terça-feira, 18 de março de 2014

EU (E AS SUAS)


Em duas postagens anteriores, dissertei brevemente sobre o Eu – essa consciência da própria interioridade em toda pessoa. Consciência que não é equivalente a controle de tudo o que emerge da interioridade, como as pulsões, e tampouco o controle de tudo o que imerge de fora, como a morte na família. Mesmo assim, o Eu vive seu melhor momento na cultura ocidental, nunca antes caracterizada por tamanha liberdade. Em épocas passadas, não seria aceitável algumas manifestações contemporâneas, que demonstram um individualismo radical. Exemplifiquei-o na disputa da herança, cada vez mais agressiva entre irmãos. Nesta aportunidade, cito outro exemplo, que, sem intenção premeditada, também se relaciona com a morte de alguém da família. Nessa hora extremamente dolorosa, o Eu sofre estímulos arrebatadores, cuja soma resulta, inevitavelmente, num sentimento de autopiedade. Sim, a pessoa chora “o que será de mim sem ele(a)”, incapaz de transcender a si mesma. Tal transcendência é possível com outra razão para o choro: “ele(a) perdeu para sempre a oportunidade de viver mais momentos felizes”. Ao invés da pena de si mesmo, sem a presença definitiva do(a) outro(a), o ágape – o aspecto mais sublime (e menos conhecido) do amor. Isso não é elucubração intelectual deste blogueiro, mera interpretação de leituras psicanalíticas. Há exemplos vivos em nosso meio social, pessoas que confessam sem problema a prévia incapacidade de experienciar a morte de seus pais ou irmãos. Tal precipitação, no entanto, não subentende uma dependência afetiva (como parece), mas o incômodo sofrimento que será imposto ao seu Eu, suscetível e hedonista. Tampouco a presciência leva a uma maior aproximação dessas pessoas com seus entes queridos (quase incomunicáveis, considerando-se a linguagem dos afetos).  

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