quarta-feira, 30 de junho de 2010

TESE ESTAPAFÚRDIA

Em conversa com meu irmão, elaboramos uma tese para a não conquista do hexa pela seleção brasileira. Seu arrazoado principal e óbvio: a próxima copa será no Brasil, onde nosso favoritismo é inquestionável. Duas conquistas mundiais consecutivas pelo mesmo selecionado nunca ocorreu e, convenhamos, é bom que não aconteça para a saúde do futebol no âmbito internacional. A toda poderosa Fifa cuidará para que o equilíbrio se mantenha, determinada por um poder ainda maior: o mercado. Infelizmente, o esporte virou um negócio milionário, perdendo muito de sua arte. O centro desse mercado situa-se na Europa, com ramificações que se estendem aos demais continentes.

A questão mais complicada é de saber como o Brasil não chegará ao hexa na África do Sul. Geralmente, a culpa recai sobre o técnico, quando o time joga mal. Mas o Dunga já demonstrou seu caráter insuspeito ao comprar briga com a Globo. O homem é pura seriedade. Não conseguiu contentar a todos com a convocação, abrindo mão de Ronaldinho e Ganso, por exemplo, dois jogadores que dariam mais criatividade. Kaká, o único que poderia desempenhar a função de criar, não vem jogando bem. O moço, tão comportado ao longo de sua carreira futebolística, inexplicavelmente recebe dois cartões amarelos durante um jogo e é expulso. Vamos observá-lo com muita atenção no jogo contra a Holanda. Qual será o esquema tático do nosso treinador? Certamente, repetirá o mesmo esquema que jogou até agora, inclusive contra a fraquíssima Coreia do Norte.

Na África do Sul, o Brasil não repetirá o feito (desfeito, malfeito) na França em 1998? Zagallo era tão sério quanto tem sido Dunga. Ronaldo acabou sendo o pivô da crise, redimido quatro anos depois. Técnicos e jogadores não seriam pequenos coadjuvantes numa encenação gigantesca, cujos atores principais continuam no poder? No caso de perdermos até a final, será muito fácil colocar a culpa no Dunga (Fátima Bernardes, à maneira da filha de Herodias, há de levar a cabeça do treinador numa bandeja para o Jornal Nacional). Os grandes da CBF, os controladores do mercado, sempre se salvam.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

CLONE


Entre as duas fotos acima há uma vaga semelhança, principalmente nos olhos. A assimetria dos dois rostos fica evidente nas pálpebras caídas. Na foto superior, é a da direita (da pessoa fotografada); na inferior, a da esquerda. Não fosse essa diferença, o clone seria mais convincente.
A foto de cima é de Jorge Luis Borges, um dos maiores escritores de todos os tempos. Ele escreveu sobre a leitura: QUE OTROS SE JACTEN DE LAS PÁGINAS QUE HAN ESCRITO, A MÍ ME ENORGULLECEN LAS QUE HE LEÍDO. Coerente com o que pensava o grande contista argentino, li toda sua obra nos anos oitenta. Alguns livros são tão bons, que os reli.
A foto debaixo é do escritor Antonio Lobo Antunes, português que tem uma produção literária tão vasta quanto a de Saramago. Segundo Juremir Machado da Silva, Lobo Antunes é também merecedor do Nobel, mais lido na Europa continental que seu conterrâneo (recentemente falecido). Tem blog http://alawebpage.blogspot.com/

domingo, 27 de junho de 2010

CLIC(RBS)

Sem o auxílio da TV, a Copa é uma farsa

Aconteceu outra vez e seguirá acontecendo até os conservadores da Fifa e da International Board se renderem ao admirável mundo novo. Não tem mais cabimento, em pleno século 21, negar o uso da imagem como elemento para auxiliar a arbitragem.
A barbaridade do gol da Inglaterra anulado neste domingo, quando a bola bateu no travessão e quicou meio metro distante da linha, é um assassinato. O de Tévez, da Argentina, contra o México, segue o mesmo raciocínio: impedimento claríssimo detectado pela TV.
Há dolo, como diriam os criminalistas. Se há dolo, é crime. A Fifa tem noção de que quatro anos de trabalho podem ir por água abaixo por uma ilegalidade escancarada, mas silencia.
Na África do Sul, a vergonha ficou ainda maior. Nada escapa à câmera lentíssima que flagra até o suor escorrendo pelo rosto ou o músculo balançando depois da pancada. Se o árbitro uruguaio Jorge Larrionda valida o gol, era 2 a 2 e outro jogo. A Inglaterra não atacaria como um bando de índios, a Alemanha não teria o contra-ataque e tudo poderia (ou não) ser diferente.
É fácil impedir erros com este. Basta incorporar ao futebol um recurso que vem sendo adotado cada vez mais em outros esportes e com ótimos resultados, aumentando a emoção e o interesse dos torcedores: o ''desafio''. O time ou o jogador (no caso do tênis) tem direito a pedir a revisão de um lance com o auxílio eletrônico. Já é assim no tênis, no futebol americano e no basquete.
Os conservadores argumentam que no futebol é diferente. Falam de tradição. Dizem que daria confusão parar o jogo a todo instante. Bobagem: no caso do gol inglês, por exemplo, não ia demorar 30 segundos para bater o martelo. E não precisa ser a todo instante.
Se cada técnico tivesse o direito de exigir ao menos uma vez por jogo o auxílio da TV em lances de área (em caso de pênalti ou gol, por exemplo), erros bárbaros como este de Alemanha x Inglaterra seriam reduzidos pela metade.
O que não tem mais cabimento é a tecnologia no esporte ser do século 21 e os recursos da arbitragem do século 18. Daqui a pouco o mundo estará enviando turistas para a lua em ônibus espaciais e os conservadores do futebol seguirão defendendo que se use apenas fricção para fazer o fogo.

CAVALEIRO

O livro O cavalo na frincha do tempo é escrito por Vilma dos Santos Viana. À hora de ser editado, a autora solicitou minha autorização para incluir um excerto do poema Cavaleiro, do livro Ponteiros de palavra (2006). Segundo Airton Ortiz, que apresenta a segunda obra dessa cronista, "O cavalo na frincha do tempo é um dos mais completos estudos sobre o cavalo e uma das mais belas homenagens que já li sobre esse animal inseparável do homem".
Eis a estrofe do meu poema cavaleiro:
.
o vento da manhã
é bom cavalo
que monto
quando quero
dos dois lados
e saio em pelo
sempre a galopá-lo
para buscar
meus sonhos
......................extraviados
.
Cada verso acima, na verdade, não termina no final da linha, mas no alinhar do ritmo e da rima. Composto de dez sílabas, cada verso é dividido em dois ou três.
Muito gratificante para mim esse reconhecimento que vem de fora (Porto Alegre).

sexta-feira, 25 de junho de 2010

PALPITE PARA AS OITAVAS-DE-FINAL

URUGUAI 1 X 2 COREIA (prorrogação)
EUA 0 X 1 GANA
ARGENTINA 3 X 0 MÉXICO
ALEMANHA 0 X 1 INGLATERRA
HOLANDA 1 X 0 ESLOVÁQUIA (prorrogação)
BRASIL 2 X 0 CHILE
PARAGUAI 0 X 2 JAPÃO
ESPANHA 1 X 1 PORTUGAL (Espanha ganha nos pênaltis)
.
Considerações:
O México é a mais fraca das seleções acima. Jogando contra a mais eficiente, perderá fácil. O Chile jamais fará um gol no Brasil. Como a recíproca não é verdadeira... A segunda pior seleção é o Paraguai, pela ineficiência de seus atacantes (todos da mesma linha de Cardozo). O Japão jogou um belíssimo futebol na última partida, contra a Dinamarca. Toque de bola rápido e aproveitamento nas bolas paradas. Ganha o Japão. Os demais jogos são muito equilibrados.

