quarta-feira, 30 de setembro de 2015

O MAL GENERALIZADO

O país vive uma crise ético-política nunca antes observada em igual alargamento e profundidade. Suas metástases, pela primeira vez na história brasileira, afetam a economia, reconhecidamente a causa de outros momentos de instabilidade. Os discursos apontam para um único caminho: a educação. Cada vez mais, todavia, amplia-se a distância entre o ideal, a ordem imaginada, e a realidade do processo também atingido de maneira inexorável pelo mesmo mal.
            Para uma melhor compreensão do que ocorre agora (ou que deixa de ocorrer) no Brasil atual, algumas metáforas filosóficas são muito oportunas. A primeira, consagrada por Zygmunt Bauman, expressa-se como “pós-modernidade”. Jean Baudrillard disserta sobre um estado de coisas “posterior à orgia” (e consequente “declinação das vontades”). Gilles Lipovetski fala em “crepúsculo do dever”, em que as pessoas não mais são obrigadas a alguma coisa, como a de zelar por valores morais, e os políticos, descompromissados com as ideologias, buscam atender a seus próprios interesses.
            Nas escolas públicas do ensino médio, com maior evidência, a massa de adolescentes não disfarça a letargia, o vazio que restou após o afrouxamento da disciplina. Em seus lares, não há mais o controle dos pais, incapazes ante a onda de liberação comportamental. O professor, nas últimas décadas, veio perdendo a autoridade que lhe outorgara a prática milenar. Hoje ele está impedido de manifestá-la pelo sistema (de cima) e pelo próprio aluno (de baixo), que se encontra resguardado por todos os benefícios e direitos. A direção, coerente com a nova filosofia (das instâncias superiores) de forjar resultados positivos, prefere fazer alterações no corpo docente a dar motivo para que aluno troque de instituição ou sucumba à sua falta de vontade. A reprovação leva à evasão, a qual altera um número, um percentual exigido pelas coordenadorias, secretarias e ministério que justifica a existência da escola.
            O Estado continua sendo paternalista, na medida em que necessita elevar os índices de aprovação aos programas que impõe ao sistema educacional. Cada vez mais, observa-se a discrepância entre os dados oficiais e a qualidade do ensino, verificada por intermédio dos concursos ainda não manipulados. Para solucionar o problema, o Ministério de Educação e Cultura cria o sistema-muleta de cotas, destinando 50% das vagas nas universidades e institutos federais a estudantes oriundos da escola pública. Para o espírito com uma pequena aptidão científica, essa é a prova que confirma o fracasso do ensino básico no Brasil – e, por conseguinte, torna sem sentido todo discurso que atribua à educação uma vocação salvadora.
            A política reflete a crise (agravando-a na parte que lhe cabe). O ponto fulcral, inatingível, onde se enraízam as metástases do mal, encontra-se dentro de cada indivíduo que integra a nossa cultura. 

