Estou cada vez mais irritado com uma expressão com a qual me
deparo em relatos parlamentares, entrevistas, artigos de jornal e afins.
As pessoas dizem que "cometeram um erro", quando na
verdade o que deveriam dizer é que cometeram um crime. Por exemplo, "eu
posso ter cometido erros no passado, mas agora vou me dedicar a trabalho
voluntário". Ou "responderei à Justiça caso tenha cometido um
erro". Ou um jornalista escreverá que certa pessoa "cometeu um
erro", mas deveríamos perdoá-la.
Tenho o péssimo hábito de consultar um dicionário sempre que
desejo entender o significado pleno de uma palavra. Um "erro",
segundo o "Webster's New World College Dictionary", é uma "falha
de entendimento, percepção, interpretação" ou "uma ideia, resposta,
ato, etc., que está errada; (uma) falha".
Tendo por base essa definição, me parece claro que aqueles
que "cometem erros" o fazem de modo não intencional. O contador que
faz um cálculo errado comete um erro, assim como o chef que coloca
acidentalmente um ingrediente errado em um prato favorito, ou o médico que erra
no diagnóstico de um paciente. Em cada caso, a pessoa tinha a firme intenção de
fazer a coisa certa mas não foi bem-sucedida, e todas inicialmente não estavam
cientes de seus erros.
Mas com extrema frequência, atualmente são criminosos e
homicidas – pessoas que praticam extorsão e aceitam propina, fazem uso ilícito
dos cartões de créditos de outros, aplicam golpes em pessoas vulneráveis e
ingênuas, até aquelas que matam suas avós com machados ou jogam ácido na face
de sua ex-mulher– que são descritos como tendo "cometido um erro".
É claro, essas pessoas não simplesmente cometeram erros. Elas
fizeram o que sabiam ser contra a lei e a moralidade pública. Elas cometeram um
crime, dizendo claramente. Em termos religiosos, elas "pecaram", o
que significa que agiram errado de forma intencional, mesmo que aqueles que
cruzaram um sinal vermelho cometam uma ofensa venial, e aqueles que matam suas
avós cometam uma mortal.
Descrever conhecidos malfeitores como tendo apenas cometido
"erros" é um eufemismo despudorado que atenua a responsabilidade
deles por suas ações, como se fossem crianças que somaram descuidadamente dois
mais dois para chegar a cinco. É criminoso chamar um crime evidente de
"erro".
(O texto acima foi produzido por Umberto Eco para o site UOL. Identifiquei-me com ele no quesito de "consultar um dicionário sempre que desejo entender o significado pleno de uma palavra". Já me expressei sobre esse hábito por mais de uma vez.
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