sábado, 31 de outubro de 2015

A PERGUNTA

        Católicos, evangélicos, espíritas, umbandistas e outros religiosos somam 94,7% da população santiaguense acima dos 5 anos de idade – segundo dados do Censo Demográfico de 2010. Os demais, cujo percentual é de 5,3%, são representados pelas pessoas sem religião.
         Todos os religiosos, pelo menos dos católicos aos umbandistas, acreditam na imortalidade da alma/espírito. (A barra desconsidera as diferenças entre os dois termos, irrelevantes para o questionamento que farei mais à frente.) Também não o é a contradição entre ressurreição e reencarnação, que parece não incomodar cristãos e espíritas.
         A partir do pressuposto de que todos os que creem na alma transcendente conheçam o mínimo da história evolutiva do homem, pergunto-lhes em que momento esse mamífero passou a ser dotado animicamente.
Numa sinopse das sinopses, entre 6 e 7 milhões de anos atrás, teve origem o gênero ao qual pertence a espécie do homo sapiens (surgida há tão somente 200 mil anos). Como possíveis elos (achados) da evolução hominídea, outras espécies existiram ao longo de milhões de anos: australopithecus, homo habilis, homo erectus… O neandertal chegou a dividir os mesmos territórios como homo sapiens. Com a descoberta do genoma, hoje se sabe que as sequências de DNA do homem e do chimpanzé são minimamente diferentes.
Em que estágio evolutivo ocorreu o fenômeno da espiritualização humana?
Coincidiu com a pequena variação genética que levou uma espécie a se dividir (entre 6 e 7 milhões de anos Antes do Presente)? Ou foi com o desenvolvimento do bipedalismo (há 4 milhões de anos)? Com a fabricação de instrumentos (há 2 milhões de anos)? Quem sabe ocorreu com a descoberta e domínio do fogo (entre 400 e 500 mil anos AP)? Com a revolução cognitiva (há 70 mil anos)? Com a revolução agrícola (há 10 mil anos)? Provavelmente, tenha coincidido com a criação dos deuses (num tempo ainda mais recente)?
QUANDO?

SUICÍDIO (SEGUNDO CAMUS)

A primeira coisa que ouço alguém dizer depois da ocorrência de um suicídio em Santiago é que há algo de misterioso em nosso município, que o coloca no topo de um ranking muito triste.
No momento, em consideração ao meu interlocutor, não faço qualquer comentário contra seu preconceito. Fico na vontade, refletindo mais tempo sobre o assunto.
Em O mito de Sísifo, Albert Camus produz o seguinte parágrafo com rasgos de genialidade:
"O suicídio sempre foi tratado somente como um fenômeno social. Ao invés disso, aqui se trata, para começar, da relação entre o pensamento individual e o suicídio. Um gesto como este se prepara no silêncio do coração, da mesma forma que uma grande obra. O próprio homem o ignora. Uma tarde, ele dá um tiro ou um mergulho. De um administrador de imóveis que tinha se matado, me disseram um dia que ele perdera a filha há cinco anos, que ele mudara muito com isso e que essa história 'o havia minado'. Não se pode desejar palavra mais exata. Começar a pensar é começar a ser minado. A sociedade não tem muito a ver com esses começos. O verme se acha no coração do homem. É ali que é preciso procurá-lo. É preciso seguir e compreender esse jogo mortal que arrasta a lucidez em face da existência à evasão para fora da luz".
A reflexão camuniana beira a poesia, no estilo que apenas os gênios desenvolveram para se acercar da verdade.  

