A sensação de um vazio
começou logo no primeiro dia em que ele ficou sozinho no apartamento com as
coisas faltando ou fora do lugar em decorrência da separação. Os furos e marcas
nas paredes, lembrança imediata dos quadros, não cessaram de tortura-lo até que
os pintores os eliminassem com duas demãos de tinta. Sua única saída era a rua,
todavia, assim que abria a porta de volta e não a via ao fundo do corredor
(preparando aulas), o vazio voltava a crescer, paradoxalmente feito uma bolha.
Uma bolha vazia, diga-se de passagem, que lhe pressionava de dentro para fora,
a doer na garganta, a congestionar os olhos, a rasgar a pele da racionalidade
(e expor o sentimento vivo que procurara isolá-lo internamente). Após entregar
o apartamento, ele retornou para o lugar de sua infância, com a perspectiva de
que o vazio se preenchesse de alguma forma inexplicável. As poucas coisas que restaram
do antigo lar, simples como um pote de temperos identificado por ela, os travesseiros
ou o par de chinelos que ganhara de aniversário, todavia, acionavam um estado
de intensa suscetibilidade emotiva, muito difícil de esconder daqueles que o
cercavam na nova casa. Toda vez que retornava à cidade, via-se em frente ao
edifício em que morara, a olhar para as janelas do apartamento com a ideia
quase obsessiva de vê-la de repente. Certa noite, depois de rodar pela cidade
sem destino, estacionou o carro na esquina em frente, para permitir que a bolha
explodisse inexplicavelmente. Dentro do carro, ouvindo as músicas que ouviam em
suas viagens, ele continua a sentir o vazio com uma tristeza sempre renovada, a
se perguntar se ela não sentia algo também, ao ouvir as mesmas músicas. A
semana que vem, ele tem uma viagem marcada (de acordo com o que haviam planejado
antes da separação). Agora irá sozinho, ouvindo as músicas que ouviam juntos.
Certamente, o vazio crescerá dentro dele, na medida em que estará vazio o lugar
que ela ocupava ao seu lado. Depois dessa viagem, talvez faça outra com destino
incerto, outra mais e mais outra. Mesmo indo para Pasárgada, não será feliz
inteiramente, porque há de persistir o vazio criado pela ausência dela.
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