O vento prenuncia chuva para logo. Ele se faz ouvir no farfalho enlouquecido das ramagens. Uma encruzilhada teima em se desenhar à minha frente, com perspectivas obliteradas pela minha dúvida. Não posso retornar tampouco, na medida em que a vida é uma estrada de sentido único. Meu tempo se constitui com a necessidade de ocupar novos pontos no espaço, seguir adiante. Neste momento, vou por aonde? A viagem há pouco realizada não foi suficiente para determinar um norte, malgrado indo para o sul. Talvez siga para o norte. Talvez. A chuva, prestes a cair, deverá apagar minhas pegadas.
segunda-feira, 26 de dezembro de 2016
domingo, 25 de dezembro de 2016
COMENTÁRIOS DIVERSOS
O pessoal fala muito em deus, deus
pra cá, deus pra lá, mas não vejo foto dele (ou de seu único representante
encarnado).
Não faltam fotos de comida, muita
comida, muita bebida, muitas selfies,
muitas mensagens bobas.
O Natal se seculariza, pelos hábitos
daqueles que se dizem religiosos.
***
O NATAL foi introduzido no Cristianismo pela Igreja Católica, a partir
de uma festa sabidamente pagã. A data hoje continua repleta de paganismos, como
a figura do Papai Noel. O consumismo enlouquecido associado ao espírito
natalino, mais que os elementos pagãos, e o processo de secularização serão
responsáveis pelo fim da religiosidade que subsiste ainda no Natal.
***
O Uruguai é o país mais adiantado da América Latina, mais educado, mais
seguro. IDH mais alto. Apresenta o maior índice de ateus, o que prova ser a
moralidade anterior à religião, independente desta. Para responder à
preocupação de um personagem de OS IRMÃOS KARÁMAZOV, de Dostoievski, sem deus
tudo é possível, óbvio, inclusive a ordem, a decência humana. O Brasil é
preponderantemente religioso e...
***
HÁ UM PROCESSO CIVILIZACIONAL em curso no Ocidente: a secularização. O
que é a secularização? É a transformação ou passagem de coisas, fatos, pessoas,
crenças e instituições, que estavam sob o domínio religioso, para o regime
leigo. Esse processo é irreversível, mas as religiões se agarram em seus
esteios dogmáticos (fixos no sobrenatural).
terça-feira, 13 de dezembro de 2016
FIM DE ROMANCE
A sensação de um vazio
começou logo no primeiro dia em que ele ficou sozinho no apartamento com as
coisas faltando ou fora do lugar em decorrência da separação. Os furos e marcas
nas paredes, lembrança imediata dos quadros, não cessaram de tortura-lo até que
os pintores os eliminassem com duas demãos de tinta. Sua única saída era a rua,
todavia, assim que abria a porta de volta e não a via ao fundo do corredor
(preparando aulas), o vazio voltava a crescer, paradoxalmente feito uma bolha.
Uma bolha vazia, diga-se de passagem, que lhe pressionava de dentro para fora,
a doer na garganta, a congestionar os olhos, a rasgar a pele da racionalidade
(e expor o sentimento vivo que procurara isolá-lo internamente). Após entregar
o apartamento, ele retornou para o lugar de sua infância, com a perspectiva de
que o vazio se preenchesse de alguma forma inexplicável. As poucas coisas que restaram
do antigo lar, simples como um pote de temperos identificado por ela, os travesseiros
ou o par de chinelos que ganhara de aniversário, todavia, acionavam um estado
de intensa suscetibilidade emotiva, muito difícil de esconder daqueles que o
cercavam na nova casa. Toda vez que retornava à cidade, via-se em frente ao
edifício em que morara, a olhar para as janelas do apartamento com a ideia
quase obsessiva de vê-la de repente. Certa noite, depois de rodar pela cidade
sem destino, estacionou o carro na esquina em frente, para permitir que a bolha
explodisse inexplicavelmente. Dentro do carro, ouvindo as músicas que ouviam em
suas viagens, ele continua a sentir o vazio com uma tristeza sempre renovada, a
se perguntar se ela não sentia algo também, ao ouvir as mesmas músicas. A
semana que vem, ele tem uma viagem marcada (de acordo com o que haviam planejado
antes da separação). Agora irá sozinho, ouvindo as músicas que ouviam juntos.
Certamente, o vazio crescerá dentro dele, na medida em que estará vazio o lugar
que ela ocupava ao seu lado. Depois dessa viagem, talvez faça outra com destino
incerto, outra mais e mais outra. Mesmo indo para Pasárgada, não será feliz
inteiramente, porque há de persistir o vazio criado pela ausência dela.
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