segunda-feira, 21 de abril de 2008

A QUARTA FRUSTRAÇÃO

O estudo dos genes reserva uma das maiores revoluções no pensamento humano, equivalente à propiciada pela Física Quântica e pela Relatividade ao longo do século XX. Os livros de Richard Dawkins, zoólogo, evolucionista, brigth inglês, constituem-se na primeira literatura objetiva acerca das descobertas genéticas. Os genes são os grandes protagonistas que hão de perpassar o século XXI, quando a história do homem começará a ser reescrita – agora sob o viés de uma quarta frustração*. Meu texto abaixo, Oliveira, Machado..., aponta para uma possível mudança numa tradição familista (num sentido pejorativo, à semelhança de egoísta, etnocentrista, racista, especista etc.). O sobrenome não passa de uma palavra, um rótulo totêmico (que remonta ao totem das sociedades primitivas), tomado como algo diferenciador não apenas no aspecto consangüíneo, mas também nos valores sociais, culturais e econômicos. Isso é facilmente observável aqui, em Santiago. Às vezes, basta um indivíduo tornar-se famoso, rico, para os demais membros da família a que ele pertence ostentar certo status quo adquirido como que por osmose. Quem, entre meus concidadãos, já se livrou do preconceito familista? Exceções à parte, a maioria deles considera a consangüinidade um elemento que identifica cem por cento sua família. Ninguém ainda sabe que tal não passa de uma convenção social, algo insustentável por qualquer estudo genético. Como organismo diplóide, que recebo 50% da carga hereditária do pai e 50% da mãe, poderia dizer que herdei 50% dos Oliveira e 50% dos Fiorenza. Dessa forma, não pertenço 100% à família dos Oliveira (totemizada junto ao meu nome). Na concepção do meu pai, todavia, não entrou apenas os Oliveira com a sua parcela de genes, mas os Soares, com igual participação genética. Na concepção da minha mãe, o mesmo é válido dizer acerca dos Colpo em relação aos Fiorenza. Portanto, poderia dizer que herdei 25% de cada uma dessas famílias. Mas ainda não posso dizer sem cometer um grande equívoco. Meus avós, paternos e maternos, ao registrarem meus pais, descartaram a participação das famílias Machado, Franco, Crestani e Zauza. A designação familiar caiu fora, não a participação genética. Isso implica em subdividir minha constituição em oito partes, correspondentes às famílias dos pais de meus pais. A percentagem que trago dos Oliveira, assim, cai para 12,5%. Como o mesmo ocorreu no registro de meus avôs, outras quatro famílias foram relegadas ao esquecimento, embora continuassem participando da carga hereditária de todos os seus descendentes. Por conseguinte, os Oliveira perdem outra metade, restando-lhes 6,25% de efetiva participação em minha estrutura vital. A cada recuo em direção aos meus ascendentes, mais e mais famílias se somam como minhas consangüíneas. Atrás dos Oliveira, por exemplo, chegarei ao século XV, quando Portugal obrigou os judeus residentes em seu território à conversão. Os chamados cristãos-novos inventaram inúmeras formas de esconder sua origem judia, entre as quais as alheiras** e os sobrenomes. O primeiro Oliveira, porém, trouxe a mesma percentagem familiar de seus antepassados que a troca de designação não anulou, absolutamente. Naquela época, essa percentagem era tão ínfima que, a despeito de todas as gerações que a subdividiram posteriormente, até chegar a mim, não era significativamente diferente da que trago hoje desta ou daquela família. Para representá-la numericamente, algo em torno de 0,001%. Numa outra direção, seguindo a linha dos meus descendentes, posso me fazer mais elucidativo. Minha filha terá a percentagem dos Oliveira, isto é, 0,001%, diminuída ainda mais. Reitero: aos Soares, Machado, Franco, Colpo, Fiorenza, Crestani, Zauza e centenas de outras famílias que, por força da tradição paternalista, foram relegadas ao esquecimento, outras tantas se somam por conta dos 50% que cabe à sua mãe. O mesmo ocorrerá na concepção de meus netos, bisnetos, trisnetos... Interessante observar que seus filhos ainda terão a grafia Oliveira no nome, mas seus netos não. Estes poderão casar com Oliveira, sem o risco da consangüinidade evidente. Nossa civilização é declaradamente machocêntrica, uma vez que cabem aos meus filhos homens perpetuarem o nome da família Oliveira. Minhas filhas iniciarão um processo de descarte que não se manterá até seus netos. Atualmente, está havendo mais liberdade no registro dos recém-nascidos. O velho paradigma, que norteou nossas sociedades por milênios, apresenta rupturas internas. Aos poucos, seus tabus foram desobedecidos, seus preconceitos quebrados, seus mitos compreendidos, enfim, toda sua estrutura arcaica deixou-se infiltrar pela luzes do conhecimento filosófico e científico. Especificamente, acerca do que se configurou o tema acima expresso, reitero que a genética propiciará um grande salto para a compreensão da vida. O homem que se cuide (no alto de sua transitória grandeza).

* As três primeiras frustrações resultaram das descobertas de Copérnico
(heliocentrismo), de Darwin (o evolucionismo) e de Freud (o inconsciente).

** Alheira era um tipo de enchido de carne de galinha e outras aves, feitas para imitar os tradicionais chouriços de carne de porco, proibida aos judeus.

2 comentários:

Rúbida Rosa disse...

Felizmente amor, em relação a você nunca tenho frustações!Veja só, agora um motivo mais para orgulhar--me é que desponta como novo "pensador da genética"!
He He!
Bjos

Ivan Zolin disse...

Froilam!

A genética pode indicar características biológicas, que vão do fenótipo as predisposições a infermidades.
O método cientifico favorece a procura por uma "particula elementar", por um "tijolo inicial", mas isso não assegura que a resposta esteja contida na forma.
Não creio que a "vida" está no "tijolo básico" pode expresa-se dessa forma. Sabemos do que são os eletrons porém não sabemos por quê são.
Ninguém tem dúvida que uma cebola tem um centro, no entanto ao procurá-la não conseguimos e até destruímos. Aqui a lição da física moderna com o princípo de incerteza é uma verdade. Tem coisas que estão "acopladas" só poderemos saber "a média" de seu comportamento.
O ponto central de uma roda que gira a altas rotações está parado.

Zolin