quarta-feira, 30 de abril de 2014

"SOMOS TODOS MACACOS"

A frase "Somos todos macacos", expressa em solidariedade ao jogador Daniel Alves, não pode ser interpretada literalmente, no sentido real dos termos que a constituem linguisticamente. Macaco e homem pertencem a espécies diferentes, ambas da ordem dos primatas. 
A palavra "macacos" deve ser lida metaforicamente, cujo significado passou a se definir a partir da Revolução Francesa e se consagrou com a Declaração Universal dos Direito Humanos. Sem mais delongas, "somos todos iguais. 

terça-feira, 29 de abril de 2014

NO PAÍS DE ARANTES


Não parece que faltam tão somente quarenta e poucos dias para o início da Copa do Mundo de Futebol. 
Não parece que o evento, tão festejado pelos entusiastas desse desporto, acontecerá no Brasil. 
Isso é surpreendente. 
As lembranças da derrota brasileira em 1950, as quais justificam o recalque na consciência coletiva deste país, não me impedem de imaginar a grande expectativa vivida por aqueles que aguardavam a realização do evento. 
Certamente, a paixão que caracterizava os expectantes ainda tinha a inocência da primeira vez, sem a banalização midiática, o interesse financeiro, a projeção política, o glamour instituído pela Fédération Internationale de Football Association (FIFA), entre outros fatores escusos (das últimas duas décadas). 
Sessenta e quatro anos depois, surpreende-me que o estado de espírito dos brasileiros tenha adquirido certo amargor e criticidade próprios de uma madureza forçada, antes do tempo. 
Em alguns indivíduos, todavia, esse amadurecimento precoce corre o risco de desviá-los para a repulsa, para a agressividade ou para o ódio, ao invés da estoica indiferença. 
Tais sentimentos negativos encontram-se na origem dos discursos e das manifestações de rua avessos à realização da Copa no Brasil.
Independentemente do êxito ou do fracasso da seleção Canarinho, ideias e ações poderão balançar as frouxas estruturas que mantêm nossa sociedade mais ou menos feliz. 
Os desapaixonados, entre os quais me incluo, somos responsáveis pela falsa aparência de que tudo está como dantes no país de Arantes (do Nascimento). Isso mudará, não há dúvida, daqui a quarenta e poucos dias, quando os brasileiros sofrerão uma recaída verde-amarela*.


* Johan Huizinga escreve que o homo ludens sempre se coloca ao lado e um pouco abaixo do homo sapiens.

domingo, 27 de abril de 2014

PEDIDO POR JUSTIÇA

SÁBADO azul em Santiago. 
Um grupo de pessoas desce a Pinheiro Machado, clamando por justiça. 
Suspensa a marcha, os manifestantes prendem balões brancos às grades do Fórum. Nas faixas que trazem, o coro expresso graficamente, o desejo quase impossível.
Aquém da janela, pergunto-me que justiça aplacará a dor da perda de um ente querido - diretamente proporcional à descrença numa outra vida.
Não há juiz que possa recompensar os parentes enlutados.
O causador do acidente poderá ser preso ou pagar uma indenização milionária, todavia, não é essa justiça requerida no manifesto público. Absolutamente.
De repente, o sábado ganha algumas pinceladas de tom cinza.

quinta-feira, 24 de abril de 2014

"MUNDO PARALELO"

POR QUE estou aqui, neste exato tempo e lugar? Por que sou exatamente assim, vivendo esta possibilidade dentre muitas outras? 
Certamente, qualquer imprevisto no passado (um gesto, uma palavra, um acontecimento mínimo etc.) e eu seria diferente, dividindo com outras pessoas o espaço - à mercê de um outro tempo. 
Por que optei pela alternativa que me trouxe até aqui, quando outras mais também se me afiguravam factíveis, coerentes? Aquele caminho quase enveredado não me levaria a conhecer outra realidade?
Não raras vezes, pressinto a proximidade desse "mundo paralelo".
Por mais perturbador que possam ser tais questionamentos, todavia, logo chego à conclusão de que não posso voltar atrás e tampouco transformar a realidade presente. Está além do meu domínio.
O mundo continua seu movimento.
Acima da liberdade que me é dada, de fato ou ilusoriamente, coloca-se a responsabilidade de me encontrar aqui, neste exato tempo e lugar - e de ser assim exatamente.