JOHN KEATS EM FILME


"Brilho de uma Paixão" narra romance de poeta inglês John Keats

SÃO PAULO (Reuters) - Em alguns dos melhores filmes da neozelandesa Jane Campion, a arte é mais do que uma forma de expressão, é a forma como personagens transpõem barreiras físicas ou emocionais.

No mais recente filme da diretora, "Brilho de uma Paixão", está o poeta inglês do século 19 John Keats (Ben Whishaw, de "O Perfume"), o último dos românticos, que morreu jovem, aos 25 anos e teve um único amor na vida, Fanny Brawne (Abbie Cornish, de "Um Bom Ano").

Um amor tão poético quanto etéreo e platônico. Seria muito fácil transformar a história do casal num amontoado de clichês, com um poeta romântico morrendo no final sem que a paixão realmente se consumasse.

Em "Brilho de uma Paixão", que estreia nesta sexta-feira, o talento de Jane Campion permite-lhe evitar as armadilhas do lugar comum e transforma a história de Keats e Fanny numa elegia ao amor e à poesia.

Nos trabalhos anteriores, como em "O Piano", que levou a Palma de Ouro em Cannes em 1993, a relação de uma mulher muda (Holly Hunter) com o seu instrumento é a sua forma de se comunicar com o mundo. Em "Um Anjo em Minha Mesa" (1990), a protagonista Janet Frame (Kerry Fox) encontra a salvação para seus problemas mentais na literatura e se torna uma das maiores escritoras da Nova Zelândia.

A primeira coisa que a cineasta fez foi varrer a poeira do tempo que costuma pesar sobre filmes de época. A segunda foi baixar o tom declamatório e meloso comum a tantos filmes românticos e criar um drama delicado sobre duas almas gêmeas à frente de seu tempo que foram felizes enquanto puderam.

Fanny é a filha da senhoria da casa onde mora Keats. Os dois vivem um romance por três anos, no qual a poesia dele tem um papel central.

É a arte, novamente, expressando sentimentos e estabelecendo a comunicação entre personagens. "Confesso que não acho seus poemas fáceis", diz ela.

"Um poema deve ser compreendido pelos sentidos", explica ele. Talvez seja essa mesma percepção que se aplica a "Brilho de uma Paixão", cujo título original "Bright Star" (?estrela cintilante') vem de um dos mais famosos poemas de Keats.

"Brilho de uma Paixão" é uma festa para os olhos com a fotografia de Greig Fraser, que tem em seus créditos o segmento dirigido por Jane Campion na obra coletiva "Cada um com seu Cinema".

BELEZA DE IMAGENS; BELEZA VERBAL

A trilha sonora é minimalista e assinada por Mark Bradshaw, composta de poucos acordes que nunca são invasivos, mas refletem o que parece estar acontecendo dentro da cabeça dos personagens. A diretora busca uma beleza de imagens que corresponda à beleza verbal da obra do poeta.

Keats parece estar em busca de uma musa que não apenas inspire os seus poemas, mas também os leia, compreenda e discuta. Aos poucos, Fanny é capaz de assumir essa posição.

Os dois nunca sabem, na verdade, o que fazer com o desejo carnal, que parecem sublimar em suas artes. Ela gosta de costurar, mas não apenas vestidinhos ou roupinhas simples. Fanny é o que hoje em dia se chamaria de estilista. Ela cria, obedecendo a uma necessidade de expressão muito grande presa dentro de si numa época muito conservadora.

O relacionamento entre Fanny e Keats poderia ser menos complicado não houvesse entre eles Brown (Paul Schneider, de "O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford"). Melhor amigo de Keats, ele se preocupa com a obra do poeta e teme que o outro esteja desperdiçando sua genialidade com uma paixão fadada ao fracasso. O conflito entre Fanny e Brown, que também é poeta, tem ao centro as atenções de Keats.

Keats não pode se casar com Fanny porque não tem dinheiro. Por isso, seu amor é sublimado nas cartas e poemas - que, junto com uma biografia do poeta, escrita por Andrew Motion, serviram de base para o roteiro, assinado pela diretora. A paixão entre os dois poderia explodir, não fossem as amarras das convenções sociais da época.

Campion filma a história com um ritmo de tempo presente, não com um olhar do nosso presente observando o passado. Os movimentos de câmera, closes e outras imagens são um sopro de ar fresco sobre o peso do tempo que poderia cair numa história de um amor tão singelo como o de Fanny e Keats.

O que pudesse ser o empecilho para o filme - mostrar um poema sendo escrito - se torna a forma que Keats, como personagem, encontra para transpor as barreiras que limitam a sua vida, a sua paixão. Durante os créditos finais, enquanto são recitados alguns dos versos mais famosos do poeta, é fácil compreender o que seduziu a diretora a contar a sua história de amor.

(Resolvi postar essa matéria do UOL, porque aposto nesse filme como uma das melhores sínteses entre o Cinema e a Literatura. Outras obras já andaram muito perto de conseguir isso: O carteiro e o poeta, O nome da rosa, O caçador de pipas... Will Durant coloca John Keats entre os 10 maiores poetas da humanidade.)

quinta-feira, 24 de junho de 2010

O GRANDE RESPONSÁVEL

Hoje recebi um e-mail em que relata o porquê da briga Glogo x Dunga. O texto é de João Inácio Muller. O início da briga ocorreu na véspera do primeiro jogo do Brasil. Fátima Bernardes e Tino Marcos foram à concentração da seleção para fazer uma reportagem exclusiva. Ao atender a equipe de jornalistas globais, o treinador disse que não fariam tal "reportagem exclusiva". Fátima Bernardes argumentou sobre um acordo que tinha autorização para realizar a matéria, dada pelo presidente da CBF, Ricardo Teixeira, ao chefe de redação de Esportes da Globo. A resposta de Dunga foi: "Não tem autorização nem meia autorização, aqui neste espaço eu é que resolvo o que é melhor para a minha equipe. E com licença que tenho mais o que fazer. E pode mandar dizer pro Ricardo (Teixeira) que se ele quer insistir com isso, eu entrego o cargo agora mesmo!". Depois desse incidente, Dunga rasgaria um memorando do presidente Teixeira, o qual autorizava as tais "exclusivas". No domingo, o Fantástico passaria a matéria da entrevista em que Dunga chamou o repórter da Globo de cagão, babaca etc.
Quanta lambança!
Se essa história é verdadeira, Dunga me faz lembrar de João Saldanha, que também era gaúcho (de Alegrete). Vale a pena relembrar ou conhecer o que aconteceu com o então treinador da seleção brasileira nas Eliminatórias para a Copa do Mundo de 1970. Basta clicar aqui.
Afora as semelhanças, o esquema tático difere consideravelmente Dunga de Saldanha. Este treinador dispunha suas "feras" num ofensivo 4-2-4. Aquele dispõe (mesmo contra a fraquíssima Coreia do Norte) o defensivo 4-5-1.
Em relação à briga com a Globo, aplausos para Dunga.
Em relação a uma possível eliminação do Brasil nas oitavas, quartas, semifinal ou final, já escolhi o grande responsável: Carlos Caetano Bledorn Verri. No caso do Hexa, também já escolhi o grande responsável: Dunga.