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

O MAL GENERALIZADO

O país vive uma crise ético-política nunca antes observada em igual alargamento e profundidade. Suas metástases, pela primeira vez na história brasileira, afetam a economia, reconhecidamente a causa de outros momentos de instabilidade. Os discursos apontam para um único caminho: a educação. Cada vez mais, todavia, amplia-se a distância entre o ideal, a ordem imaginada, e a realidade do processo também atingido de maneira inexorável pelo mesmo mal.
            Para uma melhor compreensão do que ocorre agora (ou que deixa de ocorrer) no Brasil atual, algumas metáforas filosóficas são muito oportunas. A primeira, consagrada por Zygmunt Bauman, expressa-se como “pós-modernidade”. Jean Baudrillard disserta sobre um estado de coisas “posterior à orgia” (e consequente “declinação das vontades”). Gilles Lipovetski fala em “crepúsculo do dever”, em que as pessoas não mais são obrigadas a alguma coisa, como a de zelar por valores morais, e os políticos, descompromissados com as ideologias, buscam atender a seus próprios interesses.
            Nas escolas públicas do ensino médio, com maior evidência, a massa de adolescentes não disfarça a letargia, o vazio que restou após o afrouxamento da disciplina. Em seus lares, não há mais o controle dos pais, incapazes ante a onda de liberação comportamental. O professor, nas últimas décadas, veio perdendo a autoridade que lhe outorgara a prática milenar. Hoje ele está impedido de manifestá-la pelo sistema (de cima) e pelo próprio aluno (de baixo), que se encontra resguardado por todos os benefícios e direitos. A direção, coerente com a nova filosofia (das instâncias superiores) de forjar resultados positivos, prefere fazer alterações no corpo docente a dar motivo para que aluno troque de instituição ou sucumba à sua falta de vontade. A reprovação leva à evasão, a qual altera um número, um percentual exigido pelas coordenadorias, secretarias e ministério que justifica a existência da escola.
            O Estado continua sendo paternalista, na medida em que necessita elevar os índices de aprovação aos programas que impõe ao sistema educacional. Cada vez mais, observa-se a discrepância entre os dados oficiais e a qualidade do ensino, verificada por intermédio dos concursos ainda não manipulados. Para solucionar o problema, o Ministério de Educação e Cultura cria o sistema-muleta de cotas, destinando 50% das vagas nas universidades e institutos federais a estudantes oriundos da escola pública. Para o espírito com uma pequena aptidão científica, essa é a prova que confirma o fracasso do ensino básico no Brasil – e, por conseguinte, torna sem sentido todo discurso que atribua à educação uma vocação salvadora.
            A política reflete a crise (agravando-a na parte que lhe cabe). O ponto fulcral, inatingível, onde se enraízam as metástases do mal, encontra-se dentro de cada indivíduo que integra a nossa cultura. 

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

COMENTÁRIOS (IM)PERTINENTES



O Estado é visto por muitos como um empregador abonado, na medida em que propicia a estabilidade e uma série de outros direitos trabalhistas ao concursado. Poucos o veem como a própria sociedade auto-organizada na prestação de alguns serviços básicos.

- x -

A prefeitura de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, tem 27 mil funcionários em sua folha de pagamento. Ela é apenas um exemplo do que ocorre no Brasil, nos âmbitos municipal, estadual e federal. 

- x - 

Um amigo conhecedor da noite santiaguense, que participava dos comentários sobre as prisões realizadas ontem em nossa cidade, perguntou-me em que lugar mais se consome droga em Santiago. Falei que era no Centro. Não. Presídio? Não. Como joguei a toalha, ele foi peremptório: ...

- x - 

Outro que participava da roda, falou a coisa mais sensata, já expressa pelo inesquecível Pablo Escobar (o termo "inesquecível" não tem conotação afetiva). Disse ele: pouco importa o número de traficantes que se prenda, eles continuarão a existir em razão dos consumidores.  

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

CLARO ENIGMA


Esse livro de Carlos Drummond de Andrade é considerado pela alta crítica um dos três livros mais profundos da poesia brasileira. "Maduro, clássico, filosófico", escreve Samuel Titan Jr. no posfácio.
Na abertura, o poema Dissolução

"Escurece, e não me seduz
tatear sequer uma lâmpada.
Pois que aprouve ao dia findar,
aceito a noite.

E com ela aceito que brote
uma ordem outra de seres
e coisas não figuradas.
Braços cruzados.

Vazio de quanto amávamos,
mais vasto é o céu. Povoações
surgem do vácuo.
Habito algum?

E em destaco minha pele
da confluente escuridão.
Um fim unânime concentra-se
e pousa no ar. Hesitando.

E aquele agressivo espírito
que o dia carreia consigo,
já não oprime. Assim a paz,
destroçada.

Vai durar mil anos, ou
extinguir-se na cor do galo?
Esta rosa é definitiva,
ainda que pobre.