(Texto produzido nos anos oitenta.)

terça-feira, 22 de abril de 2014

UMA SIMPLES PERGUNTA

Neste espaço, já citei mais de uma vez o psiquiatra Thomas Szasz, um dos grandes pensadores do século XX, que se notabilizou por criticar os fundamentos morais e científicos da psiquiatria. Ainda não li seus livros, entre os quais O mito da doença mental e A fabricação da loucura. Li suas principais ideias, transcritas por Guy Sorman, e achei-o extraordinário. 
Por que acusamos os infanticidas de bárbaros ou diagnosticamos neles uma grave psicopatia?
(Szasz ajuda a responder a segunda alternativa, o diagnóstico de psicopata.)

sexta-feira, 18 de abril de 2014

O QUE PENSAR


O assassinato de Bernardo Uglione me faz relembrar o de Isabella Nardoni. Ambos foram cometidos pelas madrastas e pais (no caso de Bernardo, ainda por se confirmar a participação do pai).
Muita coisa já foi dita ou escrita sobre esses crimes, argumentos tipo chover no molhado. Por exemplo: classificá-los como bárbaros (pelos seus autores). A propósito, os bárbaros matavam seus filhos?
Sou obrigado a lembrar uma ideia do João Lemes, diretor do Expresso Ilustrado. Ele parte da seguinte indagação: o que distingue uma pessoa antes de cometer um crime desses das demais pessoas reconhecidamente normais, fichas limpas? 

quinta-feira, 17 de abril de 2014

GARCÍA MÁRQUEZ


Gabriel García Márquez morre nesta quinta-feira 
aos 87 anos. 

quarta-feira, 16 de abril de 2014

PAIXÃO

O termo paixão, que hoje expressa um sentimento intenso, tem origem etimológica no latim passio -onis, derivado de passus, e significava sofrer. 
A liberação de oxitocina e vasopressina embriaga de felicidade o apaixonado, que pouco se importa com os efeitos colaterais, como a aceleração cardíaca e a instabilidade emocional. 
A juventude não vê diferença entre paixão e amor, por isso é mais vulnerável ao sofrimento (que não nega a etimologia). 
Sexta-feira Santa é o momento em que a cristandade rememora a paixão de seu deus encarnado. Não houvesse a cruz, o sangue derramado e a morte, dificilmente constituir-se-ia o cristianismo. 
Deus crucificado é uma apostasia com que Paulo de Tarso, o primeiro grande idealizador dessa religião, faria o contraponto decisivo para o domínio da fé. 
O apóstolo escreveu aos coríntios sobre Cristo crucificado: “escândalo para os judeus, e loucura para os gregos”. O deus dos judeus era poderoso e vingativo, não poderia, repentinamente, tornar-se fraco, deixar-se castigar e morrer por reles humanos. Um escândalo! O deus dos judeus torraria seus inimigos, como já fizera anteriormente. Para os gregos, então dominados pela filosofia estoica, deus constituía uma potência infinita, que estruturava todas as coisas do Universo. De que maneira esse deus, repentinamente, assumiria a dimensão de um homem? Uma loucura! 
O ensinamento de Paulo: a “loucura” do deus cristão era mais sábia do que a sabedoria dos gregos; a fraqueza dele era mais forte do que poderia acreditar os judeus. A grandeza desse deus seria confirmada pela ressurreição de Cristo ao terceiro dia. 
A paixão só tem um sentido transcendente com essa relação pascal. Noutro sentido, o mundano, a paixão pode ser comparada a Eros num devaneio gostosamente febril. 

terça-feira, 15 de abril de 2014

15 DE ABRIL

O dia 15 de abril era feito de alegria antes de minha mãe falecer, há oito anos. Era o dia de seu aniversário. Depois, passou a ser feito de tristeza, porque ela faleceu também nesse dia.
O céu está azul lá fora, mas aqui dentro...
 

segunda-feira, 14 de abril de 2014

PROGRAMA DIFÍCIL

Desde o início, coloquei-me do lado dos propagadores do programa "Cidade Educadora" para Santiago. Capitaneados pelo prefeito Ruivo, estes otimistas ainda vemos na educação um processo exequível de transformação social. Alguns de meus concidadãos, todavia, passaram a criticar negativamente o programa, fundamentados em comportamentos viciosos em nossa sociedade. Tais comportamentos, cabe perguntar, constituem a regra ou a exceção. Como um pensador honesto, sou obrigado a reconhecer que alguns pessimistas têm razão de sobra. Não aqueles que desejam sub-repticiamente testemunhar o ocaso político do meu amigo Ruivo. (Ele sempre será lembrado, não obstante manter pessoas nem tanto capazes em seu governo.) Ao conhecer agentes responsáveis pela educação em Santiago, concluo que meu engajamento idealista não passa de um sonho (de uma noite de verão). Quisera ser um idealista, no entanto, a realidade não me permite. Nas escolas deste município, há professores cheios de si ou excessivamente apáticos, pusilânimes. A percentagem desse tipo de (pseudo)educador não se distingue, consideravelmente, da URI ao Tito Becon (no Passo do Rosário). Dentro de um colégio, é inconcebível que professores sejam inimigos entre si, algumas vezes por disputas diretivas, outras vezes por orgulho (complexa ou simplesmente). O comportamento "cheio de si" dita a deseducação, que a apatia ou a ignorância são incapazes de provocar qualquer avanço civilizador. Assim, reconheço com tristeza, que "cidade educadora" é um programa difícil. 

