segunda-feira, 11 de maio de 2009

NAQUELES TEMPOS...

A seca sempre existiu (perene nas regiões de deserto, ou próximo a elas, e esporádica nos demais lugares, inclusive onde prevalecem os climas úmidos). Nesta fronteira oeste do Estado, o fenômeno se repete de tempo em tempo, causando perdas irreparáveis, principalmente aos agricultores. A maior dependência econômica da atualidade faz com que a última grande estiagem seja a mais nefasta, passando-se uma demão de esquecimento sobre aquelas que aconteceram há décadas. Ainda bem que é assim, para a boa saúde dos que sofreram na pele (e na alma) os castigos impostos pelo tempo. Da parte que me cabe, trago as marcas desse sofrimento na forma de lembrança, que, por sua nitidez, não se deixa transformar em poesia. Uma das lidas mais difíceis que os guris realizávamos no Rincão dos Machado era carregar água em baldes, latas, porongos, em tudo que pudesse servir de vasilha. O poço da casa era o primeiro a secar, depois o açude do potreiro, a sanga e, por último, o rio (que quase cessava de correr). A salvação vinha dos olhos-d'água, que brotavam fracamente no coração das restingas. O trabalho enchia nossas mãos de calos e nossos pés de espinhos, mas o escasso líquido era trazido para o consumo humano. Todas as tardes, o gado manso era conduzido aos açudes maiores ou até mesmo ao Rosário. A esse rio riacho, a cada dez ou quinze dias, acompanhávamos nossas mães na lavagem de roupa, quando pescávamos lambari e nadávamos nas águas baixas. Na boca da noite, todos nos reuníamos na casa de um vizinho para rezar com uma única intenção: a chuva (que teimava em não vir, contrariando os sinais mais evidentes). Não havia chegado a monocultura exclusivamente comercial, mesmo sem dinheiro, não faltava feijão, mandioca e carne de porco (frita e conservada dentro da própria banha) para as refeições diárias. Depois, com a eletrificação rural, veio a água encanada, o freezer, a televisão, o trator e todas as benesses do desenvolvimento tecnológico. Hoje poços artesianos são abertos. Não poderia ser diferente: o rincão não mais dispõe de guris para carregar água em baldes, latas, porongos...

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