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

MEDO, IGNORÂNCIA E TEIMOSIA

A fé nesse ou naquele deus, seguindo os dogmas dessa ou daquela religião, é condicionada na criança desde os primeiros anos de vida, cuja metodologia se fundamenta no medo. Eu fui “iniciado” no cristianismo dessa forma. Você, que lê este texto, também o foi. Da mesma forma, mais de noventa por cento da população santiaguense.
O condicionamento é um processo universal, válido em Santiago e, por exemplo, em Gardez, no Afeganistão. Aqui ou lá, com um gradiente disciplinar do mais frouxo ou mais rígido, os pais acreditam que cumprem sua obrigação ao condicionar os filhos na fé em que eles próprios foram condicionados. Não sendo suficiente o lar, sobrepõe-se o sistema educacional do Estado, inserindo o “ensino” religioso no currículo obrigatório.
Eu, você e mais de noventa por cento da população santiaguense, forçosamente, vamos crer no deus bíblico. Em Gardez, a maioria absoluta seguirá o deus do Corão, fiéis ao islamismo. Pais brasileiros e afegãos juram (da boca para fora ou genuflectidos) fazer o bem aos filhos, iniciando-os no teísmo dessa ou daquela religião. A ignorância oblitera o pensamento contrário desses pais. Ante as evidências reais, de que a religião divide o mundo, que “envenena tudo”, “que mata” (nas palavras de Christopher Hitchens), de que deus é uma criação do homo religiosus, eles batem no peito, defendendo sua fé inabalável.
Se o medo é o sentimento que caracteriza a criança ao longo de sua “iniciação”, a ignorância e a teimosia constituem a massa que engessa a mente do adulto. Teimosia racionalizada como certeza. 

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

O SONHO CRISTÃO

      O sonho maior do homo religiosus não é deus – uma metáfora das causas ainda não conhecidas de tudo. Um sonho comum aos sumérios, egípcios, gregos, indianos, astecas, guaranis, judeus, cristãos, muçulmanos… Até aquele que não sonha com ele, em plena vigília, rende-lhe uma homenagem significante ao se denominar ateu. 
Tal universalidade não prova que deus existe, como filosofou Descartes por último, senão que se sonha o mesmo sonho. Certamente, esse sonho e outro, o da existência da alma independente do corpo, deram a sustentação metafísica ao sonho maior: a vida eterna. O medo da morte, a angústia de e o inconformismo com, acumulados desde tempos remotos, são aparentemente vencidos pela transcendência. A alma continua viva.
Não satisfeito com a eternidade anímica, uma pequena seita do judaísmo insufla no sonhador a crença de que também o corpo há de subir aos céus. A história de tornar ao pó nunca foi cem por cento aceita. O sonho da ressurreição, todavia, parecia um tanto absurdo em Israel. A seita desapareceria não fora a determinação do grande sonhador Paulo de Tarso. Ele transformou a epilepsia em clarividência, em manifestações divinas., levando a proposta do sonho para outras terras.
Nenhum lugar era, paradoxalmente, mais estranho e mais conveniente para pregar a ressurreição que em Roma, visto que ali batia o coração do vasto império. Paulo foi para Roma, depois de passar pela Grécia, onde enriqueceu seu discurso com o platonismo.
O sonho da ressurreição um dia despertou Helena, uma plebeia abandonada pelo marido, o qual lhe levou o filho Constantino. Este se tornaria imperador mais tarde, e sua mãe receberia o título de Augusta. Sob a influência de Helena, Constantino oficializou o cristianismo, mandando construir uma basílica nos lugares que ela apontava como santo.
O sonho virou pedra. 

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

RELAÇÃO ENTRE EGOÍSMO E RELIGIÃO

(O TEXTO ABAIXO FOI TRANSCRITO DA REVISTA  FILOSOFIA - CIÊNCIA E VIDA, ANO VIII, NÚMERO 111.)