Imaginação, falsa demente,
já te desprezo. E tu, palavra. 
No mundo, perene trânsito,
calamo-nos.
E sem alma, corpo, és suave.

O penúltimo poema é A máquina do mundo, eleito o melhor poema brasileiro do século XX por um grupo de críticos e especialistas consultados pelo jornal Folha de S. Paulo. O poema é composto por 32 tercetos de versos decassílabos.
- x -
Os outros dois livros que compõem a tríade da melhor poesia brasileira são:
A educação pela pedra, de João Cabral de Melo Neto; e
Árvore do mundo, de Carlos Nejar.

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

TRATADO DE VERSIFICAÇÃO


Depois de muito esperar, eis que recebo o Tratado de Versificação, de Olavo Bilac e Guimarães Passos. Livro pequeno, tanto em número de página (176) quanto na qualidade (esperada por mim). 
O livro está subdividido em três partes:
Primeira parte: a poesia no Brasil. Resumida, incompleta;
Segunda parte: noções de métrica;
Terceira parte: gêneros poéticos.
A obra é inferior a um simples capítulo de Poesia - Uma iniciação para uma leitura poética, de Armindo Trevisan (o qual me serviu de referência para elaborar a apostila Curso de Poética).
Da mesma forma, o Tratado não chega aos pés de Consolidação das leis do verso, de Manuel do Carmo (primeiro santiaguense a ser homenageado na Rua dos Poetas). A propósito, Consolidação é citado por Massaud Moisés em seu imperdível Dicionário de Termos Literários (página 334, sobre metaplasmo).


terça-feira, 15 de setembro de 2015

RELANÇAMENTO DO FROTINHA


Depois de muitos dias teclando (e elaborando uma relação de notas), concluí há pouco a digitação do livro CAMINHOS DESENCONTRADOS, de Carlos Humberto Aquino Frota, do qual publico a foto acima.

ANDRIELI E CRISTINA


O Jornal do Almoço de hoje apresentou uma reportagem sobre a Andrieli e Cristina (minhas sobrinhas), que se encontram internadas no Hospital de Caridade de Santa Maria com o mesmo problema de gestação.
Para ver a reportagem, clicar no link acima.

AS IGREJAS (NEO)PENTECOSTAIS RESOLVEM O DUALISMO DEUS VERSUS RIQUEZA MATERIAL


Um dos dualismos ao qual o homem ocidental é forçado a vivenciar nos últimos dois milênios, a divisão do mundo em material e espiritual, parece chegar ao fim nestes dias.
A princípio, o pensador grego chamado Platão instituiu a oposição no âmbito filosófico, o inteligível, associado à alma, versus o sensível, associado ao corpo. Aquela é potencializada como eterna; este, material e transitório. 
Essa filosofia deu a Paulo de Tarso o fundamento para uma nova "ordem imaginada", que cativou corações e mentes da nossa civilização.
Os evangelhos já haviam professado esse problema dualístico, especialmente Mateus, 6:24: "Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer-se de um um e amar ao outro, ou de devotará a um e desprezará ao outro". Não se poderia buscar a Deus e às riquezas materiais a mesmo tempo. 
O enunciado é de uma claridade meridiana, que não permite qualquer outra interpretação que não a objetivada por seus termos. 
Um bispo brasileiro, chamado Edir Macedo, por volta do ano de 1977, ao criar sua Igreja Universal do Reino de Deus, todavia, cria a doutrina da prosperidade. 
Essa doutrina se desenvolve a partir da "lei de reciprocidade", que expressa mais ou menos o seguinte: se o homem for bom para com Deus, Deus é 'obrigado' a ser bom de volta". 
Como eu gostaria que o leitor já conhecesse A essência do Cristianismo, de Ludwig Feuerbach, para entender que esse deus obrigado a retribuir é muito pequeno, constituindo-se numa alteridade humana. 
Depois de quase quarenta anos, as demais igrejas pentecostais e neopentecostais do Brasil deixaram-se atrair pelo "sucesso" da doutrina do pastor bilionário. 
Tais organizações religiosas conseguiram resolver o dualismo fundamental Deus versus riqueza. Não faltam provas disso. A última é paradigmática: um pastor levou seu carro importado para dentro da igreja, para que os fiéis tocassem o bem e recebessem uma unção de prosperidade.




