segunda-feira, 17 de novembro de 2008

AMOR, ANTIGO AMOR

Há exatamente cem anos, minha bisavó Fermina fugiu de casa. Ela criou asas na ponta do coração (num tempo pouquíssimo favorável às mulheres). A história contada e recontada era de que um viajante a levara para longe, mas isso não passava de um subterfúgio, de uma racionalização para ocultar parte da verdade, muito desonrosa para a família. O homem era casado, residente no mesmo distrito de Vila Flores. Ambos deixaram para trás marido e mulher traídos vergonhosamente e atormentados por uma pergunta irrespondível ou por uma resposta inconfessável. Bisa abandonou minha avó Fran, com três anos, e Manuel ainda de berço (tio-avô muito admirado pelos descendentes e correligionários). No dia combinado para a fuga, após alimentar as crianças, ela pegou a estrada até onde seu novo amor a esperava com dois cavalos encilhados. Bisavô Antônio retornaria do trabalho ao pôr do sol, dando-lhes tempo suficiente para trotearem léguas e léguas em direção a Cruz Alta. A noite, talvez enluarada, não foi empecilho para alongarem a distância. Nunca foram seguidos, tampouco encontrados. Vinte anos depois, a bisavó veio passear na casa da filha, então casada com meu avô Fermino. Bisavô Antônio, que passara a morar com o genro, chegou do campo, desencilhou e, ao saber da visita, por intermédio da neta Celanira (tia Cela), encilhou o cavalo e voltou a camperear. Só retornou quando soube que a mulher partira outra vez.
Um século se passou. A história da fuga da bisavó Fermina continua com lacunas apenas preenchidas pela imaginação deste seu descendente indiscreto. Ainda não me decidi entre a biografia e o ensaio. Entre uma mescla dos dois e literatura. O tema é instigante, desafiador.

Um comentário:

Anônimo disse...

Amigo! que vertente para um romance ou um ensaio.
E me pergunto, quantas histórias parecidas não terão ocrrido, ocultas pelo passar inexorável do tempo. Sorte que alguém contou a ti, que sabes escrever, e muito bem.