"Um artigo publicado na PNAS em dezembro de 2009 com o título de A estimativa de crentes nas crenças de Deus é mais egocêntrica do que a estimativa das crenças de outras pessoas (...) traz sete experimentos muito interessantes sobre a relação entre egoísmo e Religião. No mais interessante deles, o participante tem que dizer o que ele acha sobre certo assunto, o que ele acredita que a média dos americanos acha sobre este mesmo assunto, o que ela acredita que certas pessoas famosas acham e o que ele acredita que Deus acha. Depois disso ele é submetido a uma leitura que faz que ele mude, mesmo que ligeiramente, de opinião. Quando o teste é repetido, ele agora acha algo um pouco diferente, mas acredita que a média dos americanos e as pessoas famosas ainda acham a mesma coisa que achavam antes. Só que agora ele assume que Deus também acha um pouco diferente do que achava antes. Curiosamente, segundo o participante, Deus continua concordando com ele. Ou seja, quando o participante muda de opinião pessoal, ele também muda sua opinião sobre o que ele acha que Deus acredita. Em outras palavras, o que nós acreditamos que Deus acredita é calibrado a partir das nossas próprias crenças".
A conclusão a que chega o autor da matéria é simples:
"São os nossos preconceitos que fundamentam nossas crenças, e não o inverso. Deus é, então, só um modo de justificar publicamente as nossas crenças pessoais".

terça-feira, 27 de outubro de 2015

INABALÁVEL...

MF concorda comigo de que as igrejas (católicas e evangélicas) poderiam abrir suas portas para os fiéis vitimados pelo temporal. Ao encerrar seu comentário, escreve-me que não mais frequenta igreja, mas sua fé continua inabalável. Certamente, fé nos dogmas da igreja (que não frequenta mais), na vida eterna, em deus... 
Noutros tempos, a ênfase dada à palavra "inabalável" bastaria para mexer com meus nervos. Antes de ler o conselho de Richard Dawkins, todavia, já chegara à conclusão que não devo debater com os teístas.
Inabalável... é uma fé que não só acredita sem provas, mas também acredita mesmo com provas contrárias. O criacionista, por exemplo, continua acreditando no mito bíblico ante as provas evolucionistas - que são de uma claridade meridiana.
Ao sair do computador, pensei, pensei. Caso meu interlocutor tomasse conhecimento da história evolutiva em nosso planeta, compreendendo-a verdadeiramente, talvez sua fé sofresse um pequeno abalo.
Não tenho dúvida, poucos entendem Darwin e os pós-darwinistas. Os demais não querem saber de nada, exceto alguns argumentos falaciosos com que ridicularizar a ciência (e suas verdades estabelecidas). 

O MITO MARCIANO


O marciano, de tez verde e cabeça grande (por este detalhe, semelhante a Severino, de João Cabral de Melo Neto), constitui-se num dos primeiros mitos do século XX, em que o homem se lançou ao espaço.
No tempo das grandes navegações, a sanha mercantilista levou o homem europeu a acreditar no mito do Eldorado, uma cidade toda feita em ouro puro. Séculos mais tarde, com os voos espaciais (tripulados ou não), a nova obsessão foi procurar vida fora da Terra.
A ciência e a tecnologia envolvidas na exploração do espaço são seguidas de perto pela mitificação (num caminho paralelo, ora à frente, ora atrás da linha que demarca o deslocamento científico). 
A literatura e o cinema encarregaram-se de dar representação ao mito, que resiste mesmo depois de negada a existência de vida em Marte.
A descoberta de água nesse planeta volta a energizar o processo mitificador, agora com o vetor invertido. A perspectiva refletiu em seu ponto de fuga, transformando-se em retrospectiva. Os mitólogos intentam dar à sua arte estatuto de ciência, discursando sobre possível vida marciana no passado. No fundo, querem ressuscitar as criaturas verdes, criadas por Edgar Rice Burroghs em 1911.


segunda-feira, 26 de outubro de 2015

ECOLOGIA


Em 1992, escrevi no meu IV Caderno (não publicado) o texto que transcrevo abaixo:

GRANDES PROBLEMAS AMBIENTAIS
A SUPERPOPULAÇÃO HUMANA constitui-se no principal problema para a vida no planeta. O mundo na Terra, quase infinito aos olhos de nossos ancestrais primitivos, hoje se torna pequeno demais para absorver as ações destrutivas do homem.
O DESFLORESTAMENTO, feito no passado como forma inadequada de criar áreas agricultáveis, hoje se acelera em vista do rico mercado da madeira (o qual não está interessado na preservação do meio ambiente). 
A DESERTIFICAÇÃO, fenômeno que se observa na orla dos próprios desertos e em regiões isoladas, ocorre da soma de causas naturais, inevitáveis, e da ação e da inércia humanas. A erosão progressiva do solo é uma de suas causas manipuláveis.
A EMISSÃO DE DIÓXIDO DE CARBONO, também causada pelo homem, começa a ser motivo de preocupação dos países líderes em liberá-lo para a atmosfera. O acúmulo desse gás é potencializado pela soma do segundo problema (o desflorestamento). 

Não incluído na relação acima, A PRODUÇÃO DE LIXO hoje é um dos grandes problemas que afetam o meio ambiente. 

sábado, 24 de outubro de 2015

O SALTO PARADIGMÁTICO

        Certos assuntos são propensos a incitar a discussão, tanto no sentido de constituir uma dialética positiva, quanto de enveredar para o lado oposto, em que a busca pela verdade dos interlocutores leva ao primeiro estágio da agressão – o discursivo.
        Desde meu começo como escritor (que publica ideias), meados dos anos oitenta, tenho desenvolvido continuamente a arte de espadachim (para empregar uma metáfora de Carlos Humberto Aquino Frota). Algumas vezes, em condições inferiores, obriguei-me ao recuo, guardando minhas palavras na bainha do silêncio. Por essa atitude, ouvi do vulgo não identificável a depreciação que me imputava pusilanimidade, covardia. A derrota aparente não me cegava o espírito (com o ressentimento, por exemplo), ao contrário, dotou-me da humildade mais necessária na vitória (também aparente).
        A longa experiência com as pugnas discursivas, hoje me faz perceber com maior clareza a posição que ocupo, bem como a posição do outro. Sua presunção e falta de humildade, a despeito da inexperiência que não consegue dissimular (nas redes sociais, onde ensaia seus primeiros passos), beiram o risível.
O interlocutor cristão, por exemplo, ao contrapor com um clichê do discurso religioso, ilude-se com a perspectiva de desconstruir meu ateísmo. Como digladiar com ele em condições de igualdade? Fiel seguidor de uma religião que dominou nossa civilização ao longo de toda a Idade Média (da baixa à alta), ele ainda não passou pela revolução moderna, iniciada por Copérnico e continuada por Galileu, Descartes, Newton, Rousseau, Kant, Darwin, Freud, Einstein, Hubble e tantos outros. O crente continua alheio ao paradigma vigente, cujos fundamentos são as verdades filosóficas e científicas dos últimos séculos. Como posso levar a sério alguém que sequer se libertou do mito?
Destarte, é preferível não aceitar uma discussão que, via de regra, acabará mal. Entre fé e razão, há, sim, um abismo incapaz de ser fixada uma ponte. Sua transposição só ocorre com um salto gigantesco - realizado por poucos. 

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

A VIDA CONTINUA

O HOMO SAPIENS, mesmo antes de ter descoberto a agricultura, viveu longos e difíceis milênios de glaciação. Na condição de simples coletor e caçador, o pouco que perdeu sob o gelo era muito. O frio intenso e a inexistência de alimentos quase o levou à extinção. Graças ao seu espírito cooperativo, todavia, venceu todas as grandes intempéries, as grandes catástrofes naturais, assim se preservando ativo o gene humano.
Uma chuva de granizo pode se precipitar sobre a nossa cidade, destruir o telhado das casas, molhar tudo dentro, mas, a despeito de todo desconforto ou de toda perda, a vida continua.
Além de termos uma vontade genética de viver, mesmo em situações extremas (quais as que ocorreram com os nossos ancestrais desde o princípio), evoluímos culturalmente no sentido de ampliar a cooperação.Pouco falta para que o nosso bando alcance o tamanho da humanidade. 
O sabiá canta a primeira nota da manhã (no momento em que escrevo), quando a vida há de retomar seu curso diário.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

ÁGUA DURA

Se fura a pedra a água mole

de tanto que bate. Dura

a água, num segundo abola

a lata e ao telhado fura.

