalto, a despeito do melhor momento econômico por que atravessava o país. O primeiro “pograma” no novo governo, o Fome Zero, exemplifica a contradição já reconhecida na América Latina: a fome passa a constituir a geografia humana da América Latina socialista/socialista, notadamente Cuba* e Venezuela. 
Os brasileiros deveríamos saber o que aconteceu ao longo dos governos lulistas. Infelizmente, uma parte da sociedade ainda resiste, a empunhar uma bandeira vermelha, crentes na inocência de seu grande líder. Políticos, juristas, jornalistas, professores, intelectuais, todos que o seguiam de perto, não mais se confundem como anarquistas ou socialistas. Muitos enriqueceram com a simples aproximação do poder, alçando-se a uma condição material acima da maioria (que constituiria a classe tão odiada em seus discursos). O medo de perder as regalias alcançadas não dispensando as formas ilícitas, penso agora, amplia-se para algo maior, mais assustador. Na falta de referências filosóficas, sociológicas ou psicanalíticas, denomino o fenômeno a tomar corpo de irracionalismo.

* Sugiro a leitura do romance O homem que amava os cachorros, do escritor cubano Leonardo Padura.

quarta-feira, 28 de março de 2018

MINHA LEITURA DE AUGUSTO CURY

Augusto Cury é, provavelmente, o segundo autor brasileiro mais lido em âmbito nacional – atrás de Paulo Coelho. Esse dado não pressupõe que haja muitos leitores no país, cujo deficiente de leitura aumentou consideravelmente com a massificação de computadores e celulares.
Do campeão de venda acima citado, consegui chegar ao fim de O alquimista, um livro muito aquém da crítica. Da extensa obra de Augusto Cury, adquiri dois títulos: Inteligência Multifocal e Ansiedade (como enfrentar o mal do século). O primeiro fui obrigado a abandonar já nas primeiras páginas, e o segundo leio apenas para destacar as passagens em que o autor, não raro, expressa sua imodéstia ou seu blefe pseudocientífico.
Em cada página de seu livro é possível destacar uma referência às próprias teorias, seja a da Inteligência Multifocal, seja a da Síndrome do Pensamento Acelerado. Ele considera tal síndrome como o “mal do século”, a despeito do século contar tão somente com 15 anos em sua primeira edição. Com frequência, para fazer valer suas ideias, escreve que grandes pensadores e cientistas estão equivocados:

O processo de construção de pensamentos e todas as suas implicações psicológicas e sociológicas não foram estudados sistematicamente por brilhantes pensadores como Freud, Jung, Roger, Skinner, Piaget, Vygotsky, Paulo Freire, Nietzsche, Jean-Paul Sartre, Hegel, Kant, Descartes, entre outros (p. 31).

Líderes espirituais, políticos, juristas, médicos comentem erros seriíssimos porque creem que o pensamento é instrumento da verdade (p. 42).

Neurologistas, psiquiatras, psicólogos e psicopedagogos, ao observar crianças e adolescentes agitados, inquietos, com dificuldade de concentração e rebeldes a normas sociais, chegam a diagnósticos errados, atribuindo tais comportamentos ao transtorno de déficit de atenção ou hiperatividade, quando a grande maioria desses pacientes é vítima da Síndrome do Pensamento Acelerado (p. 46).

O blefe pseudocientífico de Cury consiste num misto de tautologia e paráfrase de ideias já existentes, como nos excertos abaixo:

Tudo o que mais detestamos ou rejeitamos será registrado com maior poder, formando janelas traumáticas, que denomino killer (p. 31).

Estamos na era do conhecimento, da democratização da informação, mas nunca produzimos tantos repetidores de informações, em vez de pensadores (p. 33).

A construção de pensamento não é unifocal, mas multifocal, não dependendo apenas da vontade consciente, ou seja, do Eu, mas de fenômenos inconscientes (p. 35).

... o primeiro ato do teatro psíquico ocorre em milésimos de segundo e não através da atuação do Eu, mas através de dois atores inconscientes, o gatilho e as janelas da memória (p. 40).

           

            Com o objetivo específico de destacar outras passagens do livro, que justifiquem o culto a si mesmo e os disparates de seu autor, continuarei a leitura de Ansiedade. Farei um esforço para chegar à última página e reescrever este texto posteriormente. Não é pretensão desmascarar o autor em pauta, coisa que outros mais capacitados não conseguiram com uma crítica mais elaborada. Preocupa-me, todavia, a baixa qualidade da leitura de meus compatriotas.