segunda-feira, 30 de julho de 2012

SUSPEITO???

A apresentadora do Jornal Nacional Patrícia Poeta, obediente ao editor da notícia, trata James Holmes como "suspeito" de ter assassinado doze pessoas num cinema em Aurora, Colorado. 
Isso me serviu de gancho para expressar uma opinião sobre essa tendência do legalmente correto. Não me incluo entre aqueles que a seguem contraditoriamente (uma vez que tendência oposta clama mais fortemente por justiça). 
O indivíduo só deixa de ser "suspeito" depois de julgado por um tribunal. Antes desse rito moderno, ninguém o poderá chamar de criminoso. Associo essa descriminação ao estado que Nietzsche apontou como excesso de sensibilidade, que caracterizaria nossa civilização em sua decadência. 
Holmes não é suspeito, mas o criminoso. 
O que dizer de Wellington Menezes de Oliveira, o autor dos disparos que mataram 12 estudantes numa escola carioca? "Suspeito" ou criminoso? Não fora julgado ainda, quando o policial atirou contra ele. Errou o policial? Se não atirasse, passaria por uma testemunha como todas as outras, incapazes de mais fazer que que apontar um "suspeito". 
No caso de Holmes, quantas testemunhas atirariam nele se estivessem armadas? O assassino escapou ileso. Então ele não é o criminoso, mas "suspeito".    

domingo, 29 de julho de 2012

AS BESTAS DE QUIROGA

Flávio Tavares intitula sua coluna no ZH deste domingo de "Batman vive!", defende que o super-herói não pode ter inspirado o atirador de Aurora (EUA), que matou 12 pessoas. "Mas", sempre essa perversa adversativa, "Batman é uma das fantasias do bem que povoam um mundo real de dura competição num país fundado na violência". Tavares culpa a cultura norte-americana, armada e belicosa. Não diz, por exemplo, que um indivíduo meio despirocado das ideias, pode assumir a personalidade do vilão e sair atirando. Lembro que outro massacre também ocorreu no Colorado, na cidadezinha de Columbine (que rendeu o documentário Tiros em Columbine, em que Michael Moore investiga a fascinação dos norte-americanos pelas armas de fogo). Holmes passou-se por Coringa, Tavares cometeu um equívoco. 
Ao lado da coluna do jornalista acima citado, a psicanalista Diana Corso escreve:
"Na falta de conjecturas melhores, Batman, o super-herói do filme, foi levianamente acusado de estar na origem da motivação do evento, e o assassino reforçou essa tendência ao comparar-se ao vilão Coringa". Ela também aponta a paixão dos norte-americanos por armas, exigindo um questionamento. Arremata: "Por que somos tão condescendentes com a realidade e severos com a fantasia?". 
Não nos esqueçamos do que ficou conhecido, no Brasil, como Massacre de Realengo, em que Wellington Menezes de Oliveira invadiu uma escola e matou 12 estudantes. A despeito de ter vencido o referendo de 2005, não há aqui uma paixão pelo armamento, algo que facilitasse esses assassinatos. As armas não estão tão disponíveis.
Não sei por quê, escrevendo esta postagem, me veio à lembrança o conto Galinha degolada, de Horácio Quiroga.  

sexta-feira, 27 de julho de 2012

GESTOS ESQUECIDOS

Admiro a poesia de Nejar, profundamente religiosa e profundamente filosófica ao mesmo tempo, capaz de produzir versos como estes:
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"E o homem é triste Sélesis
E nós somos gestos
Esquecidos de Deus"

NO COMEÇO DA TARDE

Um fato me entristeceu hoje: o falecimento do Idison. No ano de 1980, trabalhei na EMASA (onde ensinava desenho para as crianças) e nos víamos diariamente. Sua mãe, Dalva Bandeira, era diretora da escola. Na época, Idison gostava de ouvir Simone. Desenhei para ele a cantora com uma imensa cabeleira. Nos últimos anos, encontrava-o com frequência. Um dia me levou à sua casa para mostrar o retrato de Jesus Cristo que fiz com linhas vermelhas. Era rádioamador apaixonado, tendo feito contato com Marcos Pontes na Estação Espacial Internacional (contou-me exaltado). Tinha um grande coração, frágil infelizmente. 
Sua partida no começo da tarde me deixa triste. 