terça-feira, 22 de junho de 2010

AUTOCRÍTICA

Tá rindo de quê?

VOX POPULI, VOX DEI??????????????????

O conhecimento desmistifica, desmascara, revela a mentira que se faz passar por verdade. A crença de que a voz do povo é a voz de Deus não resiste a uma simples pesquisa sobre sua origem. Fui obrigado a fazê-la, em razão de ter decidido escrever contra esse chavão demagógico, hipócrita. Vamos a ela. Na antiguidade grega, as pessoas iam ao templo do deus Hermes e, ante sua estátua, perguntavam aquilo que queriam saber. Depois cobriam a cabeça (ou os ouvidos) e saíam do templo. As primeiras palavras que ouvissem na rua seria a resposta do deus à sua questão. Eis a origem da crença. Crença num absurdo. No século VIII, um teólogo chamado Alcuíno escreveu numa carta a Carlos Magno: “Não devem ser ouvidos os que costumam dizer que a voz do povo é a voz de Deus, pois a impetuosidade do vulgo está sempre próximo da insânia”. O que ficou da frase? Justamente o que o teólogo negava: vox populi, vox Dei. Com relação à origem, está claro o equívoco. O objetivo da minha reflexão é provar o erro do conceito atual, ainda citado por políticos espertos e cristãos ingênuos (seriam ingênuos?). Observando a realidade, a que o conceito deve representar, vejo claramente destacar-se a maledicência, o falar mal de. Não se infere disso o fato da difamação e da injúria passarem a constituir crimes? A manifestação ostensiva, todavia, contra a qual legisla o Estado, é uma ínfima parte do que ocorre velada (em relação ao praticado) e anonimamente (em relação ao praticante). Amparado por Houaiss, generalizo que povo é um conjunto de pessoas que falam a mesma língua (bem a propósito). Considerando-se Deus como o supremo bem, assim o creem, como tornar verdadeiro o símile ou a igualdade que diz ser sua voz a voz do povo? Por trás da crença que afirma essa relação se oculta o antropocentrismo, uma forma de soberba, qualquer coisa já definida por Ludwig Feuerback (em seu livro A essência do Cristianismo).

segunda-feira, 21 de junho de 2010

INVENÇÃO SARAMAGUIANA

Há muitas maneiras de transcrever a fala de um personagem, o chamado discurso direto. A mais conhecida delas consiste no emprego do velho travessão, anteposto ou posposto a um verbo discendi. Um exemplo que me ocorre agora é do conto O afogado, do Caio Abreu:
- Alfa é meu nome - disse.
E ele perguntou:
- Esse é teu nome de guerra?
E ele respondeu:
- Não. Esse é meu nome de paz.
A pós-modernidade, entre outras coisas, tentou abolir o travessão. Ultimamente, voltou a ser empregado.
Para substituir o travessão, alguns escritores empregam as aspas, para indicar o que diz o personagem. Com ou sem o verbo discendi. Rubem Fonseca, que é da mesma geração do Caio, utilizava-se desse recurso. Exemplo retirado do romance A grande arte:
Quando pedi a chave do meu quarto na portaria do Grande Hotel a mocinha sorriu, conivente.
"A Mercedes apanhou", disse ela.
Ao ler O evangelho segundo Jesus Cristo, de José Saramago, conheci a maneira saramaguiana de passar ao discurso direto: apenas a letra maiúscula depois de uma vírgula ou ponto, com a presença ou não do verbo discendi.
Exemplo extraído de Ensaio sobre a cegueira (página 128):
Assim estão as coisas lá fora, rematou o velho da venda preta, e ainda eu não sei tudo, só falo do que pude ver com os meus próprios olhos, aqui interrompeu-se, fez uma pausa e corrigiu, Com os meus olhos, não, porque só tinha um, agora nem esse, isto é, tenho um mas não me serve, Nunca lhe perguntei por que não usava um olho de vidro, em vez de trazer a pala, E para que o quereria eu, faça o favor de me dizer, perguntou o velho da venda preta, É o costume, por causa da estética, além disso é muito mais higiénico, tira-se, lava-se e põe-se, como as dentaduras, Sim senhor...
O diálogo é facilmente percebido pelo leitor. Em razão desse recurso, as páginas de Saramago são compactas, cheias, mais demoradas para serem lidas.

domingo, 20 de junho de 2010

DIRETO DE LANZAROTE

Admirável em Saramago é a forma solitária de fazer cultura. Ele não frequentou universidades, exceto para receber o título de doutor honoris causa, mas em todas elas, principalmente nos países lusófonos, passará a ser mais estudado a partir de agora. Quantos mestres e doutores em literatura se formarão elaborando teses sobre o escritor autodidata?