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

"ESTILO ECONÔMICO"?

A Wikipedia é um site colaborativo: o usuário participa na elaboração dos verbetes. Sobre Caio Fernando Abreu, por exemplo, diz-se que era possuidor de um “estilo econômico”.
Tal análise crítica me engendrou uma dúvida desde a primeira vez que a ouvi (num desses encontros para homenagear o escritor santiaguense). Mais tarde, fui à fonte desse equívoco: https://pt.wikipedia.org.
            Antes de ser taxado de polemista pelo leitor, sugiro-lhe que pesquise sobre os conceitos de estilo, termo-calidoscópio que, de acordo com Massaud Moisés, apresenta um “caráter fugidio”, cuja compreensão exige um estudo completo da estética literária.
            Coerente com a síntese de Buffon (apud Massaud Moisés), de que “o estilo é o homem”, é certo que Caio Abreu possui uma característica individual inconfundível, em face do material disponibilizado pela língua. Mas opinar sobre seu suposto “estilo econômico” é outra coisa.
            No prefácio de O ovo apunhalado, Lygia Fagundes Telles assim se expressa:

Quando nos seminários de literatura os teóricos pedantes acabam por condenar a palavra, minha vontade é simplesmente mostrar-lhes um livro como este. Provar-lhes a atualidade da desacreditada palavra com a própria palavra, quando a serviço de uma técnica rica em recursos.

            A “técnica rica em recursos” não contradiz um “estilo econômico”?
            Caio Abreu não poupa palavras. Usa-as em profusão. Mil delas para dizer apenas uma palavra, sem incorrer em circunlóquios inexpressivos. Às vezes, mil palavras para deixar em suspenso o enunciado, como no conto Para uma avenca partindo. No conto Além do ponto (do livro Morangos mofados), o primeiro que incluí na Ruadospoetas – Antologia 1, as palavras jorram torrenciais para significar que “chovia, chovia, chovia…”.
            Esse estilo pródigo enriquece os fatores de expressividade e afetividade, o grande diferencial literário de Caio Abreu.
            No sentido dado por Hênio Tavares, para quem uma das principais qualidades do estilo é a originalidade, aquilo que distingue o autor por sua criação, Caio não foi nada “econômico” ao se levar em conta a extensão e a profundidade temática de sua obra (como um todo). Desconheço outro autor que tenha rompido frontalmente com o tabu da homossexualidade, dissecando-o hiper-realisticamente.
            Ainda que de uma forma fragmentada, por força do gênero literário (crônica e conto), a obra de Caio constitui uma metáfora da solidão do indivíduo, quase profética ante a pós-modernidade que se avizinha – como um assombro.
            A primeira conclusão – que me permite chegar o exposto acima – aponta para uma direção contrária ao do “estilo econômico”, que caracterizaria o escritor Caio Fernando Abreu. (Infelizmente, não há como eliminar o meme hipertextual.)

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

WALT WHITMAN


Ontem me chegou Leaves of Grass, de Walt Whitman. 
Por que adquiri o livro em inglês? 
Para provar que a poesia é intraduzível em sua essência, uma vez que constitui um amálgama da forma e do conteúdo.  A palavra  em português (cabelo, por exemplo) tem uma sonoridade e uma extensão (antes do significado), que difere do inglês (hair).
Ao comparar traduções diferentes de Monteiro Lobato e Geir Campos de um excerto de Whitman, resolvi tirar a prova dos nove.
Destarte, gostaria de contar com colaboração de meus amigos leitores, que saibam traduzir o texto abaixo:

"I depart as air, I shake my white locks at the runaway sun,
I effuse my flesh in eddies, and drift it in lacy jags.