BOM ROMANCE

Todo bom romance, independentemente de suas qualidades literárias, constitui um manancial de saberes, de temas transversais que prende o leitor. Sua leitura exige um lápis para sublinhar, circular, anotar nas margens em branco. 
Leiam o que destaquei na fala de alguns personagens de Partículas elementares, de Michel Houellebecq:
"Esses hippies babacas continuam achando que a religião é um procedimento individual baseado na meditação, na busca espiritual... São incapazes de perceber que se trata, ao contrário, de uma atividade puramente social, baseadas em ritos, regras e cerimônias";
"Na realidade, o homem sempre esteve aterrorizado pela morte, nunca pôde considerar, sem terror, a perspectiva do próprio desaparecimento, nem mesmo do próprio declínio. De todos os bens terrestres, a juventude física é, sem dúvida, o mais precioso"; 
"O que determina o valor de uma religião é a qualidade moral que permite fundar";
"Mas acabei por pensar que as religiões são, antes de tudo, tentativas de explicação do mundo; e nenhuma tentativa de explicação do mundo pode resistir ao confronto com a nossa necessidade de certeza racional. A prova matemática e o método experimental são aquisições definitivas da consciência humana. Sei bem que os fatos parecem contradizer-me; sei bem que o islamismo - de longe a mais estúpida, a mais falsa e mais obscurantista de todas as religiões - parece atualmente ganhar terreno; mas isso não passa de um fenômeno superficial e transitório: a longo prazo, o islamismo está condenado, ainda mais, com certeza, do que o cristianismo".

quarta-feira, 25 de julho de 2012

OLHA A TRAVE!

A população é míope: vê bem ao longe e não percebe o que ocorre por perto. Há uma sentença bíblica nesse sentido, que pergunta sobre a facilidade com que se percebe o argueiro no olho do outro e não a trave no próprio olho. A filosofia e a religião são concordantes nesse aspecto.
Todos concordamos que Brasília abriga políticos corruptos, de fichas sujíssimas. Não percebemos que a nossa volta, tão próximos de nós, como Jaguari e Nova Esperança, candidaturas são impugnadas em razão de fichas sujas. 
Ninguém sabe a grande lição de Confúcio, que ensinava que os antigos, quando queriam revelar e propagar as mais altas virtudes, punham em ordem seus Estados; antes de porem seus Estados em ordem punham em ordem suas famílias; antes de porem em ordem suas famílias, punham em ordem a si próprios...

SÉLESIS


Carlos Nejar, cuja dimensão poética ainda não foi percebida inteiramente, estreou com Sélesis (ilustração acima). A primeira edição desse livro (1960) enriquece minha estante, ao lado das demais obras desse que considero o maior poeta brasileiro. 
De tempo em tempo, reler os poemas de Nejar tornou-se uma necessidade para mim. 
"Poesia única e solitária", no dizer de Pedro Vergara. 
Recomendo a leitura do livro Carlos Nejar - poeta e pensador, de Giovanni Pontiero. 
Os primeiros versos de Sélesis que me vêm à lembrança são:
"Dentro de mim há pássaros que cantam
E eu me sinto cansado de partir
Sou homem - mas não sei para onde ir
Sou pássaro - não sei por que me espantam"

terça-feira, 24 de julho de 2012

DIFERENÇA ENTRE OS HOMENS

Há diferenças entre esperteza, inteligência e sabedoria (pouco observadas por nossa cultura ocidental). Um indivíduo esperto consegue persuadir quem lhe dá ouvido de que não tem defeitos, geralmente atribuídos ao outro. Inteligente é o indivíduo que percebe seus defeitos e os defeitos dos outros. O sábio, percebendo seus defeitos, consegue analisá-los de tal forma que os transcende. Para o esperto, há sempre um culpado: o outro. Para o inteligente, a culpa do outro se equivale à sua (a dialética é que decidirá a seu favor). Para o sábio, se há culpa pessoal, é sempre sua. Uma vez que o errado é o outro, o esperto considera-se um referencial de correção, citando suas ações, seu modo de ser, sua vida como prova disso. Na dúvida, o inteligente não se inclui no discurso, conjugando o verbo na terceira pessoa do singular. O sábio nunca cita a si mesmo como referência, às vezes, inclui-se no discurso em consideração aos demais. O esperto teima, o inteligente pondera, e o sábio silencia. O esperto diz “eu quero”, o inteligente diz “eu penso”, e o sábio sorri simplesmente. O esperto faz muitos negócios lucrativos e enriquece; o inteligente estuda muito e vive satisfeito com o que ganha; o sábio faz a ligação entre os saberes e vive como pobre voluntário (o que é mais raro acontecer que ser rico). A mesma falta de consciência ética que leva o esperto aos negócios, leva-o à política, na qual se torna arrivista e maioria. O político inteligente não consegue chegar ao poder, ou logo o perde, chegando lá. Não por falta de consciência ética, mas de apoio mesmo. Evoluído eticamente, o sábio quase nunca se envolve com a política e com os políticos. Nas raríssimas vezes em que isso aconteceu foram mortos, como Sócrates e Marco Antônio.                             

segunda-feira, 23 de julho de 2012

SANTIAGO MUDANDO

Certos blogues recorrem à repetição como estratégica neurolinguística (PNL) para impor uma mensagem aos eleitores santiaguenses: "muda Santiago". A propósito, o Estado mudou substancialmente com o governo atual? Mudou nada! As mesmas caras curtidas continuam, ou rondando o Piratini, ou dentro dele. As mesmas promessas de campanha não cumpridas. As mesmas desculpas... Todos sabemos que é necessário mudar o Rio Grande do Sul, mais que Santiago. Mudanças podem começar por aqui, isso é inegável. Outros blogues já anunciam a inconformidade com a CORSAN, que é uma estatal, por não apresentar um plano B para o fornecimento de água tratada à população desta cidade. O "muda Santiago" pode começar com a apresentação desse plano. Para curto ou médio prazo é óbvio que não existe plano algum, porque plano algum é executável. A longo prazo, dois planos podem existir a priori: 1) a ampliação da velha barragem e; 2) a construção de uma nova barragem. Qualquer um deles mudaria, sim, Santiago, capacitando nossa cidade a receber as indústrias que os demagogos prometem trazer para cá em campanhas eleitorais. 
O grande projeto para mudar Santiago já se encontra em execução, qual seja, o de transformá-la em Cidade Educadora. 
Necessitamos mais de educação, de civilidade. Até para entender que a própria CORSAN não pode ser incriminada pela falta de água decorrente de uma estiagem atípica - e natural.  

domingo, 22 de julho de 2012

SEM(TI)ÁGUA III

Do caos em que vivem os santiaguenses, causado pelo racionamento e falta de água, gera-se a estrela da conscientização. Essa frase, ligeiramente modificada a partir de um aforismo nietzschiano, expressa o bem maior que se sobressai da crise: cada indivíduo passa a contribuir mais efetivamente pelo social. Os desperdícios de água, que ocorriam amiúde por conta da prepotência individualista, não foram mais observados. A dor não só ensina a gemer, a suportar a própria dor, mas a desenvolver a empatia (tendência que revela uma pessoa para sentir o que sentiria caso estivesse na situação vivida pelo outro). Empatia e alteridade. Para surpresa dos adversários políticos do programa “Cidade Educadora” (muito desacreditado a princípio), a sociedade deu uma resposta positiva aos decretos baixados em caráter excepcional. Os racionamentos cada vez mais frequentes,  impostos pela Companhia antes do dia primeiro de setembro, criaram um mal-estar geral, uma animosidade nos bairros mais altos, que passaram a acusá-la de beneficiar uns e não outros. Acusação injusta, uma vez que o sistema de abastecimento não dispõe de um controle mais preciso que o da gravidade. Dessa forma, não há parcialidade ou favorecimento. O centro é tão atingido quanto o subúrbio mais distante da estação de tratamento. Sem divisão do espaço, em bairros ou zonas, a alternativa foi dividir o tempo para o abastecimento e o corte, reduzindo-se as horas de abastecimento e aumentando as de corte. Cada vez mais, à medida que secava a barragem – transformada numa clepsidra do desespero, da dor (que ensina a gemer e que capacita o indivíduo a compreender a dor alheia como tão séria quanto a sua). Talvez chova amanhã, depois de amanhã, segunda-feira, terça-feira, quarta-feira... Talvez não.  
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Texto publicado na última edição do Expresso Ilustrado.    

quinta-feira, 19 de julho de 2012

VIVIR PARA CONTARLA


Hoje é um dia de festa em minha biblioteca: chegou Vivir para contarla, penúltima obra de Gabriel García Márquez. Depois de ler Houellebecq, essa autobiografia do escritor colombiano entra no primeiro lugar da fila. 
Transcrevo da contracapa:
"Vivir para contarla es, probablemente, el libro más esperado de la década, compendio y recreación de un tiempo crucial en la vida de Gabriel García Márquez. En este apasionante relato, el premio Nobel colombiano ofrece la memoria de sua años de infancia y juventud, aquellos en los que se fundaria el imaginario que, con el tiempo, daria lugar a algunos de los relatos y novelas fundamentales de la literatura en lengua española del siglo XX. Estamos ante la novela de una vida, a tavés de cuyas páginas García Márquez va descubriendo ecos de personajes e historias  que han poblado obras como Cien años de soledad, El amor en los tiempos del cólera, El coronel no tiene quien le escriba o Crônica de una muerte anunciada, y  que convierten Vivir para contarla en una guía de lectura para toda su obra, en acompañante imprescindible para iluminar pasajes inolvidables que, tras la lectura de estas memorias, adquieren una nueva perspectiva".
O livro traz como epígrafe:
"LA VIDA NO ES LA QUE UNO VIVIÓ, SINO LA QUE UNO RECUERDA Y CÓMO LA RECUERDA PARA CONTARLA".
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Na mesma linha da epígrafe acima, destaco a frase de García Márquez que mais me marcou: 
 "Todo bom romance é uma transposição poética da realidade".
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Caso me fosse forçado a escolher um único tema para meu blog, sem muito titubear, escolheria os livros (que leio). 

terça-feira, 17 de julho de 2012

HOMENAGEADOS


Na Semana da Pátria deste ano, os homenageados serão os seguintes: Barão do Rio Branco (âmbito nacional); Guido Mondin (âmbito estadual) e Santiago Cidade Educadora (âmbito municipal). 
Barão do Rio Branco, ou José Maria da Silva Paranhos Júnior, está entre os três maiores brasileiros dos últimos quinhentos anos. Homenageado pela passagem do centenário de sua morte.
Guido Mondin, gaúcho de Caxias do Sul, foi economista, empresário, deputado, senador, ministro do Tribunal de Contas da União, escritor, artista plástico (autor da pintura acima) e ex-presidente da Liga da Defesa Nacional. O homenageado completaria 100 anos no dia 6 de maio.
Santiago é cidade educadora, programa extraordinário que expressa a correção administrativa do meu amigo Júlio Ruivo.


Na reunião realizada hoje, sugeri que se homenageasse Ignácio Gomes dos Santos. Um acerto de 2008, todavia, deixou de homenagear pessoas. As escolas poderão fazer tais homenagens dentro das oito metas do programa Cidade Educadora.
Vila Florida, meu 3º Distrito, presta uma homenagem no próprio nome ao seu grande benfeitor, Generoso Flores. Santiago, à exceção de uma rua de uma quadra só, não faz referência a Ignácio Gomes dos Santos, seu primeiro e maior benfeitor patrimonial.
Desenhado por Oracy Dornelles, o retrato acima, de Ignácio Gomes dos Santos, ilustra o livro Um pouco da história de Santiago, de Guirahy Pozo (1982).

segunda-feira, 16 de julho de 2012

RAZÃO PARA TRISTEZA

Não sei com que pensamento recebo essa notícia da demissão da professora Terezinha Bombassaro, do curso de Letras da URI. Para outras pessoas, mais emotivas, o correto seria com que sentimento, que é fácil de ser definido como tristeza. Entre essas pessoas, incluem-se os alunos da Terezinha, graduados e graduandos do melhor curso universitário já sediado em Santiago. Prefiro considerar o fato com racionalidade, que é uma característica tão inegavelmente humana quanto à emoção. Prejulgo que a URI, por intermédio de seus diretores, não demitiu sem uma razão. O que parece obscuro aos passionais, para mim é de uma clareza solar: as licenciaturas chegam ao fim. Independentemente das diretrizes administrativas ou acadêmicas da Universidade, os cursos de Letras, Matemática, Pedagogia e História vêm diminuindo há alguns anos. Não apenas no campus de Santiago, mas noutros campi da mesma universidade, em outras universidades Brasil afora. A não procura por esses cursos é uma tendência nacional, ponto. A causa imediata mais frequentemente apontada é o desprestígio da profissão dos licenciados.  
Quem irá orientar as aulas de Literatura Brasileira para as turmas de graduandos que não se formaram na URI? Será contratado(a) outro(a) professor(a)? Não há mais essa necessidade? 
Não é mais necessário. 
Isso é triste. 

domingo, 15 de julho de 2012

JOÃO CHAGAS LEITE

A Churrascaria Gaúcha lotou ontem, para ouvir o grande compositor e cantor João Chagas Leite. Não perdendo a viagem, tomei vinho e saboreei um galeto (que é uma especialidade da casa). 
Já vivi uma fase nativista, ao residir em Curitiba. As coisas do pago ganham em importância, quando vistas de fora.  Tive três violões numa longa aprendizagem, cujo empecilho maior era a certeza de não ser vocacionado musicalmente.
Em Santiago, depois de 13 anos, comprei outro violão, na última tentativa para aprender o ritmo da milonga. Frequentei algumas aulas, desisti mais uma vez. 
João Chagas Leite estava entre os nativistas que mais me chamavam a atenção: Penas; Desassossegos; Ave sonora; Campo, pampa e querência... 