ENTRE MACHADO E KAFKA

O caderno Cultura, do Zero Hora de ontem, é inteiramente dedicado a José Saramago. Capa e contra-capa em preto, a cor (ou ausência de cor) do luto na cultura de influência cristã. Não bastasse a leitura visual, a manchete de capa é por demais explícita: A língua portuguesa de luto. Na contra-capa, a transcrição de um poema de Saramago, do livro Os poemas possíveis (editado em 1966).
Saramago é daqueles autores que, a despeito da grandeza de sua obra, despertam a atenção por aquilo que dizem, por aquilo que são. Sobre o grande Guimarães Rosa, por exemplo, poucos sabem sobre a vida particular, o que fez além de escrever. O escritor português me despertou com o romance O Evangelho segundo Jesus Cristo. Seu último livro, Caim, não consegui soltá-lo antes de concluída a leitura. O que eu mais gostava em Saramago depois de sua literatura era seu ateísmo confesso, sem medo, livre de qualquer culpa. O mesmo caráter em relação ao marxismo que professava.
Quanto ao estilo, Saramago foi barroco. Suas frases eram muito bem escritas, apesar de longas. Um preciosista da sintaxe, como o foi Machado de Assis. Outro aspecto que aproxima Saramago de Machado é o humor, como no excerto que transcrevo de seu Ensaio sobre a cegueira (pp. 56 e 57):
"Por fim, a fila lá ficou ordenada, atrás da mulher do médico ia a rapariga dos óculos escuros com o rapazinho estrábico pela mão, depois o ladrão, de cuecas e camisola interior, a seguir o médico, e no fim, a salvo de agressões por agora, o primeiro cego. Avançavam muito devagar, como se não se fiassem de quem os guiava, com a mão livre iam tenteando o ar, procurando à passagem o apoio de algo sólido, uma parece, a ombreira duma porta. Colocado atrás da rapariga dos óculos escuros, o ladrão, estimulado pelo perfume que se desprendia dela e pela lembrança da erecção recente, decidiu usar as mãos com maior proveito, uma acariciando-lhe a nuca por baixo dos cabelos, a outra, directa e sem cerimónia, apalpando-lhe o seio. Ela sacudiu-se para escapar ao desaforo, mas ele tinha-a bem agarrada. Então a rapariga jogou com força uma perna para trás, num movimento de coice. O salto do sapato, fino como um estilete, foi espetar-se no grosso da coxa numa do ladrão, que deu um berro de surpresa e de dor. Que se passa, perguntou a mulher do médico olhando para trás, Fui eu que tropecei, respondei a rapariga dos óculos escuros, parece que magoei quem vinha depois de mim. O sangue aparecia já entre os dedos do ladrão que, gemendo e praguejando, tentava apurar os efeitos da agressão, Estou ferido, esta gaja não vê onde põe os pés, E você não vê onde põe as mãos, respondeu secamente a rapariga".
Como se interpreta do excerto acima, Saramago não dá nome aos personagens de Ensaio sobre a cegueira, tratando-os apenas por uma característica qualquer. Em certos momentos desse romance, Saramago me faz lembrar de Kafka. Não deve ser lido ao pé da letra, mas como uma alegoria. Uma alegoria al revés do Mito da Caverna de Platão.
No caderno Cultura, há uma entrevista com o autor português, cuja frase destacada é "Não sou otimista, mas quero sê-lo". Em seguida, uma crônica de Moacyr Scliar. Nas páginas seguintes, Carlos André Moreira e Itamar Melo escrevem sobre Saramago.


sexta-feira, 18 de junho de 2010

MORRE SARAMAGO

Morre aos 87 anos o escritor português José Saramago, Nobel de Literatura em 1998

Do UOL Notícias
Morreu nesta sexta-feira (18) em Lanzarote (Ilhas Canárias, na Espanha), o escritor português José Saramago, aos 87 anos. Em 1998, Saramago ganhou o único Prêmio Nobel da Literatura em língua portuguesa.

A Fundação José Saramago confirmou em comunicado que o escritor morreu às 12h30 (horário local, 7h30 em Brasília) na residência dele em Lanzarote "em consequência de uma múltipla falha orgânica, após uma prolongada doença. O escritor morreu estando acompanhado pela sua família, despedindo-se de uma forma serena e tranquila".

Nos últimos anos, o escritor foi hospitalizado várias vezes, principalmente devido a problemas respiratórios.

O escritor nasceu em 1922, em Azinhaga, uma aldeia ao sul de Portugal, numa família de camponeses. Autodidata, antes de se dedicar exclusivamente à literatura trabalhou como serralheiro, mecânico, desenhista industrial e gerente de produção em uma editora.

Começou a atividade literária em 1947, com o romance Terra do Pecado. Voltou a publicar livro de poemas em 1966. Atuou como crítico literário em revistas e trabalhou no Diário de Lisboa. Em 1975, tornou-se diretor-adjunto do jornal "Diário de Notícias". A partir de 1976 passou a viver de seus escritos, inicialmente como tradutor, depois como autor.

Em 1980, alcança notoriedade com o livro Levantado do Chão, considerado por críticos como seu primeiro grande romance. Memorial do Convento confirmaria esse sucesso dois anos depois.

Em 1991, publica O Evangelho Segundo Jesus Cristo, livro censurado pelo governo português -- o que leva Saramago a exilar-se em Lanzarote, onde viveu até hoje.

Entre seus outros livros estão os romances O Ano da Morte de Ricardo Reis (1984), A Jangada de Pedra (1986), Todos os Nomes (1997), e O Homem Duplicado (2002); a peça teatral In Nomine Dei (1993) e os dois volumes de diários recolhidos nos Cadernos de Lanzarote (1994-7).

A primeira biografia de Saramago, do escritor também português João Marques Lopes, foi lançada neste ano. A edição brasileira de "Saramago: uma Biografia" chegou às livrarias no mês passado, com uma tiragem de 20 mil exemplares pela editora LeYa.

Segundo o autor, Saramago chegou a pensar na hipótese de migrar para o Brasil na década de 1960. "Em cartas a Jorge de Sena e a Nathaniel da Costa datadas de 1963, Saramago considera estes tempos em que escreveu e reuniu as poesias que fariam parte de 'Os Poemas Possíveis' como desgastantes em termos emocionais e chega mesmo a ponderar a hipótese de migrar para o Brasil. Esta informação surpreendeu-me bastante, pois não fazia a mínima ideia de que o escritor chegara a ponderar a hipótese de emigrar para o Brasil e por a mesma coincidir com o período da história brasileira em que esteve mais iminente uma transformação socialista do país", disse Lopes.

Após lançamento da biografia, Saramago classificou a obra como "um trabalho honesto, sério, sem especulações gratuitas".

Ajuda ao Haiti

Saramago relançou em janeiro deste ano nova edição do livro A Jangada de Pedra, que tem toda a sua renda revertida para as vítimas do terremoto no Haiti. O relançamento da obra foi resultado da campanha "Uma balsa de pedra a caminho do Haiti", que do integralmente os 15 euros que custará o livro (na União Europeia) ao fundo de emergência da Cruz Vermelha para ajudar o Haiti.

Em nota, Saramago havia explicado que a iniciativa é da sua fundação e só foi possível graças à "pronta generosidade das entidades envolvidas na edição do livro".

Obras publicadas

Poesias

- Os poemas possíveis, 1966
- Provavelmente alegria, 1970
- O ano de 1993, 1975

Crônicas

- Deste mundo e do outro, 1971
- A bagagem do viajante, 1973
- As opiniões que o DL teve, 1974
- Os apontamentos, 1976

Viagens

- Viagem a Portugal, 1981

Teatro

- A noite, 1979
- Que farei com este livro?, 1980
- A segunda vida de Francisco de Assis, 1987
- In Nomine Dei, 1993
- Don Giovanni ou O dissoluto absolvido, 2005

Contos

- Objecto quase, 1978
- Poética dos cinco sentidos - O ouvido, 1979
- O conto da ilha desconhecida, 1997