sábado, 12 de setembro de 2015

CAIO ABREU


"- Alfa é meu nome - disse.
E ele perguntou:
- Esse é teu nome de guerra?
E ele respondeu:
- Não. Esse é meu nome de paz."

(Diálogo extraído do conto O afogado, do livro O ovo apunhalado, de Caio Fernando Abreu, que neste 12 de setembro comemoraria aniversário.)

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

HOMO NALEDI

Nova espécie do gênero humano é descoberta na África do Sul. Pesquisadores encontraram ossos de pelo menos 15 hominídeos pertencentes a uma espécie humana desconhecida, batizada de Homo Naledi, uma homenagem à caverna Rising Star (estrela ascendente), a 50 km de Johanesburgo. "Naledi", na língua sotho, significa "estrela".
Esssa espécie pode ser o elo entre o Australopithecus e o Homo Habilis. 

PROVA DA NÃO-REVELAÇÃO

Cristão fiel, convido-te para fazermos uma análise rápida de um versículo bíblico qualquer, a partir do qual concluiremos pela sua verdadeira autoria, ao invés de atribuí-lo à revelação.
Peço-te que abra a Bíblia em Deuteronômio 22: 28-29.
Pronto?
Por obséquio, façamos a leitura:
“Se um homem encontrar moça virgem, que não está desposada, e pegar, e se deitar com ela, e forem apanhados, então, o homem que se deitou com ela dará ao pai da moça cinquenta ciclos de prata; e, uma vez que a humilhou, lhe será por mulher; não poderá mandá-la embora durante a sua vida”.
A princípio, pergunto-te o que há de divino nesse texto.
Antes de responderes, porém, vamos à interpretação:
Ainda que houvesse distorções consideráveis ao ser traduzido de uma língua para outra, a semântica continua mais ou menos a mesma. “Virgem” e “não despossada” significam “solteira”. Se um homem a “pegar” e se “deitar” com ela significa que se relacionaram sexualmente, não sendo possível distinguir se com ou sem consentimento. De acordo?
Em hebraico, o termo substituído de “pegar”, podemos conjeturar, talvez não fosse eufemístico, aproximando-se de “forçar”. Isso, todavia, ainda não inferimos do texto.
A expressão “e forem apanhados” denuncia uma condição que nega (como tudo mais) a onisciência e onipresença de deus e torna factível a ausência de testemunha – e a consequente absolvição do ato ilegal ou pecaminoso.
Mais adiante, o homem, impulsionado pelas glândulas do baixo-ventre, deve pagar ao pai da moça “50 ciclos de prata”. Com as conversões e correções aproximadas, fixemos esse valor em torno de cinco mil reais. O texto parece uma adaptação do Código de Hamurabi, mais antigo que a Bíblia.
A vítima (ainda não caracterizada como tal) não é a moça (a mulher), mas o pai (o homem). Deduz-se o machismo incontornável a que se presta o mito judaico-cristão.
Agora vem a parte mais interessante: “uma vez que a humilhou”.
Eis a prova que caracteriza o estupro. Os homens legisladores daquela época já pensavam na ação sexual criminosa.
A moça solteira (virgem ou não) é vítima da força e da libido do homem. Qual a sua recompensa por ser estuprada? Casar-se com o estuprador, o qual, terá como castigo, não mandá-la embora.
Nenhum deus legislaria dessa forma inegavelmente injusta e cruel.
O texto torna bastante claro seu autor: o homem.
Tens algo a dizer, contrário à conclusão acima?