ABSURDOS (GRAMATICAIS)

Em sua última postagem, Ruy Gessinger sugere aos seus leitores que não mais chamem a presidente de presidenta. Um absurdo, segundo o blogueiro. 
Outro absurdo que tenho ouvido nos discursos (petistas), mais exatamente nas assembleias para votar as demandas do orçamento participativo, é este do "Boa noite a todos e a todas!". 
Com o uso generalizado, aquele termo e esta expressão acabarão incorporados pela língua (que é dinâmica, aberta aos absurdos).

quinta-feira, 10 de abril de 2014

MUSEU MUNICIPAL PEDRO PALMEIRO


Para responder a pergunta feita pelo ministro Aloizio Mercadante, "O que o museu tem a ver com educação?", exorto os interessados a visitarem o Museu Municipal Pedro Palmeiro, no Edifício Melvin Jones (acima da biblioteca pública). Eles terão uma boa aula de História com a Erilaine Perez.

DISSEMINAÇÃO DE CONHECIMENTO

A disseminação do conhecimento científico é algo maravilhoso, indispensável para que seja erradicada a ignorância (fundadora de crendices e preconceitos). 
Já escrevi mais de uma vez sobre a importância da Astronomia e da História Natural (capítulo que se refere à biologia evolutiva). A primeira traz uma noção do espaço ainda inimaginável pelo indivíduo. A segunda o leva a mudar suas referências temporais.
A revista Superinteressante vem fazendo o papel de disseminador como o atesta sua última edição, com a matéria O que significa ser humano?
Transcrevo um excerto que ilustra um conhecimento que pertence a poucos:
"Por muito tempo, a história do homem na Terra foi contada de maneira linear. Começou com um ancestral macaco, tataravô tanto do homem quanto do chimpanzé, que vivia nas árvores africanas 10 milhões de anos atrás. Há 4 milhões de anos, nosso trisavô australopiteco pôs-se a caminhar sobre duas pernas e desceu das árvores. Um milhão e meio de anos depois, nosso bisavô Homo habilis passou a lascar pedras e usar como ferramenta - seu cérebro tinha o dobro do tamanho do dos australopitecos, e metade do nosso. Aí veio o Homo erectus, nosso avô, há 2 milhões de anos, mais alto, inteligente... E, há 1 milhão de anos, surgir o Homo heidelbergensis, com cérebro quase do tamanho do meu e do seu, que acabaria dando origem a dois primos - o corpulento neandertal e nós, o Homo sapiens". 
Esses 10 milhões de anos é pouco tempo comparado com o que vem antes. Por exemplo, os 55 milhões de anos de evolução desde a extinção dos dinossauros. Estes dominaram o planeta por mais de 150 milhões de anos.   

quarta-feira, 9 de abril de 2014

VEJA(M)!!!


Sou obrigado a repetir o provérbio milenar: "Uma imagem vale por mil palavras".
A imagem acima, que estampa a capa da VEJA desta semana, vale por mais de mil palavras, uma vez que a reportagem perfaz 16 páginas.
Para mim, basta a manchete abaixo da estrela-símbolo (do PT).                         

VIOLÊNCIA

A violência no Brasil não é praticada apenas pelo crime organizado, por assaltantes, estupradores (agora com um segmento chamado "coxeadores"), black blocs, maridos embriagados, ad nauseam.
Ontem, por volta das 17 horas, na saída das aulas do Apolinário Porto Alegre, duas meninas se engalfinharam numa briga violenta. As meninas aparentavam ter doze ou treze anos (sem inocência ou fragilidade). A mais forte, justificou-se, ao ter agredido mais duramente a outra, que não levava desaforo pra casa.
Não faço essa postagem com o fito sensacionalista, senão para provocar uma reflexão, um debate. A escola é incapaz de educar o indivíduo para um comportamento social aceitável, ideal?