Romance

- Terra do pecado, 1947
- Manual de pintura e caligrafia, 1977
- Levantado do chão, 1980
- Memorial do convento, 1982
- O ano da morte de Ricardo Reis, 1984
- A jangada de pedra, 1986
- História do cerco de Lisboa, 1989
- O Evangelho segundo Jesus Cristo, 1991
- Ensaio sobre a cegueira, 1995 (Prémio Nobel da literatura 1998)
- A bagagem do viajante, 1996
- Cadernos de Lanzarote, 1997
- Todos os nomes, 1997
- A caverna, 2001
- O homem duplicado, 2002
- Ensaio sobre a lucidez, 2004
- As intermitências da morte, 2005
- As pequenas memórias, 2006
- A Viagem do Elefante, 2008
- O Caderno, 2009
- Caim, 2009

Dos romances acima, li Memorial do convento, O Evangelho segundo Jesus Cristo, Ensaio sobre a cegueira, Todos os nomes, A caverna e Caim.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

QUANTIDADE X QUALIDADE

Há alguns anos, fui visitar os vinhedos da Almadén em Livramento, num vilarejo já tornado famoso pele vinho que produz e pelo seu filho mais ilustre, Juremir Machado da Silva. Esperava encontrar lá grandes parreirais, maiores dos que conhecia até então, é verdade, mas nada tão diferente comparado com os parreiras existentes ao sul do município de Santiago. Primeira surpresa que tive em Palomas foi constatar que a videira não passava de um arbusto quase semelhante a um pé de soja bem desenvolvido. Amparado por dois ou três fios de arame liso, o pé da videira era trabalhado para produzir um número reduzido de cachos, visando a uma melhor qualidade do vinho. No Rincão dos Machado, por exemplo, os pés de parreira eram cuidados para dar o máximo de uva, por isso sofriam o mínimo de poda anualmente. A quantidade era o único fator ambicionado, rendia mais na venda da uva e na produção do vinho crioulo. Este acabava sendo da pior qualidade.
Um pouco cansado de plantar e de colher no terreno da poesia, este ano resolvi investir numa nova cultura literária, a da prosa. Para não correr risco que corre o ignorante (no bom sentido), pensei em recorrer aos manuais, digitando no site do submarino.com palavras-chave para encontrá-los. O primeiro escolhido foi A teoria do romance, de Georg Lukács. O segundo, Vencendo o desafio de escrever um romance, de Ryoki Inoue. A propósito desse título, desconfiei do verbo, ainda mais no gerúndio, sempre empobrecedor. O primeiro livro (a começar pelo título) é referencial de muitos estudos que se fizeram depois. A produção de Lukács se resume a poucos e excelentes livros, ao contrário de Inoue, o escritor brasileiro que está no International Guinness books of records, em razão de ter escrito 1.074 obras. Sim, não é erro de digitação: mil e setenta e quatro. Esse dado me chamou a atenção ao ler a orelha de Vencendo o desafio de escrever um romance. Rapidinho, fui ao prefácio, escrito por alguém chamado Okky de Souza. Assim começa o encômio:
"Quem conhece a obra de Ryoki Inoue sabe do extremo apuro com que ele elabora seus romances. Os contextos históricos e geográficos são exaustivamente pesquisados para que seus personagens se movam no cenário adequado".
Nova desconfiança: o contexto histórico e geográfico é exaustivamente estudado? Sei que muitos romancistas estudam muito coisa antes de começar uma história. Arthur Halley, por exemplo, autor de best-sellers, como O aeroporto, estudava dois ou três anos para se lançar à obra. Obviamente, Inoue não poderá dispensar tempo semelhante, embora o "exaustivamente" de seu apresentador aponte para isso. Ainda que considerasse um ano esse estudo exaustivo, o recordista necessitaria de mil e setenta e quatro anos para escrever seus romances. Mesmo que escrevesse em um mês cada livro, incluindo a pesquisa histórica e geográfica, levaria mais de 80 anos (idade ainda não alcançada pelo autor).
A primeira curiosidade que tive foi de saber quais os principais romances de Inoue. No prefácio, nenhum é citado. Na segunda orelha, a título biográfico, leio que um de seus maiores sucessos foi O caminho das pedras. Esse livro não é nenhum romance, mas um "volume de normas que ensina a escrever bem", do mesmo gênero que o encomendado por mim.
A julgar pelo livro que tenho em mãos, um amontoado de clichês, a qualidade da extensa obra do autor acima é duvidosa. Inoue pode ser exemplo de que a quantidade, em muitos casos, é inversamente proporcional à boa qualidade. Tornou-se famoso por um número registrado no livro dos recordes, não pela arte, pela originalidade estética de sua obra. O que interessa a ele é o número de cachos de sua fértil videira, não a doçura da uva, tampouco, a cor, o aroma e o sabor do vinho produzido.
Uma pergunta aos debochados literatos (sem leitura) de Santiago: Quantos romances escreveu João Guimarães Rosa?
.
(Esta postagem é um vinho fino. Não me venham com vinagre.)


quarta-feira, 16 de junho de 2010

A MANEIRA DE TIRTEU

poemaledicêntrico,
neologístico
e antirretorético
.
todo discurso é vazio
entre a ideia
e a realidade
.
não é ponte
a linguagem persuasística
o conteúdo
circunstanciático
.
a história
é retórica histórica
a épica
nacionalística xenofóbica
a lírica
individualarmêntica
hipocondrística
a filosofia
intelectualizática
canalhética a política
(compeminúsculo)
a religião metamítica
deusatânica
escatologênica
espirikardética sauwegnóstica
noveraquarânica
a moral
retórica hipocrinítica
a crítica dialeticêntrica
a economia
globalimperialística
a informação imagética
internáutica
.
todo tudo discurso
vazio
retórica
ad infinítica

terça-feira, 15 de junho de 2010

COMENTÁRIO ESPORTIVO

Amanhã se encerra a primeira rodada da Copa do Mundo, entre Honduras e Chile, Espanha e Suíça. Por enquanto, apenas a Alemanha mostrou um bom futebol. Os analistas dizem que a qualidade melhora a partir do segundo confronto. Os brasileiros esperamos que isso seja verdadeiro em relação à nossa Canarinho. A partida de hoje foi muito ruim. Contra uma das mais fracas seleções, não se justificava qualquer tipo de tensão ou nervosismo por parte de jogadores experientes. À exceção de Maicon (estreante), Jean e Robinho, os titulares estavam irreconhecíveis em campo. Os piores foram Kaká e Luís Fabiano. Numa postagem abaixo, coloquei em dúvida a recuperação desses dois atletas. Referia-me não apenas à condição física, mas tecnica. Por falar em técnic... o Dunga demorou para fazer as alterações que fez. Ao fazê-las, nenhuma das três por motivos de lesão ou cansaço, não fica provada a má escalação? O Nilmar (pelo menos) deverá ser titular. Isso dificilmente acontecerá contra Costa do Marfim e Portugal. Repetir-se-á o esquema com três volantes. Sei não...

CAMPANHA DO AGASALHO

A Campanha do Agasalho em Santiago, São Borja, Itaqui, São Luiz Gonzaga e Santa Rosa recebeu o apoio significativo das Organizações Militares subordinadas à 1ª Bda C Mec. No último relatório da campanha, elaborado em 14 de junho de 2010, as nossas unidades do Exército haviam coletado 48.499 (quarenta e oito mil, quatrocentos e noventa e nove) peças. Superior a 2009 (9%). Ontem e hoje, foi realizada a entrega do arrecadado na Guarnição de Santiago à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, órgão responsável pela distribuição dos agasalhos.

