quinta-feira, 1 de outubro de 2015

PALAVRA-OBJETO

O fazer poético exige de quem se propõe a tal um conhecimento da palavra, a matéria-prima dessa arte, que transcenda aspectos puramente gramaticais, fonéticos e semânticos.
Essa condição depreende do próprio conceito de poesia, que atribui à forma uma importância fundamental.
Como ilustração disso, lanço mão de um exemplo citado por Armindo Trevisan em Poesia - uma iniciação à leitura poética, sobre o recurso aliterativo:
“Adam la-hebel damah”


O significado desse verso é desconhecido, uma vez que foi escrito em hebraico (salvo se se conhece a língua original dos Salmos). Portanto, não há conteúdo discursivo até o momento de ler a tradução.
Ao analisar a forma, todavia, percebe-se nas palavras-objetos certo jogo anagramático, certa disposição que excede a aliteração exemplificada por Trevisan.
Não é só o som, mas os signos em si - como coisas - consistem em elementos poéticos.
Essas palavras começam o versículo 4, do capítulo 144 dos Salmos: "O homem é como um sopro de vento".
Agora, que se sabe o significado, poder-se-ia dizer que as palavras deixaram de ser objetos. Isso é correto em relação à prosa, não para a poesia, a qual permite que a forma "penetre a mensagem", conforme Samuel R. Levin.

Nenhum comentário: