terça-feira, 25 de maio de 2010

RITMO E METÁFORA

Um dos textos metapoéticos mais claros foi escrito por Fernando Pessoa, o genial poeta e grato filho da Língua Portuguesa. O excerto a seguir é de uma precisão extraordinária:
"Poesia e prosa não se distinguem senão pelo ritmo. O ritmo consiste numa graduação de sons e de faltas de som. Às palavras, como existem, compete um ritmo de variação, dependente da extensão das palavras, da sua acentuação, da sua qualidade e quantidade silábica, e também do seu sentido. Às pausas, como não existem, compete tão somente um ritmo d extensão".
O ritmo aproxima a poesia da música. A equivalência pode ser feita entre uma nota e um fonema, uma vez que ambos são unidades de som. Uma composição musical se caracteriza por uma sequência de sons (graves e agudos), que se repetem a um tempo determinado - o compasso. Um poema é composto por uma sequência de sons (tônicos e átonos), que se repetem a um espaço definido - o verso. Para ilustrar o que seja o ritmo, transcrevo quatro versos de Carlos Nejar:
"Os homens eram ardentes
como tochas de amaranto
sobre o rosto do poente
deixaram rosas de pranto".
São versos de sete sílabas, com tonicidade na 2ª, 4ª e 7ª, no primeiro e quarto verso; na 3ª e 7ª, segundo e terceiro versos.
O heptassílabo (redondilha maior) é uma recorrência na produção nejariana. Morte e vida severina, de João Cabral de Melo Neto, constitui outro exemplo em que preponderam os versos com sete sílabas. O verso livre foi uma das maiores revoluções do Modernismo. O conteúdo se sobrepôs à forma, ainda que esta se faça presente na linguagem, na extensão do verso e do poema como um todo, bem como no ritmo interno.
Nejar definiu o poeta como um "encantador de imagens e palavras". Sem abolir o ritmo, a poesia passou a se fundamentar, mormente, na metáfora. Nos versos acima, temos três (incluindo a comparação): "como tochas de amaranto", "rosto do poente" e "rosas de pranto".
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(Publicado numa coluna do Expresso Ilustrado em 2005.)

Um comentário:

Cris Michelon disse...

versos de Carlos Nejar, lembro destes:

"Não busco a hierarquia
entre a terra e o húmus:
prefiro a transcendência
do vento,
cumprindo-se apenas,
sem dividendos
no pensamento".

Tem um mimo para você no meu cantinho.
abraços