sábado, 14 de julho de 2012

SEM(TI)ÁGUA II

As denúncias de desperdício de água, com a lavação de calçada, por exemplo, começaram na chegada do verão. Naqueles dias de estio, poucos imaginariam a situação presente, oito meses depois. Em meados de agosto, um plano emergencial levou à encampação dos poços artesianos da cidade (que ainda forneciam água). No interior do município, enquanto isso, os poços logo se exauriram. Alguns de seus usuários acreditavam numa forma de abastecimento infinito, como o caso de um senhor que colocava água em seu açude durante a noite. Outra medida de emergência foi captar água do rio Rosário, onde se improvisou uma microestação de tratamento. Caminhões-pipa afundam a estrada com o transporte do líquido escasso, distribuindo-o exclusivamente para a confecção de alimento. As empresas de distribuidora de água não atendem a demanda centuplicada pelas bombonas azuis. Inversamente proporcional à falta de água, passa a sobrar matéria fecal mal-acondicionada nos vasos sanitários que se fixam no alto dos tubos de PVC. Mais de 50% das residências se encontra com seus banheiros lotados. Dentro dos maiores condomínios, mais perceptivelmente, ocorrem as primeiras reclamações de poluição olfativa. A presença incorpórea da merda ultrapassa as fronteiras de cimento e o raio alcançado pelo Bom Ar. O mau cheiro das latrinas abertas no fundo dos quintais impede as emanações mais sutis das flores que se antecipam à primavera. Não há lugar para a poesia no momento atual. Nenhuma obra futura na Terra dos Poetas é mais importante que a ampliação da barragem. Meio metro que se levante no vertedouro (não confundir com vertente) equivale a quase uma nova barragem, necessária para dar conta do maior consumo.
(Continua na próxima edição.)
Texto publicado no Expresso Ilustrado.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

CHICO DE OLIVEIRA

O que dizer dos sociólogos brasileiros?
Há pouco, vi no YouTube o vídeo de Chico de Oliveira, produzido pela TV Cultura em seu programa Roda Viva. Assim como apontou sem problema o nome de dois de seus torturadores na época dos governos militares (que não eram militares, mas delegados), falou sobre o ex-presidente Lula. Para o professor da Universidade de São Paulo (obviamente, de esquerda), "Lula não tem caráter".  
Não há mais interessante expressão da verdade do que a proferida por alguém que, tendo participado de uma seita ou de um partido político, revolta-se contra as instituições que ajudou a fundar. Graças aos fugitivos, descontentes, revolucionários..., entre os quais pode ser colocada Katie Holmes, ex-mulher de Tom Cruise, ficamos sabendo o que há de pior na organização a que pertenciam como membro. Achei fantástico o livro A falência do PT, de Luciana Genro e Roberto Robaina. Agora, essa entrevista no Roda Viva com Chico de Oliveira, que foi fundador do PT. 
O vídeo é longo, de uma hora e meia aproximadamente. Lavei a alma, assistindo-o. Aos meus amigos petistas, informo-lhe que não foi a VEJA, acusada de liderar o PIG, a responsável por esse momento. A propósito, não havia representante dessa revista no Roda Viva. 
Chico de Oliveira titubeou, quando foi questionado sobre o presente e o futuro (para confirmar a tese da minha postagem abaixo), mas disse algumas verdades mais ou menos nestas palavras:
"Não há 'nova classe média' no Brasil, mas o extrato da classe mais pobre que teve um acréscimo de renda", concordando com seu contrário André Singer;
"Os intelectuais estudavam Marx e não conheciam o Brasil";
"A construção dos benefícios sociais vêm desde os tempos de Sarney";
"A imprensa ainda não descobriu o Lula";
"Dilma Rousseff tem enorme dificuldade para governar, porque Lula não deixa", a demissão de tantos ministros prova-o a priori.

SOBRE OS SOCIÓLOGOS

Penso que a Sociologia é uma ciência confiável, quando estuda o passado das sociedades humanas. Nisso ela se distingue muito pouco da Antropologia. Nossos cientistas sociais, todavia, querem estender seus estudos para o futuro. Nisso ela se distingue muito pouco da Filosofia (preponderantemente especulativa). 
Uma coisa que não entendo em alguns sociólogos é superestimar o presente, dando-lhe o papel extraordinário de uma transição (como o faz Boaventura de Souza Santos). Outra coisa que não entendo em alguns deles é de já instituírem o presente como fase ulterior à modernidade, chamada pós-modernidade (como o faz Zigmunt Bauman). Outros, mais excêntricos, determinam o "fim da história" (como  o faz Francis Fuhuyama). 
Neste aspecto, cometem equívoco semelhante ao dos historiadores, que designaram certo período da história ocidental de Idade Moderna (repetindo o erro, ao denominarem ao período posterior de Idade Contemporânea). 