CRISE EVIDENTE

A eleição para diretor da URI (Campus de Santiago) autentica politicamente o atributo “comunitária” à nossa universidade? Sim ou não? Tal expressão nunca passou de um adjunto adnominal, retórica, desiderato, discurso idealizado por aqueles que conduziram a instituição até hoje. Aos vencedores, gigantescos desafios pela frente, como o de re-unir o que está sendo cindido durante o processo eletivo. Trabalho mais difícil ainda consiste em conter a queda de qualidade do ensino, entre outras razões pela perda de professores para outras universidades. Algumas promessas de campanha apenas serão cumpridas após a solução de uma crise anunciada neste espaço.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

ESTRUTURALISMO E TEORIA DA LITERATURA

Eis o livro que esperava receber esta semana, comprado na maior rede de sebos do Brasil: Estante Virtual http://www.estantevirtual.com.br
Donaldo Schüler escreve que essa obra "se impõe pela abrangência, pela profundidade com que analisa as questões propostas".
Escrito entre dezembro de 1970 e novembro de 1971, o livro tem 479 páginas, subdividido em seis capítulos: A problemática estética; A estilística e seus dilemas; O formalismo russo e os limites da problemática estética; Motivação e tensão nos sistemas simbólicos; O tecelão de mitos; e Os discursos de re-presentação.
A partir de agora, suspendo as outras leituras para me debruçar com exclusividade sobre o grande livro de Costa Lima.

domingo, 13 de junho de 2010

RTPM


A diversidade temática me forçará a criar um segundo blog, um terceiro, um quarto, onde possa reunir com mais coerência minhas postagens. Abaixo, escrevi sobre futebol e poesia. Agora me ocorre um insight sobre o distúrbio RTPM que acomete os homens a cada mês. Como postar numa mesma página acerca de assuntos tão diversos? Todavia, não posso deixar a ideia fugir. Assim, faço este registro sucinto.
Para epígrafe do meu estudo, já tenho uma frase de Bertolt Brecht: "Do rio que tudo arrasta se diz que é violento, mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem".

POEMA DIDÁTICO EM TRÊS NÍVEIS

Poema didático em três níveis, de Affonso Romano de Sant'Anna, é muito extenso para postá-lo aqui, transcrevo o excerto final:
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sou o guerreiro,
a palavra a seta
e a vida a meta:
- o poeta solta a seta
e na morte se completa.
.
Em meu corpo tenho a pena, a antena, a gema,
a rima, a cisma, o crisma,
no meu corpo o livro e a vida.
Corpo: escritor sereno
de meu melhor poema.
.
Poemas que tem sezões e se fratura
e vai vivente e vai
por onde se procura,
poema que para ser composto
e vertido
terá que ser a soma de minha carne e osso
com meus versos confundido.
.
E isto posto, disposto, reposto
a gosto, a contragosto, no ontem/hoje composto
perdendo o poema antigo
salvo três versos comigo:
.
"este é o poeta suicida
que em vez do poema in/verso
prefere o poema-vida"

A PALAVRA IMPERFEITA

Depois de assistir à Alemanha e Austrália (o primeiro jogo bom desta Copa), concluí a leitura do livro A palavra imperfeita, de Donaldo Schüler. O pequeno livro desse escritor, crítico e tradutor catarinense é extraordinário, traz uma luz capaz de iluminar a maiores distâncias aquilo que o leitor/ estudioso tenta compreender. No último capítulo, Horizontes da contradição, Schüler faz um estudo de cinco poemas, associando-os, respectivamente aos "indícios da contradição", "exposição da contradição", "fundamentos da contradição", "experiência da contradição" e "níveis da contradição". Os cinco poemas são os seguintes: Porfissão de fé, de Olavo Bilac; Os sapos, de Manuel Bandeira; Canto órfico, de Carlos Drummond de Andrade; O ovo de galinha, de João Cabral de Melo Neto; e Poema didático em três níveis, de Affonso Romano Sant'Anna. Da análise que faz do último, transcrevo alguns excertos interessantes:
"A poesia tida como alucinação, embriaguez, manifestação irracional não é recente. Platão, preocupado em organizar racionalmente o estado e a vida, confinou-a à esfera instintiva e a baniu como perniciosa. Sentindo-lhe o poder sobre a emotividade, não a tolerou na República. Os românticos cultivaram a poesia com motivos pelos quais Platão a recusou. Inimigos da razão e cultores dos sentimentos, ao escrever, sentiam-se em estado de embriaguez. A poesia lhes acontecia como ditada por voz estranha.
"Poe, contra o romantismo, inaugurou a moderna poesia cerebrina representada, entre outros, por Mallarmé, Pound, Oswald de Andrade, João Cabral e os concretistas. Fora destas fronteiras se colocam os movimentos irracionalistas, a literatura popular, a sobrevivência do lirismo. Romano de Sant'Anna vive o entrechoque das forças antagônicas e permanece indeciso. Se proclama salutares as irrupções ébrias, guarda também o cerebralismo das notas. Será a buscca de síntese ou apenas a exposição da contradição?
"No século passado começa a preocupação científica pela palavra. Procuram-se leis para explicar a transformação das línguas. Delimita-se o território da linguagem confrontado com os outros campos das ciências humanas. Procura-se reduzir a palavra ao que lhe é essencial, desbastada do que a ela adere secundariamente. O criador da linguística moderna, Ferdinand de Saussure, encaminha a nova ciência para a distinção entre palavra (o signo) e a coisa designada. Enquanto a ciência da linguagem levantava barreiras entre palavras e coisas, os poetas procuraram distanciar a arte da vida, no intuito de atingir a poesia pura. O rompimento da unidade arte-vida sacudiu violentamente as bases do fazer poético.
"Diante desta cisão Romano de Sant'Anna toma a decisão pelo corpo. Contra os que restringem a invenção poética ao texto, o autor de Poesia sobre poesia localiza-lhe a gênese antes do texto. Este recuo resiste aos esforços dos propugnadores da poesia pura, e fundamenta a invasão do território poético pelo vocabulário a que os puristas recusam o reconhecimento de poeticidade. O corpo representa a aceitação da finitude contra os sonhos de perfeição, identificados com a morte:
Sou corpo
presente em missão. Estou no meio. Só os mortos e escolhidos
vão ao fim (p. 19).
"O fazer poético configura-se, portanto, antes do fim. O poetar adia a perfeição e o fim. É ato de quem está no meio, a caminho. A perfeição está no fim do caminho, mas aí deve-se buscar o fim a poesia. A perfeição nega a vida, porque é o fim da vida. Operada a coincidência poesia-vida, não se pode estender a vigência da poesia para além do fim da vida. Em Bilac, a perfeição foi desiderato. Em Romano de Sant'Anna, perfeição é aniquilamento, morte. A decisão pelo corpo arrasta consigo a escolha da imperfeição. A carência cobre todo o percurso da grafia e o poeta a cultiva. Na oposição poesia-vida, o corpo surge como síntese. Corpo é grafia. Mas, ao absorver os polos opostos poema-corpo, ingere também a fratura:
Poema que tem sezões e se fratura (p. 22).
"A fratura está no destino do corpo. Processa-se no distanciamento dos outros corpos, na identificação de si mesmo e do outro, nas contínuas opções excludentes oferecidas por um mundo múltiplo, na irremediável situação antes do fim. Ao se fazer corpo, o poema opta pela historicidade e pelo dilacerante jogo das antíteses".
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Livro que estou na expectativa de receber esta semana é Estruturalismo e teoria da literatura, de Luiz Costa Lima. Donaldo Schüler escreve: "Luiz Costa Lima realiza uma respeitável esforço teórico na penetração da obra literária. Seu livro, Estruturalismo e teoria da literatura, coloca-se, sem favor, entre os melhores que se produziram no gênero".

