sábado, 9 de fevereiro de 2008

(IN)CONSCIENTE(MENTE)

Uma das últimas postagens do blog do Júlio Prates relaciona suicídio e depressão. Seu (hiper)texto me serviu de sugestão para o tema que discorrerei a seguir.
A depressão arrasta o indivíduo a “saltar da ponte e da vida”(*), dando origem ao mais sério problema filosófico (de acordo com Albert Camus): o suicídio. Ainda que possa ter determinante genética, a doença só se manifesta, por sua vez, como resultante de um quadro existencial que lhe é propício. Esse câncer psíquico se desenvolve com vários nomes, mas acaba sendo reconhecido tardiamente, às vezes sem conexão observável com as causas que preexistiam. Entre essas causas, cito o pessimismo crônico, o hipocondrismo, a avareza, o medo, a angústia, o narcisismo secundário, a depreciação contemplativa, o excesso de sensibilidade (como bem destaca o Júlio, em seu nietzschianismo). Quanto à falta de fé, questiono. Fé na vida? Fé num outro mundo? A criação mítica, religiosa e moral de um mundo além esvazia a importância deste mundo. A tradição judaica, cristã e islâmica (aqui, sou eu a me confessar leitor de Nietzsche) constitui a causa sub-reptícia de muitos suicídios, porque dota os ocidentais do gene da má consciência, do sentimento de culpa. Os orientais também se matam, obviamente, levados por outras formas de crenças niilistas (como os camicases e homens-bomba). A propósito, os tipos acima provocavam e provocam sua morte conscientemente, escolha que não tem o deprimido algumas vezes, visto que o instrumento com o qual se suicida inconscientemente, o remédio ou a droga, oblitera-lhe a consciência do ato contra a própria vida.
Quando falamos em suicídio, quase nunca nos referimos às suas formas inconscientes. O alcoolismo é uma delas. O consumo da bebida destilada, mais forte, por um motivo racionalizado pelo consumista, viabiliza o processo suicidógeno (que tramita sub-repticiamente). O indivíduo, sem saber, segue a filosofia de Jack, o estripador: por partes. Mata-se aos poucos: boca, laringe, estômago, fígado, rins, bexiga, cérebro... A morte do suicida só ocorre inteiramente depois de muito sofrimento, extensivo aos familiares que não o abandonam (por comiseração).
Outra forma de suicídio inconsciente consiste no uso dos demais tipos de droga, incluindo os antidepressivos (tarja preta). Uma outra mais depreende-se da má condução do veículo automotor (carro, caminhão, moto...), como deslocar-se em alta velocidade. Na direção, o pretersuicida também pode ser caraterizado como preter-assassino. Mais consciente é claro.
A sociedade, todavia, não reconhece no alcoólatra, no drogado e no motorista (mau) possíveis suicidas, merecedores de um tratamento especial. Como são muitos, o que compromete a imagem que a sociedade tem de si, de pretensa normalidade, o melhor é, no máximo, considerar os tipos acima doentes ou irresponsáveis.
A verdade é que, concordando com o sentimento do Júlio, somos impotentes para resolver qualquer problema social – por mais que pensemos, escrevamos ou ajamos altruisticamente. O reconhecimento dessa impotência poderá se constituir na causa de angústia, depressão e... suicídio.

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(*) Verso de Morte e vida Severina, de João Cabral de Melo Neto

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