segunda-feira, 17 de março de 2008

DA INFLUÊNCIA RELIGIOSA

A Sexta-Feira Santa no Rincão dos Machado, há quarenta anos, era uma coisa medieva, própria de um tempo de superstições e assombros. O medo (que não pode ser confundido com respeito) forjava as crenças transmitidas pelos mais velhos e desautorizava a inobservância à tradição católica. Nossa comunidade vivia como se fosse na Idade Média, inteiramente dominada pela grande religião cristã, cujo símbolo maior é a cruz (sofrimento e morte). Aos poucos, todavia, os meninos passamos a estudar na cidade; o pula-toco foi substituído pelo trator; a lamparina à querosene, pela luz elétrica; a carreta de bois, pelo reboque; a foice de cortar trigo, pela colheitadeira; o cavalo, pelo veículo automotor; o rádio (ouvido a partir de 1969), pela televisão... As trevas da ignorância, aos poucos, foram sendo reduzidas por uma espécie de iluminismo – evolução que os nossos ascendentes relutavam em aceitar, porque viam no avanço a possibilidade catastrofista do fim do mundo. Naquela época, ninguém se perguntava, por exemplo, acerca do costume de comer peixe na Sexta-Feira Santa e vaca gorda no Sábado de Aleluia. Tudo o que era proibido na sexta, fazia-se sem controle no sábado. O respeito e o falso pesar da sexta (pela morte de Jesus) davam lugar à vingança irracional contra Judas no sábado. Tão somente, sabia-se que a sexta era santa, e o sábado era de aleluia. Nos atuais dias, isso até provoca risos. O mundo não chegou ao fim. Pelo contrário, os homens vivem melhor com a ciência, com as técnicas aplicadas na agricultura, no trato com os animais e consigo mesmos. No Rincão dos Machado, ninguém come churrasco na Sexta-Feira Santa, mas os nossos parentes que lá vivem já deixaram a Idade Média para trás.

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