IMIGRAÇÃO: PARADOXO E CAUSA (RACIONALIZADA)

O grande fenômeno social do século XXI, velho ao considerarmos outros tempos, constitui-se na migração de asiáticos e africanos em direção à Europa. No passado, foram os europeus que migraram para o chamado "novo mundo", a América. Mas sempre o fizeram de uma forma controlada pelos estados nacionais envolvidos no processo. E isso nos remete ao um certo paradoxo: quando as nações eram bem definidas, sem a integração social, econômica, cultural e política, a imigração correria sem maiores problemas, e, no presente, quando a integração entre as nações se efetiva em todos os âmbitos, de uma forma quase que global, o fenômeno parece irromper intempestivamente, sem controle, gerando um mal-estar civilizacional difícil de ser superado. A perturbação é evidente em todos os sentidos. A chanceler Angela Merkel, a figura mais proeminente no momento, que o diga. Ela tem alternado seu discurso, entre receber os imigrantes (mais de 800 mil desejam a Alemanha) e despachá-los para outros países vizinhos, num sistema de cotas. No extremo amistoso, está a Suécia, cujo representante político pensa que a Europa deverá tirar proveito da nova situação humana que se configura. No outro extremo, destaca-se David Cameron, primeiro-ministro do Reino Unido, que pretende dificultar o acesso à ilha maravilhosa. 
Quem não é europeu está adorando ver o velho e rico continente ser invadido, principalmente aqueles que ainda são contrários ao capitalismo, à burguesia (por fidelidade ideológica). A causa principal da onda migratória já foi racionalizada: evasão da guera. 

domingo, 6 de setembro de 2015

FILOSOFIA, LINGUAGEM E CIÊNCIA

QUANDO me refiro ao "SEM SENTIDO" (do que se diz baseado em crenças, em mitos etc.), faço-o resguardado pela LÓGICA MODERNA e pela TEORIA DO CONHECIMENTO. 
O QUE SE DIZ é uma sentença, uma proposição ou enunciado (avaliável como verdadeiro ou falso). Por exemplo, a proposição "A Lua exerce influência sobre a Terra" deve ser analisada desta forma: a Lua existe? Sim. A Terra existe? Sim. Qual a influência? A mais evidente delas é verificada sobre as marés. Então a proposição "A Lua exerce influência sobre a Terra" é verdadeira. Por outro lado, "A Lua não exerce influência sobre a Terra" é falsa. 
Outra proposição: "Urano rege o signo de aquário". O que vocês me dizem, é possível submetê-la ao conhecimento empírico, da experiência? Urano existe, mas tudo mais (principalmente a ação expressa pelo verbo reger) não pode ser verificada. Portanto, a sentença é SEM SENTIDO, uma pseudossentença. 
Toda a METAFÍSICA, segundo Rudolf Carnap, é constituída por pseudossentenças, cujos termos são destituídos de experiência (alma, espírito, deus, anjos, transubstanciação, carma...). 
Dizer que há experiência que escapa ao conhecimento racional é, talvez, o argumento mais sem sentido que fundamenta todos os mitos, todas as religiões.

sábado, 5 de setembro de 2015

NÃO SEJAIS HIPÓCRITAS!


A ilustração acima não faz sentido (para não dizer com uma conotação contraditória, hipócrita).
Não podemos contar a história do menino aparecido morto na praia da Turquia pelo viés cristão, porque é a Europa cristã que rejeita os imigrantes muçulmanos, contando com a Mediterrâneo como seu primeiro e implacável guardião.

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

MEA CULPA



A EUROPA CRISTÃ rejeita menino muçulmano, que viria com outro livro sob o braço, para falar de um deus com nome diferente. 
A EUROPA RICA não aceita menino pobre, que viria com outros imigrantes, para habitar os subúrbios de cidades bem iluminadas (e pouco luminosas).
Em alguns anos, esse menino se transformaria em soldado fundamentalista - uma ameaça potencial.