sábado, 12 de junho de 2010

EMOCIONANTE?

O exagero midiático em torno da Copa do Mundo é algo que chama a atenção. Por exemplo, L. F. Veríssimo escreve numa coluna do Zero Hora deste sábado o seguinte: "Foi um começo emocionante para uma Copa emocional". À exceção dos sul-africanos, não vejo essa emoção propalada aos cinco continentes. Os jogos dessa manhã provam o contrário: a apatia. Como a seleção da Grécia conseguiu se classificar para esta Copa? Pelo que apresentou de futebol, a crise daquele país não se restringe apenas à economia. A partida contra a Coreia do Sul só não foi pior, repetindo o feito de França e Uruguai, graças à velocidade dos atacantes coreanos. Uma vitória merecidíssima. Argentina e Nigéria prometiam um espetáculo melhor. Outro exagero é chamar de "quarteto fantástico" o grupo argentino formado por Verón, Higuaín, Messi e Tévez. Verón (no primeiro tempo) e Messi até justificaram o encômio da mídia, mas os outros dois... À Nigéria faltou a determinação de anos anteriores. Até o jogo do Brasil, na terça-feira, ainda terei algumas expectativas, farei alguns comentário. Caso venha a se confirmar nos próximos jogos aquilo que já sabia sobre a baixa qualidade do futebol desta Copa, mudarei o foco das minhas postagens.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

SEGUNDO JOGO

O palpite lógico era de uma vitória simples da França contra o Uruguai. O empate também não servia para estapafúrdio. O resultado sem gol justificou a feiura do jogo. Do lado francês, Ribéry. Do lado uruguaio, Forlán. Mais determinação que qualidade. França sem Zidane é outra, dentro da previsão que fiz abaixo de que esta Copa será inferior à passada (2006). Todos com um ponto no Grupo A.
Amanhã jogarão Coreia do Sul e Grécia (8h30), Argentina e Nigéria (11h00), Inglaterra e Estados Unidos (15h30). Os empates deverão ocorrer mais vezes nos primeiros jogos de cada grupo.

PRIMEIRO JOGO

Sempre tenho dois palpites para um jogo: um lógico e outro estapafúrdio. O lógico é aquele da maioria dos palpiteiros. O estapafúrdio é único. Para o primeiro jogo da Copa, meu palpite lógico era o empate em zero ou um gol. Excentricamente, apostava em 3 a 0 para o México. No primeiro tempo, parecia que a vitória da seleção mexicana seria fácil. No segundo, todavia, os Bafana Bafana dominaram o jogo e não ganharam por pouco.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

ABERTURA FRACA, COPA FRACA

Os shows de abertura da Copa do Mundo estiveram aquém das minhas expectativas. A última e mais esperada apresentação, com Shakira, foi decepcionante. Muita performance corporal (a la Madonna), mas pouco canto. Waka Waka (Isto é África) tem uma letra e melodia horríveis. Não espero que o futebol possa surpreender, deduzindo-o a partir da fraca abertura. Hoje comprei a Placar (especial) e Guia da Copa para ter uma visão mais ampla sobre a disputa internacional. Decididamente, será inferior à passada (2006). À exceção de poucos jogadores novos, como Di Maria (Arg), Sneijder (Hol), Marchisio (Ita), as seleções favoritas são velhas, repetição da copa anterior. Algumas delas sem os grandes craques, como Ballack (Ale), Figo (Por), Raul e Marcos Senna (Esp), Ronaldinho (Bra), Beckham (Ing), Zidane (Fra), Riquelme (Arg). Como gostaria de apostar numa zebra africana. Nigéria, talvez.

DIAS QUENTES

Hoje, a partir das 15 horas, teremos o espetáculo de abertura da Copa do Mundo da África. A grande atração do evento será musical, com a presença de Shakira, cantora colombiana, da banda norte-americana Black Eyed Peas, entre outros artistas sul-africanos.
Amanhã, primeiro jogo, entre África do Sul e México. Em seguida, Uruguai e França.
Não bastasse ser uma sexta-feira, o Dia dos Namorados deve agitar o comércio santiaguense e o coração de quem se acha homenageado neste dia.
Na terça, primeiro jogo do Brasil. Feriado à tarde. No dia seguinte, eleições na URI.
Ainda que possa chover alguns milímetros domingo, segunda, terça e quarta, associando frio e umidade, teremos dias quentes pela frente.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

RETIFICAÇÃO

Na postagem abaixo, fui semanticamente impreciso ao dar status de "críticos" a alguns debochados e energúmenos (definido por Houaiss como "indivíduos desprezíveis, boçais, ignorantes"). Está bem, exagero meu. Retifico a definição para debochados e ignorantes. O que posso inferir de quem, por exemplo, cita Sócrates mal tendo ingressado na leitura de fruição por intermédio de Harry Potter? Quem lê Platão (ou a história da Filosofia), não pode sofrer tamanha recaída.
Agradeço as palavras de apoio do Ruy Gessinger, pessoa capaz de entender Literatura, Filosofia, Direito e muito mais. Ele, sim, poderia rir do que acontece em Santiago (em nome da Cultura). Não o faz, porque é sério, inteligente. Basta ler sua coluna no Expresso Ilustrado ou acessar seu blogue: http://blog.gessinger.com.br/

terça-feira, 8 de junho de 2010

A CERTOS CRÍTICOS

Algumas pessoas, intentando criticar meu racionalismo, citam Sócrates. Aliás, citam a única frase que sabem dele (transcrita por Platão a primeira vez): "Só sei que nada sei".
Antes de desferir um golpe contundente contra o argumento desses ignaros, lembro que Sócrates era extremamente irônico e jocoso. Há outra frase dele, mais séria, que meus críticos deveriam analisar, descobrir seu teor enigmático: "Oh, Críton, devo um galo a Asclépio".
Essas foram suas últimas palavras sob o efeito da cicuta (uma morte que ele aceitou racionalmente).
Ao citar Sócrates como argumento de autoridade, tais pessoas são risíveis. Sócrates, o grande moralizador, submeteu a vida à razão, substituindo o instinto (que Nietzsche associava ao espírito criativo dos gregos) pelo daimon, o elemento racional de sua filosofia. Anterior a Sócrates, a vida dos gregos era justificada pela existência dos deuses (criados a partir de um anseio pela existência). Os gregos eram apaixonados pela vida, a despeito de um estado de tensão permanente entre a paixão e a racionalidade (Dionísio versus Apolo). Sócrates nega toda a grandeza da cultura grega da Antiguidade com o culto à razão, com a qual quis julgar o valor da vida.
Isso é uma coisa muito difícil de compreender. O julgamento da vida, a partir da condenação dos sentidos, como fizeram Platão e o Cristianismo mais tarde, deu origem à moral que comanda nossa civilização.
Meus críticos tomam a frase de Sócrates como uma apologia à humildade, uma humildade que eles não fingiriam ter se soubessem um pouquinho mais.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

SEI NÃO...