quinta-feira, 12 de julho de 2012

PARTE DE TUDO


Não sei mais que uma pequena parte de tudo (ou do todo). Neste aspecto, a expressão da verdade equivale ao princípio gestáltico. Hoje, por exemplo, aprendi sobre o mecanismo de Anticítera.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

PLATAFORMA



Já tendo lido 60 páginas de Partículas elementares, chega-me às mãos outro romance de Michel Houellebecq: Plataforma
Transcrevo das orelhas do livro:
"Se Michel Houellebecq ficou rotulado como radical e misógino com a publicação do livro Partículas elementares, sua habilidade como polemista e provocador agora o leva ainda mais longe. Plataforma, seu terceiro romance, publicado antes dos atentados de 11 de setembro, é um coquetel incendiário atacando a globalização, o islamismo, o choque Oriente/Ocidente, o livre-comércio, o sexo, o trabalho, o consumo, o dinheiro [...]
"Com Plataforma a lista de inimigos do autor ampliou-se, incluindo muçulmanos, feministas, artistas plásticos, estilistas, psiquiatras, autores de best sellers, políticos, defensores dos direitos humanos e tudo que soe politicamente correto [...]
"O autor não deixa de homenagear seus antepassados existencialistas, mas constrói uma história de amor ultracontemporânea. Nela, o protagonista Michel se envolve com Valérie, uma predadora executiva da indústria do turismo, servindo ao leitor seguidas cenas em que altas doses de sexo e pornografia são uma forma de zombar de valores burgueses.
"Parte do apelo da escrita de Houellebecq vem de sua ironia, sarcasmo, morbidez, humor negro e implacáveis provocações sobre a hipocrisia do mundo de hoje e da sociedade francesa em particular".

terça-feira, 10 de julho de 2012

PARTÍCULAS ELEMENTARES


Nessa tarde, comecei a ler Partículas elementares, de Michel Houellebecq. Terceiro romance que leio desse escritor (traduzido por Juremir Machado da Silva). O quarto, Plataforma, deve chegar nos próximos dias. 
Logo irei ao oftalmologista.

RELIGIÃO OU ABSURDO?

Há alguns dias, concluí a leitura do livro Religião para ateus, em que Alain de Botton cita as duas necessidades centrais que são atendidas pelas religiões: 1) viver em comunidade e em harmonia; 2) lidar com aterrorizantes graus de dor (que surgem da nossa vulnerabilidade ao fracasso profissional, a relacionamentos problemáticos, à morte de entes queridos e a nossa decadência e morte). Não parei para pensar sobre tais justificativas do filósofo ateu, que se fundamentou basicamente em três religiões: judaísmo, cristianismo e budismo. Este último é mais uma filosofia prática. Nenhuma palavra sobre as demais religiões. Penso que a existência de comunidades não-religiosas que vivem em harmonia basta para contrapor ao primeiro argumento acima. Em relação à dor, ao sofrimento e à morte, todo conforto oferecido pela religião se apega à promessa de uma outra vida, além da morte, paradisíaca. E isso, para freudianos ou não, é uma ilusão. 
Sem querer me estender (e já me estendendo), a razão desta postagem é fazer um breve comentário sobre a cientologia, uma loucura que andam chamando de religião. Leiam abaixo um trecho que copiei da Wikipédia:
"Segundo a Cientologia (por que letra maiúscula?), há 75 milhões de anos, vários planetas se reuniram numa 'confederação das galáxias', governada por um líder maléfico chamado Xenu (por que letra maiúscula?). Como os planetas estavam com problemas de superpopulação, Xenu mandou bilhões de seus habitantes para Terra, em espaçonaves parecidas com os Douglas DC-8 (avião comercial), onde foram jogados dentro de vulcões e mortos com bombas de hidrogênio. Seus espíritos que foram recapturados e reunidos  em cachos (como uvas, ou talvez bananas) - chamados de 'thetans' - são os seres humanos".
Os dogmas dessa "religião" são a continuação do absurdo transcrito entre aspas. 
Como pode existir gente no mundo inteiro que cultua esse absurdo? Não apenas cultuar, como manter com doações milionárias? Tom Cruise, John Travolta, Lise Presley, Kirstie Alley, Will Smith, entre outros atores excêntricos de Hollywood são seguidores e mantenedores dessa igreja criada por L. Ron Hubbard, escritor de ficção científica. 

