domingo, 16 de junho de 2013

INCOERÊNCIA

O poema tinha como título Arrumando a casa, fixado na janela de um ônibus em Porto Alegre. Ele fazia uma relação de objetos encontrados dentro da gaveta de uma cômoda: "uma lâmina de barbear", "uma argola de pescoço fosco", "fotografias da última viagem" etc. Os versos colocados entre aspas são a transcrição ipsis litteris
Não condeno o erro de concordância em "uma argola de pescoço fosco", como se ele bastasse para condenar o poema. A correção gramatical não é a única exigência para o bom começo da produção textual. Meu(s) difamador(es) teima(m) em insinuar o contrário. Em relação à incoerência, à ilogicidade, à falta de conhecimento, sim, não posso ser condescendente. Como fazer a correção? Não basta um revisor diante da necessidade da reescrita. 
O poema da janela do ônibus começava mal, com um gerúndio no título. Todo emprego de verbo nas formas nominais empobrece o texto poético. O revisor acertaria a concordância, com a substituição de "fosco" por "fosca". O que fazer, todavia, ante o verso "fotografias da última viagem"? 
Os objetos elencados pelo(a) autor(a) tinham em comum pertencer a um passado relativamente distante, quase esquecidos na gaveta pouco usada de uma cômoda. De repente, "fotografias da última viagem"... Como se juntam objetos antigos com fotografias da última viagem? 
Não há como corrigir sem alterar semanticamente o verso. Até é admissível reunir num mesmo espaço fotos, lâminas de barbear, argola de pescoço e outras quinquilharias. Fotos menos relevantes, de alguma viagem, nem a primeira e tampouco a última até é possível.
O(a) autor(a) arrumou a gaveta de uma cômoda, metonímia da própria casa, mas desarrumou o poema.  

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