Na condição de torcedor, esta será a décima primeira Copa do Mundo que acompanho desde 1970. Na conquista do Tri, não desgrudei o ouvido do rádio que meu pai comprara no ano anterior. A gurizada do Rincão dos Machado se reunia em nossa casa nos dias de jogo do Brasil. Logo após o gol narrado na Guaíba, Pedro Carneiro Pereira chamava pelo comentário de João Carlos Belmonte. Maninho, o filho mais velho do tio Fermo, retransmitia aos demais ouvintes: "O Bermonte fez um golo!". Na próxima (1974), assisti pela televisão como penetra no restaurante Caleche, onde quebravam copos os mais exaltados com os erros da Canarinho. Na seguinte (1978), Coutinho não convocou Falcão (o melhor jogador brasileiro), e tudo mais conspirou para que a Argentina ganhasse a Copa. Em 1982, o Brasil excursionou pela Europa com o Paulo Isidoro na ponta direita. O Telê, no entanto, substituiu esse jogador por Cerezo, o qual acabou entregando o jogo no meio campo. Poucos não choraram aquela derrota contra a Itália de Paolo Rossi. Quatro anos depois, Zico errou um pênalti, e a desclassificação veio nas quartas-de-final para a França. Em 1990, na chamada "Era Dunga", foi a mais curta participação brasileira de que me recordo, quando fomos eliminados nas oitavas pela Argentina. Em 1994, Dunga se vinga do fracasso passado, ao ganharmos da seleção italiana nas penalidades. Na sequência, assistimos à Copa do amarelão de Ronaldo e de tantas outras coisas ainda não esclarecidas (que me fizeram perder o entusiasmo de torcedor apaixonado). O Brasil foi derrotado por Zinedine Zidane. Em 2002, Ronaldo se redime. A mais fácil das conquistas, sob o comando de Luiz Felipe Scolari. Na última, outra vez a França em nosso caminho. Enquanto Roberto Carlos ajeitava sua meia, Henry fazia o gol da desclassificação nas quartas. Nesta de 2010, Dunga não convocou Ronaldinho. Kaká e Luís Fabiano não se encontram cem por cento recuperados. Sei não...

JABULANI

Sobre a bola da Copa, uma das principais personagens do grande evento futebolístico que começa nesta semana, a denominação dada pela Adidas, Jabulani, significa "celebrar", "celebração" na língua bantu.
Por que Kaká a beijou, e outros jogadores brasileiros a repudiaram?
Obviamente, a resposta está no patrocínio. Quem recebe da Adidas, beija; quem recebe da Nike, rejeita.

sábado, 5 de junho de 2010

SOS

Com a imagem e o título acima, o Editorial do Zero Hora de hoje começa assim:
"A humanidade celebra neste sábado um lúgubre Dia Mundial do Meio Ambiente marcado pelas imagens dramáticas de aves e animais marinhos cobertos pelo petróleo que vaza sem cessar há quase dois meses no Golfo do México".
Golfo do México? Não foi aí o epicentro de uma extinção há 65 milhões de anos?
Em meu livro Ponteiros de palavra, editado em 2006, incluí o poema abaixo:
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SOS
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negros
pássaros
.
sem asas
para voar
.
sem bico
para cantar
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sem pernas
sem penas
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imersos
num rio
de óleo
.
sem paz
SarOS
.
Agora me dou conta que o termo "mar" no lugar de "rio" melhora o poema por dois motivos: foneticamente, porque cria uma pequena aliteração; e semanticamente, porque diz mais da realidade (em vista da proporção dos últimos desastres ambientais). Numa próxima edição, talvez mude para
imerso
num mar
de óleo

quinta-feira, 3 de junho de 2010

OS SEGREDOS DA FICÇÃO

Adquiri esse livro em 2005. O melhor que li sobre a arte de escrever. A propósito, abaixo da linha que corta horizontalmente a capa, está escrito "um guia da arte de escrever".
Na orelha: "Os segredos da ficção é um convite irresistível à criatividade. Romancista e contista premiado, Raimundo Carrero mostra neste livro estimulante que a literatura está ao alcance de todos aqueles que têm o impulso de criá-la e, também, a perseverança de trabalhar duro para transformar suas ideias em contos, novelas e romances".
Da Introdução à Bibliografia Comentada, tudo é interessante. A voz narrativa, o processo criador (impulso, intuição, técnica, pulsação narrativa e organização do processo de criação). Cem páginas são dedicadas ao capítulo A construção do personagem. "Flaubert fez uma verdadeira curva narrativa para criar Emma Bovary. Ele confessou em carta. O ponto de partida de Madame Bovary era uma virgem mística e terminou uma adúltera; em Umberto Eco uma notícia de jornal provocou a gênese de O nome da rosa..."
Um dos tópicos iniciais do livro é Primeiro passo: ler, ler, ler. (Exatamente o que falo para quem pergunta minha opinião sobre a arte de escrever.) O que nos ensina Raimundo Carrero?
"Ninguém se torna escritor sem ser, antes de mais nada, um leitor obsessivo. Compulsivo, feito se diz. Tudo mesmo: romances, novelas, contos, ensaios, jornal, revista etc. Mesmo assim, consideremos uma radical observação: sem os clássicos é impossível criar uma precisa visão do mundo - o caminho árduo que nos leva à construção da obra.
"No processo de voz narrativa - esboços, argumento, sonhos, situações descosturadas diálogos soltos, vai se estruturando a pulsação - começo e fim da obra literária.
"Homero, Dostoiévski, Tolstoi, Gógol. Shakespeare. Dante. Cervantes. Flaubert, Balzac, Stendal. Joyce. Faulkner, Hemingway, Steinbeck. Virginia Woolf, Sylvia Plath, Katherine Mansfield. Borges, Sábato, Robert Arlt. Juan Rulfo, Carlos Fuentes, Octavio Paz. Machado, Euclides, Graciliano, Jorge Amado. Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles, Nélida Piñon".
Carrero aconselha a ler também os poetas. Bons dicionários e boas gramáticas.
Por que será que o autor não cita Paulo Coelho, J.K. Rowling, Mônica Buonfiglio...?