I bequeath myself to the dirt to grow from the grass I love,
If you want me again look for me under your boot-soles.

You will hardly know who I am or what I mean,
But I shall be good health to you nevertheless,
And filter and fibre your blood.

Failing to fetch me at first keep encouraged,
Missing me one place search another,
I stop somewhere waiting for you".


segunda-feira, 12 de outubro de 2015

SALTOS (E CONTRADIÇÕES) RELIGIOSOS

O grande salto religioso do homo sapiens foi dado entre o animismo e o politeísmo, entre o endeusamento de coisas e seres naturais e a criação de deuses sobrenaturais. Isso até é contestável, caso se recue ainda mais no tempo, cuja dicotomia se estabelece entre o animismo e um estágio anterior, sem religiosidade.
        Outros saltos ocorreram mais recentemente, por exemplo, entre o politeísmo e o monoteísmo.
         A primeira experiência monoteísta foi imposta por Aquenáton no Egito por volta de três milênios e pouco Antes do Presente, com o culto exclusivo ao deus Aton. Após a morte do faraó, os egípcios voltaram ao politeísmo.
          Mais tarde, no pequeno reino de Judá, um rei chamado Josias reuniu os escribas, sacerdotes, profetas e contadores de história, para consolidar, pela primeira vez, lendas, profecias, contos folclóricos, poesias antigas1, plágios de outras literaturas (como a do dilúvio, narrada na Epopeia de Gilgamesh. O livro resultante constituiu a primeira versão da Bíblia, cuja coerência narrativa foi possível sob a forja do midraxe-hagadá2, gênero literário desenvolvido pelos hebreus, para recontar outras histórias sob o viés de sua própria cultura.
      O judaísmo pode ser considerado a primeira religião monoteísta, embora se destinando exclusivamente ao povo judeu, limitado a um território exíguo no Oriente Médio antes da diáspora.
Ainda uma seita modesta, o cristianismo se distingue do judaísmo por dois aspectos fundamentais: a universalidade e o missionarismo. A prática desses princípios se deve quase exclusivamente a Paulo de Tarso.
Para ser universal, o deus cristão exigia a adoração de todos os homens, a começar pelos gregos, que viviam uma crise provocada pelo ocaso de sua religião politeísta, bem como das filosofias humanistas responsáveis pelo processo de desmitificação.
O monoteísmo prometia resolver o problema da ordem, criando um deus único, onipotente, onisciente e onipresente. Um deus supremamente bom. Essa vantagem em relação ao politeísmo, todavia, tinha sua contrapartida até hoje não resolvida: o problema do mal. No politeísmo havia um deus mau.
A solução dada pelos evangelistas cristãos foi permitir a crença num anjo decaído, absorvendo uma “prática dualista”3, com a falácia de Santo Agostinho, de que o próprio deus dotou os humanos de livre-arbítrio para escolher entre o bem e o mal.


1.    FINKELSTEIN, Israel. A Bíblia não tinha razão / Israel Finkelstein e Neil Asher Silberman; [traduzido por Tuca Magalhães]. São Paulo: A Girafa Editora, 2003.

2.    BOFF, Leonardo. A águia e a galinha: uma metáfora da condição humana. – 19ª ed. – Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.


3.    HARARI, Yuval Noah. Sapiens – uma breve história da humanidade. [Traduzido por Janaína Marcoantonio.] – 3ª ed. – Porto Alegre, RS: L&PM, 2015. 