P.S.: Esta postagem também serve de alerta aos míopes que não conseguem ver a realidade mais próxima (sob o próprio nariz, no dizer vulgar). Essa realidade é tão próxima, que, via de regra, inclui os próprios indivíduos que não a percebem. 

segunda-feira, 7 de abril de 2014

O ÚLTIMO DEGRAU

QUEM desce ou sobe escada todo dia, no edifício em que reside ou trabalha, sabe que é necessário atentar para o último degrau. A menor distração no último degrau pode provocar dois acidentes: pisar em falso (descendo) ou tropeçar (subindo). O primeiro, via de regra, tem consequências mais graves. 
Sempre que possível, recomendo aos meus conhecidos maior cuidado com o último degrau. Esse cuidado nada mais significa que estar consciente no momento em que se desce ou se sobe uma escada. 
Mesmo que seja anti-higiênico, descida e subida devem ser realizadas com uma das mãos segurando o corrimão. O sentido da visão precisa estar focado nos degraus que antecedem o último, principalmente se houver escassa iluminação.
Já fui testemunha de gente torcendo ou quebrando o pé, batendo a cabeça, sofrendo outras lesões. Não é só por isso, todavia, que passei a me preocupar com o último degrau. Gosto de me antecipar aos problemas, obviamente para evitá-los. 
Dessa forma, ampliei o significado do último degrau para os mais diversos âmbitos da realidade, onde há risco de acidente (por falta de atenção). O dirigir um automóvel, por exemplo, compara-se a transpor uma escada, cujo último degrau é cada vez mais perigoso à medida que aumenta a velocidade. Outro exemplo (ligado ao trânsito): a faixa de segurança é o último degrau, para condutor e pedestre. 
O último degrau é válido até para o jornalista/articulista, que interpreta os fatos ou emite uma opinião. Ambos correm o risco de falsear a verdade. 

domingo, 6 de abril de 2014

A TENTAÇÃO DO CRISTIANISMO

EM dois dias, li A tentação do Cristianismo (de seita a civilização), de Luc Ferry e Lucien Jerphagon.
O livro se originou de um debate entre Ferry e Jerphagon na Sorbonne em 16 de fevereiro de 2008.
Duas análises, claras e profundas (herança de Voltaire), acerca da "vitória cultural do Cristianismo" a partir dos vazios da devoção romana (Jerphagon) e das fraquezas filosóficas da sabedoria grega (Ferry).
Eles respondem à questão "como fez o Cristianismo para passar de seita a civilização?". 
Ferry cita São Paulo, que escrevera aos Corintios sobre a nova religião: um escândalo para os judeus (um deus não pode ser fraco, a ponto de se  submeter à crucificação) e uma loucura para os gregos estoicos (um deus não pode se reduzir a um indivíduo, já que ele é a própria estrutura do Universo).
Adianto para vocês qual é a grande tentação do Cristianismo: a promessa de salvação, de vida eterna. Uma promessa que não tem a mínima sustentação na razão, mas na fé. 

terça-feira, 1 de abril de 2014

INDIVIDUALISMO (AUTO)FOTOGRAFADO


O uso do telefone celular expõe um novo modo de existência até então inibido pela religião, pela lei, pelo socialmente correto, pela consciência de alteridade: a do individualismo radical. 
Todo indivíduo, independentemente de idade ou condição financeira, possui um aparelho conectado à telefonia móvel. De uma hora para outra, criou-se a imperiosa necessidade de usá-lo. A partir desse uso generalizado, o telefone fixo virou peça de museu, e o “orelhão” foi arrancado da paisagem urbana. 
A princípio, todo mundo ligava e todo mundo atendia. 
Essa relação de reciprocidade, todavia, logo entraria em crise, denunciando a nova moralidade. 
A percentagem de não atendimento das ligações passou a aumentar dia após dia, e a maior razão para que tal ocorresse não se deve à falta de tempo do destinatário, mas à sua conveniência, ao seu interesse. (A conveniência ganha outro nome, caso a ligação não seja prontamente identificada no display: segurança. A clonagem de celular é a mais séria ameaça à individualidade, tão superestimada até então.) 
Um exemplo muito claro (ou muito vivo) de ligação inconveniente é a feita do trabalho para quem se encontra de folga. Outros exemplos: de uma instituição bancária (com o fim de fazer um seguro qualquer); de uma pessoa reconhecidamente chata. 
À exceção dessas ligações, em que se justifica o não atendimento, a inconveniência é puramente subjetiva, premeditada. Tal subjetividade é cada vez maior (e menos justificada), diretamente proporcional à livre expressão do individualismo. 
O último momento desse individualismo é facilmente visualizado na mania que toma conta dos usuários de todas as nacionalidades: selfies, ou a fotografia tirada de si mesmo com o celular. A propósito, o recurso veio incrementar o Facebook, uma rede de exposição despudoradamente individual.