domingo, 8 de julho de 2012

REMIÇÃO PELA LEITURA

Qual a importância da leitura? 
Há muito procuro responder essa pergunta, para melhor justificar minha opinião de que é importante ler, ler e ler. 
A partir de 20 de junho de 2012, graças a uma portaria do Departamento Penitenciário Nacional (Ministério da Justiça), a leitura propicia a remição da pena nas penitenciárias federais. São 4 dias para cada obra lida, num máximo de 48 dias ao ano (12 livros). 
Um projeto surpreendente, extraordinário, que deverá se estender a todas as penitenciárias do país, não apenas para as federais (em número de 4).
A escolas deveriam desenvolver projetos, premiando seus alunos leitores. O número de escolas é inversamente proporcional ao de cadeias. As empresas também. Nos quartéis, está em execução o Projeto Leitura.
Para ler a Portaria Conjunta nº 276, clicar AQUI.

sábado, 7 de julho de 2012

SEM(TI)ÁGUA

Neste primeiro dia de setembro, saiu a nota oficial da Companhia Riograndense, dando conta do esgotamento completo da barragem. O fato já era conhecido de todos, amplamente noticiado pelas rádios e blogues nos últimos dias. As chuvas torrenciais, escassas no verão e outono, continuaram a faltar no inverno – quando se tinha como certa a ocorrência do abastecimento natural. As precipitações nunca marcaram mais que 20 mm, para aumentar as aflições dos santiaguenses. Aqui não há mais necessidade de pluviômetro, uma vez que todos aprenderam a calcular o tanto de água caído dos céus. Da mesma forma, todos passaram a observar os sinais do tempo, cuja interpretação fizera especialistas no campo. Outro aprendizado de importância inestimável para a evolução de nossa sociedade teve início com a mobilização em torno da água. O primeiro debate sobre a questão fora propiciado pela universidade, com a participação do prefeito, vereadores, ambientalistas, professores, alunos, gerente local e superintendente regional da Companhia. Na oportunidade, o gerente assegurara em sua explanação que não haveria racionamento nos próximos 60 dias. Um mês mais tarde, a Câmara Municipal criara uma comissão para acompanhar a situação da barragem. Em seguida, a Prefeitura notificara a Companhia, querendo saber sobre um possível plano emergencial. Desde então, num crescendo, a questão da água se foi impondo ao interesse de todos. O período de racionamento fez com que as pessoas se conscientizassem do problema. A princípio, com muita briga nas vilas, condomínios, onde quer que fosse visto alguém se utilizando da água tratada de uma forma incorreta. Depois, para administrar o caos, acabou se destacando o espírito de solidariedade. (Continua na próxima edição.)
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Produzi o texto acima para a coluna do Expresso Ilustrado dessa sexta-feira. Ele é expressão da verdade por envolver lugar, instituições, pessoas e um fato muito preocupante: o nível de água da nossa barragem. O salto no tempo para primeiro de setembro, todavia, não passa de ficção, sem qualquer pretensão profética. O tema exige continuação, em que colocarei algumas situações possíveis com um racionamento e uma falta de água nunca antes imaginados para a nossa cidade. José Saramago, o grande escritor português, imaginou que os habitantes de uma cidade ficassem cegos de uma hora para outra. A partir desse tema, produziu o romance Ensaio sobre a cegueira

SANTIAGO POLÍTICA

Santiago respira política a partir de julho. 
Se não respiro, vejo. 
Os atuais candidatos já aparecem nos eventos, cordiais, falantes como sói acontecer em ano eleitoral. 
Vejo, mas não posso me manifestar. A favor ou contra. Não o faço em razão de ser militar, mas em respeito às amizades que tenho com pessoas de todos os partidos. 
Ainda bem que o voto é secreto. Abri-lo ao público me parece uma exibição, uma excentricidade (que insinua uma importância ao próprio votante, negada constitucionalmente aos desconhecidos mortais).
Os candidatos a prefeitos, independentemente do partido que os coloca em tão destacada posição, são pessoas que merecem meu respeito. Entre os candidatos a vereadores, tenho amigos muito próximos, entre os quais Paulo Machado e Juarez Gireli. 

CIEN AÑOS DE SOLEDAD

"Muchos años después, frente al pelotón de fusilamiento, el coronel Aureliano Buendía había de recordar aquella tarde remota en que su padre lo llevó a conocer el hielo. Macondo era entonces una aldea de veinte casas de barro y cañabrava construidas a la orilla de un río de aguas diáfanas que se precipitaban por un lecho de piedras pulidas, blancas y enormes como huevos prehistóricos. El mundo era tan reciente, que muchas cosas carecían de nombre, y para mencionarlas había que señalarlas con el dedo. Todos los años, por el mes de marzo, una familia de gitanos desarrapados plantaba su carpa cerca de la aldea, y con un grande alboroto de pitos y timbales daben a conocer los nuevos inventos..."
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Entre os começos dos romances mais famosos, fico com esse acima, escrito por García Márquez em Cem anos de solidão. Gostei tanto dele, desde a primeira vez que o li, que o memorizei. Também com o propósito de testar minha memória, publiquei esta postagem.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