O COMÉRCIO SANTIAGUENSE

O comércio santiaguense, a despeito de ter experimentado uma evolução nos últimos anos, ainda padece de certos vícios funcionais. Noutras palavras, atendimento não satisfatório ao cliente.
Vale lembrar que “cidade educadora” é um programa, uma política necessária (desenvolvida pelo poder público), não uma característica observada em nossa sociedade.
A falta de educação no comércio não é uma exceção, também ocorre no trânsito, por exemplo. Duas causas tendem a perpetuá-la: a ignorância (o desconhecimento de uma prática) e a soberba (o estado de quem se coloca acima dos outros, a presunção de saber mais).
O(a) recém-admitido(a) pode ignorar a melhor forma de atendimento. O(a) funcionário(a) antigo(a), tendo desenvolvido uma opinião demasiado boa e lisonjeira sobre si mesmo(a), pode não ser de todo simpático(a).
Essas duas características individuais acabam personificando as próprias empresas do nosso comércio. Em época de “vacas gordas” e sem concorrentes, o atendimento não é dos melhores. O freguês é que corre atrás, com a desenvoltura que lhe exige a vez de ser atendido. No outro extremo, quando há concorrentes e/ ou a crise bate à porta, o cliente corre o risco de ser arrastado para dentro ao passar em frente da loja. A necessidade de vender beira à impertinência.
Minha vaguidade é uma forma educada de expressão verbal. Não faltam exemplos de pessoas físicas e jurídicas, que atuam como o descrito no parágrafo acima.  
Nestas duas décadas em que voltei a residir na minha cidade, não fui bem atendido várias vezes, de me prometer não mais retornar à casa comercial.
Não sou difícil, diga-se de passagem. Pessoas que vêm de fora, a passeio ou de mudança, são muito mais suscetíveis.
Em duas ocasiões, foram os(as) proprietários(as) que, por soberba mesmo, atenderam-me mal. Desde então, para comprar materiais de construção ou almoços, há dois endereços no Centro que não procuro mais.
Em contrapartida, sei valorizar o bom atendimento no comércio local, para o qual passo a fazer propaganda gratuita. 

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

CONHECIMENTO: A VERDADEIRA SALVAÇÃO

Todas as pessoas (pertencentes ao mesmo universo social a que pertenço) creem no que creem, ou creem no que pensam, ou pensam no que creem, porque, com raríssimas exceções, não conhecem a História e não conhecem o campo vasto do saber: a Filosofia (que também faz uma reflexão da História).
Sem esses conhecimentos, nenhuma dessas pessoas consegue pensar no que pensa, um estágio da evolução cognitiva ulterior ao da crença.
A história a que me refiro abrange um tempo muitíssimo superior aos últimos cinco mil anos, conhecidos pelo registro dos fatos mais ou menos ordenados numa sequência cronológica.
Por que não recorrer à Astrofísica, com o conhecimento de que o universo em que vivemos teve um princípio entre 13 a 15 bilhões de anos Antes do Presente (AP)? Da mesma forma, por que não saber que o Sistema Solar formou-se depois de quase dez bilhões de anos do big Bang?
Por que não recorrer à Biologia, com o conhecimento seguro de que a vida iniciou-se no planeta Terra há mais de três bilhões de anos?
Por que não recorrer à Paleontologia, com sua “escrita” inteligível a partir dos fósseis?
Por que não recorrer à Antropologia, com o conhecimento de que a origem do homem ocorreu tão somente meia dúzia de milhões de anos atrás? Da mesma forma, por que não saber que a revolução cognitiva principiou com o homo sapiens, aproximadamente, setenta mil anos AP?
A propósito, o máximo que essa revolução cognitiva alcançou em meus contemporâneos foi de fazer acreditar num mito, para o qual a criação do mundo aconteceu há algumas unidades de milênios.
Essa crença no mito bíblico, todavia, requer estatuto de verdade – uma presunção que, certamente, motivará outras guerras futuras.

