Num diálogo de Os irmãos Karamázov, de F. Dostoiévski, Mítia fala a Aliocha:
– O único
problema que me atormenta é Deus. E se por acaso Ele não existisse? Então, se
ele não existisse, o homem seria o senhor da terra, da criação do mundo.
Magnífico! Mas como o homem seria virtuoso sem Deus?
Smerdiakov, outro personagem do romance acima,
parece responder na sequência: “Se Deus eterno não existe, tampouco existe
virtude”.
Sartre, ao atribuir a frase “Se Deus não
existisse, tudo seria permitido” a Dostoiévski, caracterizava o existencialista
como o primeiro teísta saudoso de Deus, obrigado a viver num mundo laicizado.
A partir do questionamento de Mítia
(“como o homem seria virtuoso sem Deus?”) e da angústia existencialista,
aproximo-me do senso comum (para quem Dostoiévski e Sartre são dois estranhos),
dando-lhe a oportunidade de conhecer dois argumentos que denegam sua crença
(como responsável por conduzir o homem no caminho da moral necessária).
O primeiro argumento é de que a moralidade
precede a criação dos deuses e das organizações religiosas. O homo sapiens do paleolítico foi capaz de
sobreviver dezenas de milhares de anos em grupos cada vez maiores, graças a uma
ordem social. Christopher Hitchens acertou em cheio: “A decência humana não
deriva da religião – é anterior a ela”.
Antes de expressar o segundo argumento,
saliento que o budismo, a despeito de ser uma religião, não tem deus. Nenhuma
outra ordem imaginada conseguiu dar à criatura humana maior doçura e
felicidade.
Assim como houve moralidade antes de
deus (e de todas as formas de culto a ele dirigidas), passou a haver depois,
com o processo de secularização. O primeiro alvor da era secular que estava por
vir foi contemplado no ano de 1543, com a publicação do livro Da revolução de esferas celestes, de
Nicolau Copérnico. Sua claridade aumentou com o empirismo e o racionalismo (não
metafísico). O sol despontou com o iluminismo, aumentando seu brilho com Charles
Darwin, Karl Marx, Friedrich Nietzsche, Sigmund Freud, Albert Einstein, Edwin Hubble,
Círculo de Viena, Richard Dawkins, os filósofos ateus contemporâneos… No âmbito
político, ela se configura na laicização do estado moderno.
A era expressa nesse segundo argumento,
diferente da New Age, evolui para um ateísmo absoluto, ao contrário do que
vislumbrou André Malraux para o século XXI, sem as concessões feitas por
Charles Taylor à multirreligiosidade. A civilização ocidental marcha a passos
largos para se libertar dos mitos do sobrenatural.
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