A RELIGIÃO (da pretensa bondade) e a ECONOMIA (da UE), assim, ficam preservadas com o ônus do sacrifício inocente. 
Nas águas violentas do Mediterrâneo, nenhuma baleia apareceu para salvar o menino (e outros tantos), como o fizera com Jonas nas páginas do Velho Testamento.
O MENINO foi devolvido à praia de onde partiu, para que o mundo (cristão), consternado, faça o mea culpa.

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

LINGUAGEM DO ÓCIO

A arte nasceu como uma das linguagens do ócio, transformando-se no melhor produto da revolução cognitiva iniciada pelo homo sapiens há setenta mil anos. Antes disso, os indivíduos de nossa espécie dedicavam tempo integral à sobrevivência de si mesmo e do seu grupo social. Já é consenso entre os cientistas de que duas causas determinaram a supremacia humana: a propensão genética para cooperar e a invenção de armas de longo alcance. Bem alimentado e protegido, o homem teve tempo de sobra para fabricar objetos artísticos (para além do uso necessário) e pintar nas paredes rochosas das cavernas. Assim que passou a domesticar plantas e animais, em cartas regiões do planeta em que existiam plantas e animais para serem domesticados, a população humana cresceu exponencialmente, podendo manter em ocupação exclusiva o artesão e o guerreiro. Os grupos primitivos, que não dispunham de cereais ou de carne, sucumbiram ante a própria necessidade ou sob o domínio de grupos invasores. A propósito, essa é a teoria que melhor explica o desaparecimento dos neandertais (ainda no Paleolítico). Ao longo da história registrada, as artes sempre floresceram em meio à riqueza, produzida ou usurpada, da Suméria ao século XXI, passando pelo Egito, Grécia, Roma imperial, Europa renascentista, mais tarde romântica, mais tarde industrializada. O excedente de tempo e de capital ainda mantém a produção e o mercado da arte na atualidade. Aos primeiros sinais de uma crise na economia global, todavia, não resta dúvida que a cultura estética sofrerá um encolhimento a olhos vistos. 

terça-feira, 1 de setembro de 2015

31 DE AGOSTO

O calendário constitui uma ordem imaginada, intersubjetiva, que auxilia enormemente o homo sapiens nos últimos milênios. Assim como a escrita, a descrição numérica do ciclo anual foi decisiva para ampliar o sistema de cooperação - desde a Suméria ao presente.
Hoje somos inteiramente dependentes do calendário, cuja importância ainda é suscetível de mitificação sobre dias, meses e anos. Ontem, por exemplo, vivemos o dia 31 de agosto. Para muitos indivíduos, a data teve uma significação especial, de aniversário, até merecendo uma comemoração com a família e amigos. Ainda se crê firmemente nas informações fornecidas pela astrologia, pseudociência que atribui um destino exclusivo para os nascidos a cada dia do ano. A crença nela só é possível se associada à ignorância. 
O imperador romano Júlio César, com a colaboração de um matemático chamado Alexandrino Sosígenes, fez grandes alterações no calendário (cujo 1º do ano já fora mudado de março para janeiro em 154 a. C.). O quinto mês, Quintilis, passara a ser o sétimo, adquirindo uma nova denominação: Julius. Os senadores resolveram fazer uma homenagem ao imperador. 
Eis que quatro décadas mais tarde, outro imperador, César Augusto, exigiu igual deferência dada a Júlio. Para isso, foi necessário um pequeno ajuste: o mês Sextilis, subsequente a Julius, ganhou um dia a mais, doravante com o nome de Augustus (agosto). Não havia o 31 de agosto antes dessa homenagem política dos senadores romanos, reconhecidos bajuladores. 
Não existe outra explicação para responder por que os meses julho e agosto, na sequência, contam com 31 dias cada. Graças ao conhecimento histórico (possível a todo indivíduo), a astrologia é tornada sem sentido, para não dizer que ela consiste num sistema de informações não verdadeiro.