terça-feira, 6 de outubro de 2015

A EDUCAÇÃO: UM MITO MODERNO

Os otimistas, que constituem a maioria neste país, ganham voz quando a decadência em nossa sociedade deixou de ser uma apreensão pessimista, para se tornar factível, real. 
Como o problema é novo para eles, pensam soluções que seriam viáveis, e seus discursos convergem no sentido de realimentar o mito moderno que atende pelo nome de Educação
Num passado recente, poetas, intelectuais, governantes, patriotas e idealistas acreditavam que, por intermédio da educação, construir-se-ia um Brasil pujante, digno de orgulho para a sua gente.
Por volta dos anos setenta, houve uma prática - bastante disciplinada -, que confirmava a crença, o ideal de crescimento. Não demorou, todavia, a disciplina foi abolida, cujo marco que melhor representa o momento orgíaco é a Constituição de 1988. 
A conquista de direitos do cidadão brasileiro coincidiu com os primeiros sintomas do declínio moral. Para evitar o clichê, moralidade com um significado que compreenda a virtude, o bem, os princípios e valores característicos do espírito evoluído - educado.
Em pouco tempo, a educação, qual um bebê vulnerável, foi atingida pelos mesmos males que os otimistas acreditavam ser por ela debelados um dia. 

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

LIVRO INTERESSANTE


Este livro não é a VEJA. 
Ele foi escrito por Juan Reinaldo Sánchez, que fez parte da guarda do ditador cubano por dezessete anos. Ele teve a mãozinha de Axel Gyldén, jornalista francês. 
Numa das fotos publicadas, aparece um grupo de pessoas sobre as duas lanchas de Fidel, Pionera I e II, que se preparava para uma caçada submarina. Entre os presente, o dono das embarcações, Sánchez (como guarda-costa), um cameraman e um iluminador.
A primeira frase do livro é esta: "O iate de Fidel Castro singrava o mar do Caribe". 
Comprei o livro hoje, mas já dá para ter uma ideia (a partir da foto e da frase acima) de que Fidel vivia muito bem na ilha (na "sua" ilha). O povo cubano, todavia, era condicionado a acreditar que o homem tinha apenas uma modesta "cabana de pescador". Nisso também acreditavam os idólatras da revolução fora de Cuba. 
A relação de patrimônio de Fidel o fazia um nababo (sem a ostentação que caracteriza os ocidentais). Entre aqueles que o admira(va)m no Brasil, está um operário que se alçou a presidente pelo voto popular. A riqueza dele é ainda uma incógnita, para ser desvendada pela Polícia Federal, Ministério Público e - por que não? - todos os brasileiros. O filho dele, no entanto, enriqueceu em uma década mais que Fidel em meio século no poder. 
Após a leitura, verei se é o caso de recomendar a leitura de A vida secreta de Fidel, principalmente para meus compatriotas que enchem a boca para falar no cabeça da revolução cubana. 

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

PALAVRA-OBJETO

O fazer poético exige de quem se propõe a tal um conhecimento da palavra, a matéria-prima dessa arte, que transcenda aspectos puramente gramaticais, fonéticos e semânticos.
Essa condição depreende do próprio conceito de poesia, que atribui à forma uma importância fundamental.
Como ilustração disso, lanço mão de um exemplo citado por Armindo Trevisan em Poesia - uma iniciação à leitura poética, sobre o recurso aliterativo:
“Adam la-hebel damah”


O significado desse verso é desconhecido, uma vez que foi escrito em hebraico (salvo se se conhece a língua original dos Salmos). Portanto, não há conteúdo discursivo até o momento de ler a tradução.
Ao analisar a forma, todavia, percebe-se nas palavras-objetos certo jogo anagramático, certa disposição que excede a aliteração exemplificada por Trevisan.
Não é só o som, mas os signos em si - como coisas - consistem em elementos poéticos.
Essas palavras começam o versículo 4, do capítulo 144 dos Salmos: "O homem é como um sopro de vento".
Agora, que se sabe o significado, poder-se-ia dizer que as palavras deixaram de ser objetos. Isso é correto em relação à prosa, não para a poesia, a qual permite que a forma "penetre a mensagem", conforme Samuel R. Levin.