GARCÍA MÁRQUEZ


Triste notícia! Gabriel García Márquez não mais escreverá história, devido ao estágio avançado de sua demência senil. O escritor está com 85 anos de idade.
Desde que li Cem anos de solidão pela primeira vez, não sosseguei até ler quase todas a obra do escritor colombiano, Nobel de Literatura de 1982. 
Livros de García Márquez em minha biblioteca:
- O enterro do diabo (La Hojarasca);
- Relato de um náufrago;
- Ninguém escreve ao coronel;
- Os funerais da mamãe grande;
- O veneno da madrugada;
- A incrível e triste história de Cândida Erêndira e sua avó desalmada;
- Olhos de cão azul;
- O outono do patriarca;
- Crônica de uma morte anunciada;
- Textos do Caribe (dois volumes);
- Cheiro de goiaba (entrevista com Plinio Apuleyo Mendoza);
- O amor nos tempos do cólera;
- A aventura de Miguel Littín clandestino no Chile;
- O general em seu labirinto;
- Doze contos peregrinos;
- Do amor e outros demônios;
- Notícia de um sequestro;
- Memorias de mis putas tristes;
- Cien años de soledad.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

METAPOESIA

Leiam estes versos de José Martí e entenderão o que seja metapoesia:

"Mi verso es de un verde claro

Y de un carmín encendido

Mi verso es un ciervo herido

Que busca en el monte amparo"


Mais que o ritmo, a metáfora.  A imagem criada pelos últimos dois versos é extraordinária. 

PESCADOR DO DESTINO

a esperança
é linha
solta
na correnteza
do agora


anzol
enroscado
entre as pedras
do dia
            seguinte

FETICHE

O fetiche é um objeto feito pelo homem ou produzido pela natureza, ao qual se atribui um poder mágico e se presta culto. 
A modernidade, que os sociólogos já consideram substituída pela "pós-modernidade", diferencia-se de épocas anteriores por provocar um expurgo do sobrenatural. A força que o fetiche exerce no século XXI prova sua ligação ao passado, não o rompimento com o presente e a fundação de um novo tempo (que apenas repaginaria aspectos culturais do passado). O feticismo é um desses aspectos - com alto grau de alienação. 
Dois objetos, fabricados em série no século XX, tornaram-se fetiches de indivíduos de todas as classes de consumistas, homens e mulheres, respectivamente: o automóvel e o sapato. 

domingo, 1 de julho de 2012

AELITA ANDRE

Aelita Andre é uma menininha australiana, já considerada artista plástica aos cinco anos de idade. Sua segunda exposição, realizada em Nova Iorque, vendeu todos os quadros num vapt vupt (ao preço de quatro a treze mil dólares cada tela). 
Seu estilo pictórico imita o do grande Jackson Pollock, abstracionista da acton paiting. Na pintura de ação, o artista não usa cavalete e pincel tampouco. Minha melhor pintura, um autorretrato de 1985, executei-a quase unicamente usando os dedos. 
(Já postei sobre Pollock neste blog.)  
Aelita pinta muito bem, automaticamente. No caso dela, inconscientemente, a mais pura característica do surrealismo. 

HOMO FICTUS

Muito interessante o texto de Luís Augusto Fischer, publicado nesse sábado, no caderno Cultura do ZH. Ao estilo de Italo Calvino (Seis propostas para o próximo milênio), Fischer defende a literatura com seis argumentos insofismáveis: profundidade, agilidade, variedade, concentração, imaginação e liberdade. 
Em Profundidade, o grande escritor gaúcho disserta:
"A literatura faz parte da nossa vida de modo essencial. Gottschall fala da narrativa, termo que engloba romance, conto, teatro, memória etc., mais creio que podemos incluir o território da poesia, que não tem compromisso necessário com o relato de histórias. 
"Poesia tem outra têmpera essencial: o poeta (no poema mesmo, ou em qualquer texto em que possa expressar-se a índole poética) não passa correndo sobre a linguagem-ponte de modo a alcançar logo a outra margem, mas pelo contrário, fica pisando e repisando sobre a linguagem-ponte, fazendo-a balançar".
Achei extraordinário isso! Resolvi compartilhá-lo com os leitores deste blog. 
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Para Italo Calvino, a literatura tem seis qualidades imanentes: leveza, rapidez, exatidão, visibilidade, multiplicidade e consistência.